Texto de um diário de viagem de 1996, com fotos de Rothenburg (Alemanha) tiradas em 2007.
30 de agosto de 1996
Duas décadas depois, viajo novamente sozinho à Europa, só que com motivos diversos: em 1972, fui em busca da consciência cósmica via drogas e, após sofrer várias vicissitudes, retornei desorientado para embarcar em uma depressão; hoje viajo para desligar-me da rotina. Sentado no salão de embarque do aeroporto internacional, aguardando a chamada para adentrar o avião.
O avião é uma verdadeira nave de ficção-científica, com todas as comodidades: vários canais de música, filme de Woody Allen, exibição no vídeo de mapas com a localização do avião e de informações sobre a viagem: altitude, 12 km, uau!, temperatura externa, até -40o, velocidade chegando a ultrapassar 900 km/h. O serviço de bordo é incessante: refrigerantes e sucos, jantar, aperitivo, mais sucos, café da manhã. SÓ QUE os assentos são apertadíssimos e dormir, quase impossível. As gigantescas aeronaves modernas quase “flutuam” no ar, mas o pouco que balança, em alguns trechos, faz-me jurar nunca mais andar de avião. Juramento que será decerto descumprido. Pois em onze horas transpõem-se os 9.500 quilômetros que nos separam de Amsterdã. No tempo de Colombo foi pior!
Duas décadas depois, viajo novamente sozinho à Europa, só que com motivos diversos: em 1972, fui em busca da consciência cósmica via drogas e, após sofrer várias vicissitudes, retornei desorientado para embarcar em uma depressão; hoje viajo para desligar-me da rotina. Sentado no salão de embarque do aeroporto internacional, aguardando a chamada para adentrar o avião.
O avião é uma verdadeira nave de ficção-científica, com todas as comodidades: vários canais de música, filme de Woody Allen, exibição no vídeo de mapas com a localização do avião e de informações sobre a viagem: altitude, 12 km, uau!, temperatura externa, até -40o, velocidade chegando a ultrapassar 900 km/h. O serviço de bordo é incessante: refrigerantes e sucos, jantar, aperitivo, mais sucos, café da manhã. SÓ QUE os assentos são apertadíssimos e dormir, quase impossível. As gigantescas aeronaves modernas quase “flutuam” no ar, mas o pouco que balança, em alguns trechos, faz-me jurar nunca mais andar de avião. Juramento que será decerto descumprido. Pois em onze horas transpõem-se os 9.500 quilômetros que nos separam de Amsterdã. No tempo de Colombo foi pior!
31 de agosto
Amsterdã, nove anos depois! Tudo no mesmo lugar. Pernoito no Hotel Ibis, próximo do aeroporto, pois prossigo amanhã cedo para Frankfurt. A planura sem fim, a Holanda não tem relevo. Tomo um trem para a Estação Central de Amsterdã. A velha Centraal Station, no centro de Amsterdã velho de guerra, por onde vaguei e me perdi em meus tempos de hippie nos anos 70. Hippies estão extintos como os dinossauros, mas Amsterdã continua uma cidade jovem. Em meus primeiros passos pela área defronte à estação, eu, agora já na meia idade, senti-me um tanto um estranho no ninho no sobretudo dos anos 50 que pertenceu ao meu pai. Rodei pelos mesmos lugares por onde já rodara tantas vezes antes. Sentei-me no Dam em meio aos novos jovens: um deles, observei, enrolava um “baseado” de maconha — já pensou alguém enrolar um baseado em plena Cinelândia? Um crioulão discretamente me abordou, perguntando se desejava “ make business”; educadamente recusei. Cartões postais fazendo a apologia bem-humorada do grass, indicam que a subcultura das drogas perdura na Holanda; recente matéria na Time explicou que a política do país consiste em liberalizar drogas leves para deter a proliferação das pesadas. Quando o risco de consumir drogas leves ou pesadas é o mesmo, o consumidor prefere as últimas. Revi o Leidseplein, o prédio do Rijksmuseum, detive-me em alguns bancos à margem dos canais: passaram alguns barcos exóticos, num deles, multicolorido, um corneteiro tocava, noutro, um grupo jovial degustava vinho. Ainda sobrou tempo para o tradicional passeio no barco de teto transparente pelos canais, às oito e pouco da noite, começando a escurecer, e ouvir mais uma vez, para depois esquecer, curiosidades como que Amsterdã tem cem canais com mais de mil pontes perfazendo mais de cem quilômetros. Esta não mais esqueço!
Amsterdã, nove anos depois! Tudo no mesmo lugar. Pernoito no Hotel Ibis, próximo do aeroporto, pois prossigo amanhã cedo para Frankfurt. A planura sem fim, a Holanda não tem relevo. Tomo um trem para a Estação Central de Amsterdã. A velha Centraal Station, no centro de Amsterdã velho de guerra, por onde vaguei e me perdi em meus tempos de hippie nos anos 70. Hippies estão extintos como os dinossauros, mas Amsterdã continua uma cidade jovem. Em meus primeiros passos pela área defronte à estação, eu, agora já na meia idade, senti-me um tanto um estranho no ninho no sobretudo dos anos 50 que pertenceu ao meu pai. Rodei pelos mesmos lugares por onde já rodara tantas vezes antes. Sentei-me no Dam em meio aos novos jovens: um deles, observei, enrolava um “baseado” de maconha — já pensou alguém enrolar um baseado em plena Cinelândia? Um crioulão discretamente me abordou, perguntando se desejava “ make business”; educadamente recusei. Cartões postais fazendo a apologia bem-humorada do grass, indicam que a subcultura das drogas perdura na Holanda; recente matéria na Time explicou que a política do país consiste em liberalizar drogas leves para deter a proliferação das pesadas. Quando o risco de consumir drogas leves ou pesadas é o mesmo, o consumidor prefere as últimas. Revi o Leidseplein, o prédio do Rijksmuseum, detive-me em alguns bancos à margem dos canais: passaram alguns barcos exóticos, num deles, multicolorido, um corneteiro tocava, noutro, um grupo jovial degustava vinho. Ainda sobrou tempo para o tradicional passeio no barco de teto transparente pelos canais, às oito e pouco da noite, começando a escurecer, e ouvir mais uma vez, para depois esquecer, curiosidades como que Amsterdã tem cem canais com mais de mil pontes perfazendo mais de cem quilômetros. Esta não mais esqueço!
1o de setembro
Avião para Frankfurt. Tempo maravilhoso, coisa rara aqui na Europa. Aguardavam-me no aeroporto o irmão Sergio e Heinz e Eli Keil, antigos amigos de meu pai e Charlotte (alemães que passaram a guerra na Suécia, emigraram depois para o Brasil, onde já morava a família da Eli, temendo uma invasão russa nos albores da Guerra Fria e, em 1964, retornaram à Suécia — no Rio, moraram em Santa Teresa!), que anteciparam em alguns dias uma vinda à Alemanha a fim de me encontrarem.
Estamos em Bad Homburg, um balneário nas proximidades de Frankfurt. Comemora-se este fim de semana a Laternefest: a cidade está iluminada com lâmpadas coloridas e um trecho foi transformado num parque de diversões, e à noite desfilam carros alegóricos representando os países que sediaram Olimpíadas — o que deve ter sido o Carnaval carioca nos tempos dos corsos pré-Escolas de Samba.
2 de setembro
Sergio trouxe-me de automóvel a Rothenburg, a caminho de Munique. Recepção no Goethe Institut, entrevista e teste. Curioso por saber para que turma me designarão, pois, não obstante a desenvoltura no alemão falado e a boa compreensão na leitura de textos, meu alemão escrito é eivado de erros e não quero regredir para uma classe cuja ênfase seja o aprendizado gramatical. O ambiente aqui é multinacional e multicultural, mas predominam os japoneses. Meu companheiro de quarto — sim, aqui despojo-me de todo luxo e volto aos tempos de estudante — é croata, de Zagreb. Já passei por Zagreb de trem, em 1988, rumo à Grécia, antes da dissolução da Iugoslávia. Temos estudantes da Polônia, de Israel, da França, do Canadá, da Espanha, do México, da Austrália, da Tunísia, da Itália, da Bélgica etc., e eu represento o Brasil, embora o sobrenome seja polonês (um mistério para quem desconhece a história de minha família)!
De tarde, um professor mostra-nos a cidade — não as atrações turísticas, mas os macetes: restaurantes baratos, comércio, livrarias... À noite, Stammtisch sob as tílias!
Avião para Frankfurt. Tempo maravilhoso, coisa rara aqui na Europa. Aguardavam-me no aeroporto o irmão Sergio e Heinz e Eli Keil, antigos amigos de meu pai e Charlotte (alemães que passaram a guerra na Suécia, emigraram depois para o Brasil, onde já morava a família da Eli, temendo uma invasão russa nos albores da Guerra Fria e, em 1964, retornaram à Suécia — no Rio, moraram em Santa Teresa!), que anteciparam em alguns dias uma vinda à Alemanha a fim de me encontrarem.
Estamos em Bad Homburg, um balneário nas proximidades de Frankfurt. Comemora-se este fim de semana a Laternefest: a cidade está iluminada com lâmpadas coloridas e um trecho foi transformado num parque de diversões, e à noite desfilam carros alegóricos representando os países que sediaram Olimpíadas — o que deve ter sido o Carnaval carioca nos tempos dos corsos pré-Escolas de Samba.
2 de setembro
Sergio trouxe-me de automóvel a Rothenburg, a caminho de Munique. Recepção no Goethe Institut, entrevista e teste. Curioso por saber para que turma me designarão, pois, não obstante a desenvoltura no alemão falado e a boa compreensão na leitura de textos, meu alemão escrito é eivado de erros e não quero regredir para uma classe cuja ênfase seja o aprendizado gramatical. O ambiente aqui é multinacional e multicultural, mas predominam os japoneses. Meu companheiro de quarto — sim, aqui despojo-me de todo luxo e volto aos tempos de estudante — é croata, de Zagreb. Já passei por Zagreb de trem, em 1988, rumo à Grécia, antes da dissolução da Iugoslávia. Temos estudantes da Polônia, de Israel, da França, do Canadá, da Espanha, do México, da Austrália, da Tunísia, da Itália, da Bélgica etc., e eu represento o Brasil, embora o sobrenome seja polonês (um mistério para quem desconhece a história de minha família)!
De tarde, um professor mostra-nos a cidade — não as atrações turísticas, mas os macetes: restaurantes baratos, comércio, livrarias... À noite, Stammtisch sob as tílias!
3 de setembro
Como temi, não obstante a desenvoltura oral, minha redação macarrônica do alemão trouxe-me de volta à Mittelstufe.
Começaram as aulas, quão bem me sinto no ambiente estudantil. Alguém me perguntou a idade, respondi: “35 anos”(tenho 45, meu Deus!), e a pessoa observou: “Não parece tudo isso”. À tarde, realizei lindo passeio solitário pelas muralhas de Rothenburg, parando em bancos de jardins para escrever postais, extasiando-me com as casinhas como que de conto de fadas de tão graciosamente ajardinadas e floridas.
4 de setembro
Segundo dia de aula. À tarde, recepção aos alunos na prefeitura, onde o Kellermeister de Rothenburg nos saudou com imensa taça de vinho, como a de que Nusch, para salvar a cidade, bebeu de um só gole mais de três litros de vinho — conto esta história adiante. Depois, caminhada solitária — e decoreba de palavras alemãs, por paisagens românticas, ao longo dos muros da cidade.
Os alemães não são mais disciplinados como antigamente (graças a Deus?) Plena onze e quinze da noite, chega-me aos ouvidos o som irritante de música bate-estaca em alto volume — e a lei do silêncio? Nos parques, vêem-se papéis pelo chão. O horário de proibição do tráfego de automóveis pelo centro histórico é desrespeitado.
5 de setembro
À tarde, nadei na piscina térmica pública com minha amiga polonesa — um exemplo de organização e eficiência alemã. A piscina é pública, qualquer um pode entrar — no entanto, seu estado de conservação é impecável, como se tivesse sido inaugurada no dia anterior. Paga-se uma entrada de quatro marcos (menos de três reais), deixa-se a bolsa com valores num escaninho trancado, troca-se de roupa em uma cabine e ruma-se para a piscina, ou melhor, as piscinas: uma olímpica, onde se nada rigorosamente nas raias, e outra para crianças ou para quem quer apenas espairecer dentro d'água. As piscinas ficam ao ar livre, mas a água é aquecida e, no momento, o sol brilha até quase oito da noite. Daqui a uns dias, passará a ser usada outra piscina em recinto fechado.
Como temi, não obstante a desenvoltura oral, minha redação macarrônica do alemão trouxe-me de volta à Mittelstufe.
Começaram as aulas, quão bem me sinto no ambiente estudantil. Alguém me perguntou a idade, respondi: “35 anos”(tenho 45, meu Deus!), e a pessoa observou: “Não parece tudo isso”. À tarde, realizei lindo passeio solitário pelas muralhas de Rothenburg, parando em bancos de jardins para escrever postais, extasiando-me com as casinhas como que de conto de fadas de tão graciosamente ajardinadas e floridas.
4 de setembro
Segundo dia de aula. À tarde, recepção aos alunos na prefeitura, onde o Kellermeister de Rothenburg nos saudou com imensa taça de vinho, como a de que Nusch, para salvar a cidade, bebeu de um só gole mais de três litros de vinho — conto esta história adiante. Depois, caminhada solitária — e decoreba de palavras alemãs, por paisagens românticas, ao longo dos muros da cidade.
Os alemães não são mais disciplinados como antigamente (graças a Deus?) Plena onze e quinze da noite, chega-me aos ouvidos o som irritante de música bate-estaca em alto volume — e a lei do silêncio? Nos parques, vêem-se papéis pelo chão. O horário de proibição do tráfego de automóveis pelo centro histórico é desrespeitado.
5 de setembro
À tarde, nadei na piscina térmica pública com minha amiga polonesa — um exemplo de organização e eficiência alemã. A piscina é pública, qualquer um pode entrar — no entanto, seu estado de conservação é impecável, como se tivesse sido inaugurada no dia anterior. Paga-se uma entrada de quatro marcos (menos de três reais), deixa-se a bolsa com valores num escaninho trancado, troca-se de roupa em uma cabine e ruma-se para a piscina, ou melhor, as piscinas: uma olímpica, onde se nada rigorosamente nas raias, e outra para crianças ou para quem quer apenas espairecer dentro d'água. As piscinas ficam ao ar livre, mas a água é aquecida e, no momento, o sol brilha até quase oito da noite. Daqui a uns dias, passará a ser usada outra piscina em recinto fechado.
6 de setembro
À noite, Grillfest — espécie de churrasco — ao ar livre no vale do Tauber, a oeste de Rothenburg, uma oportunidade de bater papo com colegas dos mais variados países — verdadeira Babel.
7 de setembro
Excursão a Würzburg. Visita à fortaleza de Marienberg, local do Mainfränkische Museum, com magnífica coleção de obras de arte da Francônia, e à Residenz, esplêndida morada, em estilo barroco, dos antigos bispos-príncipes (Fürstbischofe) de Würzburg, com o maior afresco do mundo, com 540 m2, do artista veneziano Tiepolo e o Salão dos Espelhos, destruído no fim da guerra e meticulosamente restaurado.
8 de setembro
Wanderung — uma caminhada — a Bettelfeld, um vilarejo a uns sete quilômetros de Rothenburg. Almoço numa Gasthaus — um restaurante rústico.
À noite, Grillfest — espécie de churrasco — ao ar livre no vale do Tauber, a oeste de Rothenburg, uma oportunidade de bater papo com colegas dos mais variados países — verdadeira Babel.
7 de setembro
Excursão a Würzburg. Visita à fortaleza de Marienberg, local do Mainfränkische Museum, com magnífica coleção de obras de arte da Francônia, e à Residenz, esplêndida morada, em estilo barroco, dos antigos bispos-príncipes (Fürstbischofe) de Würzburg, com o maior afresco do mundo, com 540 m2, do artista veneziano Tiepolo e o Salão dos Espelhos, destruído no fim da guerra e meticulosamente restaurado.
8 de setembro
Wanderung — uma caminhada — a Bettelfeld, um vilarejo a uns sete quilômetros de Rothenburg. Almoço numa Gasthaus — um restaurante rústico.
9 de setembro
Como observava meu pai, em tudo os alemães se esmeram; foram os piores fascistas, a nação comunista mais desenvolvida e são um colosso capitalista. Em detalhes do dia a dia, nota-se uma organização dificilmente alcançada em outras nações. Por exemplo, para se pescar, precisa-se assistir a certo curso, aprender noções de ecologia e não sei mais o que e obter uma autorização. Também a caça é rigorosamente regulamentada, daí excursões dos alemães para caçar em países vizinhos, sobretudo do leste europeu. Colher frutas de árvores em bosques públicos é proibido: é preciso arrematar em um leilão o direito de usufruto da árvore (ao menos aqui em Rothenburg; quem contou estas histórias todas foi o professor que nos guiou pela Wanderung de ontem). Na Alemanha, o lixo é rigorosamente separado para posterior reciclagem: lixo orgânico, papel, plástico, latas, garrafas claras, garrafas escuras... O supermercado é um exemplo de eficiência: o próprio caixa pesa eventuais frutas e legumes, caso se precise de uma sacola, deve-se solicitar e pagar por ela, a sacola traz impresso um apelo para que se a reutilize, o próprio comprador põe as compras na sacola — pelo que observei, os alemães não fazem aquelas imensas compras mensais dos brasileiros: coisa de economia há muito estabilizada, suponho — e no fim devolve o carrinho ao lugar de onde os novos fregueses o pegarão. Não o fiz, por desconhecer o sistema, e a caixa gentilmente me chamou a atenção.
10 de setembro
Weinprobe — degustação de vinhos da Francônia, com explicações muito bem-humoradas em alemão. Mensagem central: há muito mais velhos bebedores de vinho do que velhos médicos. Ou, a difícil transição do hábito de mamar leite para o de beber refrigerantes, Malzbier, cerveja e, finalmente, vinho — sinal de maturidade. Vinhos brancos na juventude, que conferem vivacidade e loquacidade, e vinhos tintos na velhice, que propiciam um bom sono, com a vantagem de, tomados com uma gema, alimentarem sem necessidade de talheres, o que vem a calhar para um velho trêmulo. Todas essas “abobrinhas” o guia nos contou.
Meu colega de quarto é croata, constantemente ao rádio, ouvindo notícias da terra natal dilacerada pela guerra. Feliz Brasil, cujas únicas guerras são as de quadrilhas de traficantes!
Como observava meu pai, em tudo os alemães se esmeram; foram os piores fascistas, a nação comunista mais desenvolvida e são um colosso capitalista. Em detalhes do dia a dia, nota-se uma organização dificilmente alcançada em outras nações. Por exemplo, para se pescar, precisa-se assistir a certo curso, aprender noções de ecologia e não sei mais o que e obter uma autorização. Também a caça é rigorosamente regulamentada, daí excursões dos alemães para caçar em países vizinhos, sobretudo do leste europeu. Colher frutas de árvores em bosques públicos é proibido: é preciso arrematar em um leilão o direito de usufruto da árvore (ao menos aqui em Rothenburg; quem contou estas histórias todas foi o professor que nos guiou pela Wanderung de ontem). Na Alemanha, o lixo é rigorosamente separado para posterior reciclagem: lixo orgânico, papel, plástico, latas, garrafas claras, garrafas escuras... O supermercado é um exemplo de eficiência: o próprio caixa pesa eventuais frutas e legumes, caso se precise de uma sacola, deve-se solicitar e pagar por ela, a sacola traz impresso um apelo para que se a reutilize, o próprio comprador põe as compras na sacola — pelo que observei, os alemães não fazem aquelas imensas compras mensais dos brasileiros: coisa de economia há muito estabilizada, suponho — e no fim devolve o carrinho ao lugar de onde os novos fregueses o pegarão. Não o fiz, por desconhecer o sistema, e a caixa gentilmente me chamou a atenção.
10 de setembro
Weinprobe — degustação de vinhos da Francônia, com explicações muito bem-humoradas em alemão. Mensagem central: há muito mais velhos bebedores de vinho do que velhos médicos. Ou, a difícil transição do hábito de mamar leite para o de beber refrigerantes, Malzbier, cerveja e, finalmente, vinho — sinal de maturidade. Vinhos brancos na juventude, que conferem vivacidade e loquacidade, e vinhos tintos na velhice, que propiciam um bom sono, com a vantagem de, tomados com uma gema, alimentarem sem necessidade de talheres, o que vem a calhar para um velho trêmulo. Todas essas “abobrinhas” o guia nos contou.
Meu colega de quarto é croata, constantemente ao rádio, ouvindo notícias da terra natal dilacerada pela guerra. Feliz Brasil, cujas únicas guerras são as de quadrilhas de traficantes!
11 de setembro
Após a aula, passeei até Detwang, onde visitei a milenar Igreja de São Pedro e Paulo, com o impressionante altar esculpido em madeira por Tilman Riemenschneider. Almoço num restaurante grego (único que encontrei aberto às 16:30; os restaurantes aqui fecham entre o almoço e o jantar). O gyros que saboreei estava delicioso: carneiro em fatias finas, arroz de cor ocre fortemente temperado, queijo de cabra pastoso e salada de repolho roxo e comum. Depois, a siesta, que ninguém é de ferro, e ficou a Hausaufgabe (dever de casa) para de noite.
12 de setembro
O contato com tanta gente de tantos países diferentes é fascinante — acabo de conhecer uma estudante turca na cozinha da hospedaria, onde fui preparar uma salsicha para saborear com o vinho que sobrou da orgia degustativa de anteontem. A principal lição é que, no fundo, todos somos semelhantes e os conflitos entre povos, grupos, etnias etc. são um anacronismo.
No final da aula de hoje, uma historiadora recentemente formada que pesquisa a história de Rothenburg do século passado à primeira metade deste respondeu a perguntas da turma. Indaguei-a sobre o destino dos judeus da cidade sob o nazismo, e ela revelou que Rothenburg foi fortemente pró-nazista e, em 1927, comemorou o feito de ter sido a primeira cidade alemã a se ver totalmente livre de judeus (Judenfrei).
Após a aula, passeei até Detwang, onde visitei a milenar Igreja de São Pedro e Paulo, com o impressionante altar esculpido em madeira por Tilman Riemenschneider. Almoço num restaurante grego (único que encontrei aberto às 16:30; os restaurantes aqui fecham entre o almoço e o jantar). O gyros que saboreei estava delicioso: carneiro em fatias finas, arroz de cor ocre fortemente temperado, queijo de cabra pastoso e salada de repolho roxo e comum. Depois, a siesta, que ninguém é de ferro, e ficou a Hausaufgabe (dever de casa) para de noite.
12 de setembro
O contato com tanta gente de tantos países diferentes é fascinante — acabo de conhecer uma estudante turca na cozinha da hospedaria, onde fui preparar uma salsicha para saborear com o vinho que sobrou da orgia degustativa de anteontem. A principal lição é que, no fundo, todos somos semelhantes e os conflitos entre povos, grupos, etnias etc. são um anacronismo.
No final da aula de hoje, uma historiadora recentemente formada que pesquisa a história de Rothenburg do século passado à primeira metade deste respondeu a perguntas da turma. Indaguei-a sobre o destino dos judeus da cidade sob o nazismo, e ela revelou que Rothenburg foi fortemente pró-nazista e, em 1927, comemorou o feito de ter sido a primeira cidade alemã a se ver totalmente livre de judeus (Judenfrei).
13 de setembro
Hoje, segundo a programação oficial da cidade, deveriam começar os Reichsstadt Festtage — festival que, desde o jubileu em 1974, comemora a elevação de Rothenburg a cidade imperial livre, diretamente subordinada ao Kaiser alemão — com um concerto às 19:00 no Marktplatz. De 19:00 às 19:30, fiquei zanzando para lá e para cá, mas só se viam no Marktplatz alguns gatos pingados — literalmente, pois chove incessantemente aqui.
Às 20:40, retornei ao Marktplatz, onde, ainda segundo a programação, grupos históricos portando tochas deveriam ser recebidos pelo prefeito. Uma centena de turistas — na maioria, japoneses, que substituíram os bandos de norte-americanos de dez anos atrás — aguardava. Com dez minutos de atraso, apareceu um grupo muito sem graça, e nada mais.
Não é que um professor, numa apresentação de vídeos sobre a Alemanha ontem à noite, teve o topete de dizer que o Oktoberfest de Munique é a maior festa popular do mundo? Prontamente protestei: a maior festa popular do mundo é o carnaval do Rio de Janeiro!
(Em tempo: em termos de afluência, o professor tinha razão, como mostrarei mais adiante.)
Hoje, segundo a programação oficial da cidade, deveriam começar os Reichsstadt Festtage — festival que, desde o jubileu em 1974, comemora a elevação de Rothenburg a cidade imperial livre, diretamente subordinada ao Kaiser alemão — com um concerto às 19:00 no Marktplatz. De 19:00 às 19:30, fiquei zanzando para lá e para cá, mas só se viam no Marktplatz alguns gatos pingados — literalmente, pois chove incessantemente aqui.
Às 20:40, retornei ao Marktplatz, onde, ainda segundo a programação, grupos históricos portando tochas deveriam ser recebidos pelo prefeito. Uma centena de turistas — na maioria, japoneses, que substituíram os bandos de norte-americanos de dez anos atrás — aguardava. Com dez minutos de atraso, apareceu um grupo muito sem graça, e nada mais.
Não é que um professor, numa apresentação de vídeos sobre a Alemanha ontem à noite, teve o topete de dizer que o Oktoberfest de Munique é a maior festa popular do mundo? Prontamente protestei: a maior festa popular do mundo é o carnaval do Rio de Janeiro!
(Em tempo: em termos de afluência, o professor tinha razão, como mostrarei mais adiante.)
14 de setembro
Excursão a Heildelberg, a famosa cidade universitária à margem do Neckar, a mais antiga universidade alemã e terceira mais antiga de língua alemã, criada para receber os estudantes protestantes de Paris que estavam sendo hostilizados. Após um giro guiado pelo centro histórico, subimos às ruínas do antigo castelo do príncipe eleitor do Palatinado, três vezes destruído: na Guerra dos Trinta Anos, na guerra contra o Rei Sol, Luís XIV, e, finalmente, por um raio. Situa-se na encosta de uma montanha, sendo visível de toda a cidade. Um primor de cidade, poupada pelos bombardeios da guerra, com construções em estilo renascentista, barroco e art-nouveau, espraiando-se à margem do rio e ao pé da montanha onde se encarapita o castelo já citado. Na montanha na outra margem do rio, passeia-se pelo Caminho dos Filósofos, de onde se descortina belo panorama de Heildelberg.
A rua principal, uma longa rua de pedestres ladeada de restaurantes e lojas e coalhada de turistas, é meio sem graça. Sentado numa espécie de pub onde almocei salsicha com salada — o prato mais em conta —, acometeu-me sensação de solidão. Ocorreu-me — influenciado pela leitura de Brasil, país do futuro, de Stefan Zweig, que peguei emprestado da medioteca do Instituto Goethe de Rothenburg (em português) e onde o intelectual austríaco descreve com tanta graça o Rio dos anos 30 e lamenta a futura destruição, vítimas do progresso, do bonde, da zona do meretrício no Mangue e das favelas! — que, embora tudo aqui na Europa seja muito gracioso, como que de brinquedo, nenhuma cidade se compara ao Rio de Janeiro, em seu colorido, vivacidade e contrastes. Ademais, o turismo tradicional — uma atividade econômica florescente no mundo atual —, em que se pula de cidade em cidade, visitando castelos, museus etc., se me afigura meio insensato, como ficar surfando pela Internet ou pulando de canal em canal da televisão, sem nada aprofundar.
Na volta, um baita engarrafamento na estrada — só que aqui ninguém invade o acostamento, de modo que polícia e bombeiros conseguem chegar rapidamente ao local do acidente. Uma colega turca observou que, em seu país, uma fila de carros seguiria pelo sulco aberto pelos bombeiros — não é só no Brasil!
Chegamos em Rothenburg com uma hora de atraso e descemos direto ao vale para assistir à queima de fogos que recorda o cerco da cidade na Guerra dos Trinta Anos — deslumbrante, como deve ser a do Réveillon do Rio, a que nunca assisti. Finalmente, um concerto de quarteto de saxofones e órgão na Igreja de St. Jakob: obras modernas compostas para saxes, com o defeito de quase toda música moderna pretensamente erudita de agredir aos ouvidos, e obras clássicas (Scarlatti, Mozart) transcritas para os quatro saxofones, soprano, contralto, tenor e barítono, mas que soariam bem melhor na instrumentação original. Desconfio que quem sobreviverá como a verdadeira música “clássica” do século XX será o jazz, canções dos Beatles, musicais da Broadway, e não a cacofonia da música que se pretende erudita. Uma observação: talvez devido ao grande número de turistas, o fato é que o público tossia, chegava a conversar, batia palmas em momentos errados durante o concerto — como se faz no Brasil e se diz que na Europa não se faz.
Excursão a Heildelberg, a famosa cidade universitária à margem do Neckar, a mais antiga universidade alemã e terceira mais antiga de língua alemã, criada para receber os estudantes protestantes de Paris que estavam sendo hostilizados. Após um giro guiado pelo centro histórico, subimos às ruínas do antigo castelo do príncipe eleitor do Palatinado, três vezes destruído: na Guerra dos Trinta Anos, na guerra contra o Rei Sol, Luís XIV, e, finalmente, por um raio. Situa-se na encosta de uma montanha, sendo visível de toda a cidade. Um primor de cidade, poupada pelos bombardeios da guerra, com construções em estilo renascentista, barroco e art-nouveau, espraiando-se à margem do rio e ao pé da montanha onde se encarapita o castelo já citado. Na montanha na outra margem do rio, passeia-se pelo Caminho dos Filósofos, de onde se descortina belo panorama de Heildelberg.
A rua principal, uma longa rua de pedestres ladeada de restaurantes e lojas e coalhada de turistas, é meio sem graça. Sentado numa espécie de pub onde almocei salsicha com salada — o prato mais em conta —, acometeu-me sensação de solidão. Ocorreu-me — influenciado pela leitura de Brasil, país do futuro, de Stefan Zweig, que peguei emprestado da medioteca do Instituto Goethe de Rothenburg (em português) e onde o intelectual austríaco descreve com tanta graça o Rio dos anos 30 e lamenta a futura destruição, vítimas do progresso, do bonde, da zona do meretrício no Mangue e das favelas! — que, embora tudo aqui na Europa seja muito gracioso, como que de brinquedo, nenhuma cidade se compara ao Rio de Janeiro, em seu colorido, vivacidade e contrastes. Ademais, o turismo tradicional — uma atividade econômica florescente no mundo atual —, em que se pula de cidade em cidade, visitando castelos, museus etc., se me afigura meio insensato, como ficar surfando pela Internet ou pulando de canal em canal da televisão, sem nada aprofundar.
Na volta, um baita engarrafamento na estrada — só que aqui ninguém invade o acostamento, de modo que polícia e bombeiros conseguem chegar rapidamente ao local do acidente. Uma colega turca observou que, em seu país, uma fila de carros seguiria pelo sulco aberto pelos bombeiros — não é só no Brasil!
Chegamos em Rothenburg com uma hora de atraso e descemos direto ao vale para assistir à queima de fogos que recorda o cerco da cidade na Guerra dos Trinta Anos — deslumbrante, como deve ser a do Réveillon do Rio, a que nunca assisti. Finalmente, um concerto de quarteto de saxofones e órgão na Igreja de St. Jakob: obras modernas compostas para saxes, com o defeito de quase toda música moderna pretensamente erudita de agredir aos ouvidos, e obras clássicas (Scarlatti, Mozart) transcritas para os quatro saxofones, soprano, contralto, tenor e barítono, mas que soariam bem melhor na instrumentação original. Desconfio que quem sobreviverá como a verdadeira música “clássica” do século XX será o jazz, canções dos Beatles, musicais da Broadway, e não a cacofonia da música que se pretende erudita. Uma observação: talvez devido ao grande número de turistas, o fato é que o público tossia, chegava a conversar, batia palmas em momentos errados durante o concerto — como se faz no Brasil e se diz que na Europa não se faz.
15 de setembro
De fato, com a chuva torrencial de sexta-feira, a abertura dos festejos foi cancelada, mas sábado e domingo tudo funcionou às maravilhas. Vejamos se consigo descrever.
Domingo, acordo às onze horas. Sono atrasado. Banho, café da manhã e pra rua aos folguedos. Alegria regada a cerveja ou vinho, sem cocaína, sem agressões — após milênios de conflitos, guerras, destruições, os alemães enfim aprenderam a curtir a vida sossegadamente. Primeiro, assisti, no Kaisersaal da Prefeitura, à representação teatral do Meistertrunk: o feito do ex-burgomestre Nusch que, ao beber mais de três litros de vinho — exatamente treze Schoppen, i.e. quartilhos, daí a palavra “chope” tão comum no Brasil — de um só gole, salvou Rothenburg da destruição pelas tropas imperiais católicas, na Guerra dos Trinta Anos. Em seguida, a Schäfertanz, dança dos pastores, uma espécie de quadrilha. Em 1517, a corporação dos pastores obteve o privilégio de, anualmente, festejar seu dia com música e dança na Praça do Mercado, e essa tradição é seguida até hoje.
Por que as crianças alemãs são tão educadas? Em plena dança dos pastores, observei um episódio. Uma criança de uns cinco anos de repente pôs-se a chorar e a gritar: “Ich will nach Hause!” (Quero ir pra casa.) Uma mãe brasileira se alvoroçaria. A mãe alemã foi inflexível. Resultado: a criança parou de chorar e esqueceu que queria ir para casa.
Depois, fui às barracas da corporação dos atiradores, onde duas colegas de turma trabalharam como voluntárias, em trajes típicos, vendendo sanduíches. Os grupos históricos se instalam pela cidade: atiradores, cavaleiros, trovadores. Além das atrações — estande de tiro ao alvo, cavalos para montar etc. —, tocam-se canções alemãs e vendem-se vinho, cerveja, salsichas, consumidos em mesas compridas com bancos, onde você pode se sentar com pessoas que não conhece e até puxar papo. Um alemão, ao saber que sou carioca, observou que as vítimas da violência no Rio de Janeiro em um dia equivalem às de Rothenburg em um ano e queixou-se do desemprego em seu país, segundo ele superior ao que revelam as estatísticas. Tudo isso ao som da música típica alemã.
Em outro ponto, trovadores medievais cantam canções burlescas: uma delas diz que o papa vive num lindo palácio com mil mordomias, por isso, eu queria ser o papa, mas à noite dorme na cama sozinho, não, eu não queria ser o papa; já o sultão tem um harém com lindas mulheres, por isso, eu queria ser o sultão, mas o Corão o proíbe de beber cerveja, não, eu não queria ser o sultão, e por aí a fora!
À noite, no automóvel de uma francesa da turma imediatamente inferior à minha, fomos um grupo — uma moça italiana, secretária executiva numa empresa italiana de química que tem negócios no Brasil, uma senhora norueguesa redatora em uma editora de livros didáticos, um israelense de meia idade extremamente afável, a tal francesa da Alsácia, professora e diretora teatral, e eu — a uma aldeia onde jantamos carpas frescas em um Gasthof não-turístico — o dono, ancião, calças frouxas presas por suspensórios, ares de ter sido bom nazista nos idos dos trinta.
De fato, com a chuva torrencial de sexta-feira, a abertura dos festejos foi cancelada, mas sábado e domingo tudo funcionou às maravilhas. Vejamos se consigo descrever.
Domingo, acordo às onze horas. Sono atrasado. Banho, café da manhã e pra rua aos folguedos. Alegria regada a cerveja ou vinho, sem cocaína, sem agressões — após milênios de conflitos, guerras, destruições, os alemães enfim aprenderam a curtir a vida sossegadamente. Primeiro, assisti, no Kaisersaal da Prefeitura, à representação teatral do Meistertrunk: o feito do ex-burgomestre Nusch que, ao beber mais de três litros de vinho — exatamente treze Schoppen, i.e. quartilhos, daí a palavra “chope” tão comum no Brasil — de um só gole, salvou Rothenburg da destruição pelas tropas imperiais católicas, na Guerra dos Trinta Anos. Em seguida, a Schäfertanz, dança dos pastores, uma espécie de quadrilha. Em 1517, a corporação dos pastores obteve o privilégio de, anualmente, festejar seu dia com música e dança na Praça do Mercado, e essa tradição é seguida até hoje.
Por que as crianças alemãs são tão educadas? Em plena dança dos pastores, observei um episódio. Uma criança de uns cinco anos de repente pôs-se a chorar e a gritar: “Ich will nach Hause!” (Quero ir pra casa.) Uma mãe brasileira se alvoroçaria. A mãe alemã foi inflexível. Resultado: a criança parou de chorar e esqueceu que queria ir para casa.
Depois, fui às barracas da corporação dos atiradores, onde duas colegas de turma trabalharam como voluntárias, em trajes típicos, vendendo sanduíches. Os grupos históricos se instalam pela cidade: atiradores, cavaleiros, trovadores. Além das atrações — estande de tiro ao alvo, cavalos para montar etc. —, tocam-se canções alemãs e vendem-se vinho, cerveja, salsichas, consumidos em mesas compridas com bancos, onde você pode se sentar com pessoas que não conhece e até puxar papo. Um alemão, ao saber que sou carioca, observou que as vítimas da violência no Rio de Janeiro em um dia equivalem às de Rothenburg em um ano e queixou-se do desemprego em seu país, segundo ele superior ao que revelam as estatísticas. Tudo isso ao som da música típica alemã.
Em outro ponto, trovadores medievais cantam canções burlescas: uma delas diz que o papa vive num lindo palácio com mil mordomias, por isso, eu queria ser o papa, mas à noite dorme na cama sozinho, não, eu não queria ser o papa; já o sultão tem um harém com lindas mulheres, por isso, eu queria ser o sultão, mas o Corão o proíbe de beber cerveja, não, eu não queria ser o sultão, e por aí a fora!
À noite, no automóvel de uma francesa da turma imediatamente inferior à minha, fomos um grupo — uma moça italiana, secretária executiva numa empresa italiana de química que tem negócios no Brasil, uma senhora norueguesa redatora em uma editora de livros didáticos, um israelense de meia idade extremamente afável, a tal francesa da Alsácia, professora e diretora teatral, e eu — a uma aldeia onde jantamos carpas frescas em um Gasthof não-turístico — o dono, ancião, calças frouxas presas por suspensórios, ares de ter sido bom nazista nos idos dos trinta.
16 de setembro
Uma nova colega na turma pede-me o dicionário bilíngue emprestado, pergunto-lhe se sabe português... enfim, uma colega brasileira!
À tarde, a esposa do pastor conduziu-nos por uma Kirchenwanderung — uma visita a igrejas, mas só as evangélicas (evangélico aqui nada tem a ver com bispo Macedo; são os luteranos). A igreja românica em Detwang que já mencionei e a igreja gótica de St. Jakob, onde já ouvi dois concertos, também com belo altar entalhado por Riemenschneider. Um detalhe: ao descrever um alto-relevo da Paixão de Cristo, a pastora referiu-se aos soldados romanos e a um fariseu — não empregou o termo “judeu”. Depois do Holocausto, resultante de milênios de pregação antijudaica pela Igreja, parece que enfim aprenderam a lição da tolerância. No final, fomos convidados para um lanche no salão paroquial, onde cada participante contou o motivo de seu interesse em aprender alemão — e todos ficaram pasmados quando contei as peripécias de minha família: a ajuda que meu avô recebeu do sócio não-judeu, que fez com que seu dinheiro lhe chegasse às mãos na Tchecoslováquia, a sobrevivência da tia Wally, ocultada por uma amiga cristã durante todo o período do nazismo, e do Ludwig, embora tenha sido enviado ao campo de concentração de Auschwitz.
18 de setembro
De manhã, durante a aula, minha nova colega brasileira, Diva (até agora, não proferimos nenhuma frase em português) e eu apresentamos uma palestra (Referat) sobre o Brasil. O pessoal achou muita graça de uma foto, em um cartão postal, de uma moça de fio dental exibindo a bundona e se mostra muito preocupado com os “massacres” dos pobres meninos de rua — o que diriam se fossem assaltados por um deles?
À noite, nossa festa culinária, em que vários colegas prepararam pratos típicos de suas terras: sopa de pepino polonesa (ZUPA OGÓRKOWA), spaghetti italiano, onigiri japonês, salada grega, taboulé libanês (o que no Brasil chamamos de tabule), quiche lorraine, gumbo da Lousiania. Banquete para Apicius nenhum botar defeito.
19 de setembro
Excursão com um Förster (espécie de guarda florestal) e seus dois cãezinhos por uma reserva florestal próxima de Rothenburg. As florestas aqui não têm a exuberância, a diversidade de flora, a impenetrabilidade das nossas: há bastante espaço livre por onde caminhar. Stefan Zweig descreve bem a diferença em Brasil, país do futuro: “A floresta [brasileira] não é como as da Europa, que permitem a visão a muitos metros de distância: é uma massa escura e compacta.” Nas florestas alemãs, predominam o carvalho, símbolo da estabilidade, cujo ramo figura nas moedas daqui, a faia e o pinheiro (das árvores de Natal).
Uma nova colega na turma pede-me o dicionário bilíngue emprestado, pergunto-lhe se sabe português... enfim, uma colega brasileira!
À tarde, a esposa do pastor conduziu-nos por uma Kirchenwanderung — uma visita a igrejas, mas só as evangélicas (evangélico aqui nada tem a ver com bispo Macedo; são os luteranos). A igreja românica em Detwang que já mencionei e a igreja gótica de St. Jakob, onde já ouvi dois concertos, também com belo altar entalhado por Riemenschneider. Um detalhe: ao descrever um alto-relevo da Paixão de Cristo, a pastora referiu-se aos soldados romanos e a um fariseu — não empregou o termo “judeu”. Depois do Holocausto, resultante de milênios de pregação antijudaica pela Igreja, parece que enfim aprenderam a lição da tolerância. No final, fomos convidados para um lanche no salão paroquial, onde cada participante contou o motivo de seu interesse em aprender alemão — e todos ficaram pasmados quando contei as peripécias de minha família: a ajuda que meu avô recebeu do sócio não-judeu, que fez com que seu dinheiro lhe chegasse às mãos na Tchecoslováquia, a sobrevivência da tia Wally, ocultada por uma amiga cristã durante todo o período do nazismo, e do Ludwig, embora tenha sido enviado ao campo de concentração de Auschwitz.
18 de setembro
De manhã, durante a aula, minha nova colega brasileira, Diva (até agora, não proferimos nenhuma frase em português) e eu apresentamos uma palestra (Referat) sobre o Brasil. O pessoal achou muita graça de uma foto, em um cartão postal, de uma moça de fio dental exibindo a bundona e se mostra muito preocupado com os “massacres” dos pobres meninos de rua — o que diriam se fossem assaltados por um deles?
À noite, nossa festa culinária, em que vários colegas prepararam pratos típicos de suas terras: sopa de pepino polonesa (ZUPA OGÓRKOWA), spaghetti italiano, onigiri japonês, salada grega, taboulé libanês (o que no Brasil chamamos de tabule), quiche lorraine, gumbo da Lousiania. Banquete para Apicius nenhum botar defeito.
19 de setembro
Excursão com um Förster (espécie de guarda florestal) e seus dois cãezinhos por uma reserva florestal próxima de Rothenburg. As florestas aqui não têm a exuberância, a diversidade de flora, a impenetrabilidade das nossas: há bastante espaço livre por onde caminhar. Stefan Zweig descreve bem a diferença em Brasil, país do futuro: “A floresta [brasileira] não é como as da Europa, que permitem a visão a muitos metros de distância: é uma massa escura e compacta.” Nas florestas alemãs, predominam o carvalho, símbolo da estabilidade, cujo ramo figura nas moedas daqui, a faia e o pinheiro (das árvores de Natal).
20 de setembro
“Viajar significa para mim superar uma inércia interior, contrariar a lei da gravidade que nos atrai para a estreiteza, e, como sempre, a ousadia é recompensada.” Stefan Zweig em carta de 1936 a Hans Carossa.
21 de setembro
De manhã, demorado passeio ao longo do rio Tauber, sempre acompanhado por um cão, como se eu fosse seu dono de longa data.
À tarde, ouvi rádio na Medioteca: um conto mesclando elementos das Mil e uma Noites com o mais desenfreado surrealismo, num belíssimo alemão — descobri no final tratar-se de texto de Salmon Rushdie; uma “ópera de bolso” infantil de um tal Wilfred Hiller contando a trágica amizade entre um lago na montanha e uma águia; um programa de “viagens” pelo mundo, entrevistando crianças de diferentes locais, inclusive um ex-menino de rua carioca, que dá seu depoimento em português (com tradução simultânea para o alemão).
À noite, concerto de coro (Westfälische Kantorei Herford) e órgão, alternadamente, na Igreja de St. Jakob (São Tiago).
22 de setembro
Na medioteca, revi Morte em Veneza, o belo filme de Visconti do início dos anos 70 baseado em conto de Thomas Mann e com música de Mahler — dublado em alemão, como é costume aqui.
“Viajar significa para mim superar uma inércia interior, contrariar a lei da gravidade que nos atrai para a estreiteza, e, como sempre, a ousadia é recompensada.” Stefan Zweig em carta de 1936 a Hans Carossa.
21 de setembro
De manhã, demorado passeio ao longo do rio Tauber, sempre acompanhado por um cão, como se eu fosse seu dono de longa data.
À tarde, ouvi rádio na Medioteca: um conto mesclando elementos das Mil e uma Noites com o mais desenfreado surrealismo, num belíssimo alemão — descobri no final tratar-se de texto de Salmon Rushdie; uma “ópera de bolso” infantil de um tal Wilfred Hiller contando a trágica amizade entre um lago na montanha e uma águia; um programa de “viagens” pelo mundo, entrevistando crianças de diferentes locais, inclusive um ex-menino de rua carioca, que dá seu depoimento em português (com tradução simultânea para o alemão).
À noite, concerto de coro (Westfälische Kantorei Herford) e órgão, alternadamente, na Igreja de St. Jakob (São Tiago).
22 de setembro
Na medioteca, revi Morte em Veneza, o belo filme de Visconti do início dos anos 70 baseado em conto de Thomas Mann e com música de Mahler — dublado em alemão, como é costume aqui.
23 de setembro
Ouvi no rádio que a Alemanha teria entre 5 e 7 mil Straβenkindern — literalmente, meninos de rua. Achei que tivesse ouvido mal — devia se tratar de outro país.
Países desenvolvidos também têm seus problemas sociais. De manhã, no jornal, li sobre um assalto a um night club em Hamburgo, o oitavo nos últimos dias! Digno do Rio de Janeiro! Semana passada, uma escolar de sete anos foi raptada a caminho da escola e encontrada morta. Eis que compro Der Spiegel e deparo com uma entrevista com a ministra da Juventude alemã, em que esta estima o número dos “meninos de rua” do país em 5 a 7 mil — e há quem estime essa cifra em 50 mil. Os meninos de rua alemães, mostra uma foto da Spiegel, não são crioulinhos como os nossos, mas punks mal-encarados.
À noite, nosso último Stammtisch. Conversei longamente com um senhor alemão, de grande cultura histórica, política, literária e cinematográfica — citou em detalhes o filme Fitzcarraldo, que Werner Herzog rodou na Amazônia —, de idéias esquerdistas, anticapitalistas, como se existisse alternativa viável. Ele lutou na Segunda Guerra Mundial e caiu prisioneiro dos russos e me contou sobre a adesão da população da cidade ao nazismo. O próprio Hitler teria estado em Rothenburg e o prédio que abriga o Goethe Institut teria sediado o Kreisleiter — o comandante nazista de uma comarca.
24 de setembro
De manhã, fomos oficialmente alertados para tomarmos cuidado com ladrões que estão agindo no Instituto. Dois colegas foram roubados.
Ouvi no rádio que a Alemanha teria entre 5 e 7 mil Straβenkindern — literalmente, meninos de rua. Achei que tivesse ouvido mal — devia se tratar de outro país.
Países desenvolvidos também têm seus problemas sociais. De manhã, no jornal, li sobre um assalto a um night club em Hamburgo, o oitavo nos últimos dias! Digno do Rio de Janeiro! Semana passada, uma escolar de sete anos foi raptada a caminho da escola e encontrada morta. Eis que compro Der Spiegel e deparo com uma entrevista com a ministra da Juventude alemã, em que esta estima o número dos “meninos de rua” do país em 5 a 7 mil — e há quem estime essa cifra em 50 mil. Os meninos de rua alemães, mostra uma foto da Spiegel, não são crioulinhos como os nossos, mas punks mal-encarados.
À noite, nosso último Stammtisch. Conversei longamente com um senhor alemão, de grande cultura histórica, política, literária e cinematográfica — citou em detalhes o filme Fitzcarraldo, que Werner Herzog rodou na Amazônia —, de idéias esquerdistas, anticapitalistas, como se existisse alternativa viável. Ele lutou na Segunda Guerra Mundial e caiu prisioneiro dos russos e me contou sobre a adesão da população da cidade ao nazismo. O próprio Hitler teria estado em Rothenburg e o prédio que abriga o Goethe Institut teria sediado o Kreisleiter — o comandante nazista de uma comarca.
24 de setembro
De manhã, fomos oficialmente alertados para tomarmos cuidado com ladrões que estão agindo no Instituto. Dois colegas foram roubados.
25 de setembro
Visita ao Reichsstadtmuseum (museu da cidade imperial), no antigo convento dos dominicanos. Uma ala interessante do museu é dedicada aos judeus, onde vi pela primeira vez a odiosa estrela amarela com a palavra “Jude” que eles tiveram que ostentar durante o nazismo. Já na Idade Média os judeus de Rothenburg sofreram perseguições, chegando a ser expulsos da cidade. Faria sentido perseguirmos eternamente os portugueses porque mataram Tiradentes? Pois até a catástrofe do nazismo, integrava a ideologia cristã a culpabilidade coletiva dos judeus pela morte de Cristo — e os romanos, a suprema autoridade na Judéia, não tiveram nada a ver com isso? Ademais, se ninguém matasse Cristo, como (do ponto de vista cristão) seria salva a humanidade? Não nos damos conta do progresso que representa vivermos em sociedades laicas, onde cada qual pratica a religião que bem entende: budismo, Santo Daime, ateísmo...
26 de setembro
Último dia de curso. À noite, cerimônia de encerramento, aberta com um discurso do diretor do Instituto. Em seguida, alunos apresentaram diversos espetáculos, alguns bem divertidos. Por exemplo, uma sátira ao “Schunkeln” alemão (o balançar de braços dados para a esquerda e a direita), em que o público, ao som de uma canção e orientado pelos apresentadores, executou uma série de movimentos em ritmo acelerado: para a frente e para trás, para a esquerda e para a direita, levantar, sentar... Nossa turma encenou três esquetes (minha participação limitando-se a ajudar a transportar uma mesa até o palco e de volta): do chiclete deixado em um banco, em que várias pessoas ficam grudadas; outro em que alguém abre uma garrafa de Coca-Cola, outro despeja a bebida em um copo, um terceiro a bebe e um quarto (Elisa, a canadense) arrota; e um terceiro em que quatro moças, sentadas de pernas cruzadas em um banco, após se sondarem mutuamente várias vezes, finalmente, a um sinal de consentimento com a cabeça, descruzam as pernas e a cruzam para o outro lado! Os momentos mais emocionantes da festa foram as apresentações de música clássica, com destaque para os músicos japoneses, que com tanto afinco aprendem a interpretar a música ocidental — a moça Naoko Ogura tocou tão belamente o violino, que no final fiz questão de elogiá-la e de vaticinar que um dia, já famosa, percorrerá o mundo em apresentações e tocará no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Então, eu lhe enviarei flores.
Durante quatro semanas, 160 pessoas reunidas pelo desejo de aprender alemão fomos os maiores amigos do mundo, e agora cada qual volta para seu canto do globo para só nos revermos no Juízo Final. Adeus Nami, a japonesa graciosa demais para ser humana, que chorou no final da festa (quem não teve que fazer força para conter suas lágrimas?) e me prometeu enviar um cartão postal de Tóquio, o primeiro que terei recebido em minha vida do outro lado do mundo. Adeus, minha amiga jornalista polonesa, que falava pelos cotovelos a ponto de perturbar a aula e me convidou para visitá-la em Varsóvia. Adeus, boa gente da Alsácia. Adeus, Cristina a catalã (que na Europa vigoram esses regionalismos)... Até nunca mais, ou...?
Visita ao Reichsstadtmuseum (museu da cidade imperial), no antigo convento dos dominicanos. Uma ala interessante do museu é dedicada aos judeus, onde vi pela primeira vez a odiosa estrela amarela com a palavra “Jude” que eles tiveram que ostentar durante o nazismo. Já na Idade Média os judeus de Rothenburg sofreram perseguições, chegando a ser expulsos da cidade. Faria sentido perseguirmos eternamente os portugueses porque mataram Tiradentes? Pois até a catástrofe do nazismo, integrava a ideologia cristã a culpabilidade coletiva dos judeus pela morte de Cristo — e os romanos, a suprema autoridade na Judéia, não tiveram nada a ver com isso? Ademais, se ninguém matasse Cristo, como (do ponto de vista cristão) seria salva a humanidade? Não nos damos conta do progresso que representa vivermos em sociedades laicas, onde cada qual pratica a religião que bem entende: budismo, Santo Daime, ateísmo...
26 de setembro
Último dia de curso. À noite, cerimônia de encerramento, aberta com um discurso do diretor do Instituto. Em seguida, alunos apresentaram diversos espetáculos, alguns bem divertidos. Por exemplo, uma sátira ao “Schunkeln” alemão (o balançar de braços dados para a esquerda e a direita), em que o público, ao som de uma canção e orientado pelos apresentadores, executou uma série de movimentos em ritmo acelerado: para a frente e para trás, para a esquerda e para a direita, levantar, sentar... Nossa turma encenou três esquetes (minha participação limitando-se a ajudar a transportar uma mesa até o palco e de volta): do chiclete deixado em um banco, em que várias pessoas ficam grudadas; outro em que alguém abre uma garrafa de Coca-Cola, outro despeja a bebida em um copo, um terceiro a bebe e um quarto (Elisa, a canadense) arrota; e um terceiro em que quatro moças, sentadas de pernas cruzadas em um banco, após se sondarem mutuamente várias vezes, finalmente, a um sinal de consentimento com a cabeça, descruzam as pernas e a cruzam para o outro lado! Os momentos mais emocionantes da festa foram as apresentações de música clássica, com destaque para os músicos japoneses, que com tanto afinco aprendem a interpretar a música ocidental — a moça Naoko Ogura tocou tão belamente o violino, que no final fiz questão de elogiá-la e de vaticinar que um dia, já famosa, percorrerá o mundo em apresentações e tocará no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Então, eu lhe enviarei flores.
Durante quatro semanas, 160 pessoas reunidas pelo desejo de aprender alemão fomos os maiores amigos do mundo, e agora cada qual volta para seu canto do globo para só nos revermos no Juízo Final. Adeus Nami, a japonesa graciosa demais para ser humana, que chorou no final da festa (quem não teve que fazer força para conter suas lágrimas?) e me prometeu enviar um cartão postal de Tóquio, o primeiro que terei recebido em minha vida do outro lado do mundo. Adeus, minha amiga jornalista polonesa, que falava pelos cotovelos a ponto de perturbar a aula e me convidou para visitá-la em Varsóvia. Adeus, boa gente da Alsácia. Adeus, Cristina a catalã (que na Europa vigoram esses regionalismos)... Até nunca mais, ou...?
27 de setembro
Último café da manhã no refeitório do Instituto Goethe, agora semi-vazio, olhares tristes de saudades antecipadas...
Com meu companheiro de quarto croata, de trem a Munique, onde me esperavam na estação meu irmão Sergio, a esposa Martha e meu sobrinho Gabriel. Cansaço. Indecisão sobre que rumo dar à minha última semana de viagem.
À tarde, Oktoberfest, a maior festa popular do mundo — ao contrário do que eu pensava, maior que o Carnaval carioca, não em suntuosidade, claro, mas em afluência: uns sete milhões de visitantes vêm à Theresienwiese para se deixarem chacoalhar, virar de cabeça para baixo etc. no parque de diversões, para beberem até cair, entoando canções alemãs, nas gigantescas Zelten, tendas. Cada povo tem o pão e circo que merece: nós temos as orgias carnavalescas. A Wiese estava superlotada, em certos trechos mal conseguíamos avançar (e trazíamos o carrinho de bebê do Gabriel); não fosse o alemão um povo disciplinado, eu temeria por minha integridade — um estouro da boiada teria sido fatal. Após meia hora, desistimos da visita e demos meia volta, volver. No “O Dia” de Munique de segunda-feira (que se chama Abendzeitung, Jornal da Noite), leio que sábado a festa bateu o recorde de visitantes, cerveja e receita. “Todos falam em apertar o cinto, crise e preocupações”, diz o jornal. “Mas na Wiese tudo isso é esquecido.” Nem tudo foi tranquilo. A polícia manteve-se em constante alerta e entrou em ação 89 vezes (inclusive para evitar a invasão de Zelten já superlotadas), rumores de pessoas pisoteadas se propagaram e na segunda feira ocorreu um acidente num dos brinquedos.
Último café da manhã no refeitório do Instituto Goethe, agora semi-vazio, olhares tristes de saudades antecipadas...
Com meu companheiro de quarto croata, de trem a Munique, onde me esperavam na estação meu irmão Sergio, a esposa Martha e meu sobrinho Gabriel. Cansaço. Indecisão sobre que rumo dar à minha última semana de viagem.
À tarde, Oktoberfest, a maior festa popular do mundo — ao contrário do que eu pensava, maior que o Carnaval carioca, não em suntuosidade, claro, mas em afluência: uns sete milhões de visitantes vêm à Theresienwiese para se deixarem chacoalhar, virar de cabeça para baixo etc. no parque de diversões, para beberem até cair, entoando canções alemãs, nas gigantescas Zelten, tendas. Cada povo tem o pão e circo que merece: nós temos as orgias carnavalescas. A Wiese estava superlotada, em certos trechos mal conseguíamos avançar (e trazíamos o carrinho de bebê do Gabriel); não fosse o alemão um povo disciplinado, eu temeria por minha integridade — um estouro da boiada teria sido fatal. Após meia hora, desistimos da visita e demos meia volta, volver. No “O Dia” de Munique de segunda-feira (que se chama Abendzeitung, Jornal da Noite), leio que sábado a festa bateu o recorde de visitantes, cerveja e receita. “Todos falam em apertar o cinto, crise e preocupações”, diz o jornal. “Mas na Wiese tudo isso é esquecido.” Nem tudo foi tranquilo. A polícia manteve-se em constante alerta e entrou em ação 89 vezes (inclusive para evitar a invasão de Zelten já superlotadas), rumores de pessoas pisoteadas se propagaram e na segunda feira ocorreu um acidente num dos brinquedos.
29 de setembro
De manhã, Glyptothek — coleção de estatuária greco-romana —, Antikensämmlungen — coleção de vasos da Antiguidade clássica — e Lenbachhaus — pinacoteca com obras de paisagistas bávaros do século passado e de artistas do movimento do início do século Blauer Reiter (Cavaleiro Azul), com destaque para Kandinski.
De tarde, aniversário de criança num bar de um português amigo do Sergio; ao menos, degustei uma Sagres.
À noite, apanhei tio Mani, de volta de Israel, no aeroporto.
30 de setembro
Onze e meia, consulta médica. Aplicamos o “jeitinho” brasileiro, que pelo visto é universal: o doutor cobrou minha consulta do seguro-saúde de meu irmão. Antes do médico, Hugenduben, a gigantesca livraria de quatro pavimentos — preciso adquirir o hábito de ler literatura alemã. Depois, a imensa loja de CDs no Ludwig Beck, onde comprei (incluindo uma segunda visita dois dias depois) quarenta tesouros sonoros: quartetos para cordas completos de Beethoven, sonatas para piano completas de Mozart e por aí a fora a um preço médio de R$ 10,40 reais; teriam custado ainda mais barato se eu tivesse pedido um cheque de devolução do imposto sobre o valor adicionado.
À noite, conheci Wolfgang Lippert, cabeleireiro, filho do Hans, por sua vez filho de Hilde née Korytowski, que conseguiu sobreviver ao nazismo escondida em Berlim.
De manhã, Glyptothek — coleção de estatuária greco-romana —, Antikensämmlungen — coleção de vasos da Antiguidade clássica — e Lenbachhaus — pinacoteca com obras de paisagistas bávaros do século passado e de artistas do movimento do início do século Blauer Reiter (Cavaleiro Azul), com destaque para Kandinski.
De tarde, aniversário de criança num bar de um português amigo do Sergio; ao menos, degustei uma Sagres.
À noite, apanhei tio Mani, de volta de Israel, no aeroporto.
30 de setembro
Onze e meia, consulta médica. Aplicamos o “jeitinho” brasileiro, que pelo visto é universal: o doutor cobrou minha consulta do seguro-saúde de meu irmão. Antes do médico, Hugenduben, a gigantesca livraria de quatro pavimentos — preciso adquirir o hábito de ler literatura alemã. Depois, a imensa loja de CDs no Ludwig Beck, onde comprei (incluindo uma segunda visita dois dias depois) quarenta tesouros sonoros: quartetos para cordas completos de Beethoven, sonatas para piano completas de Mozart e por aí a fora a um preço médio de R$ 10,40 reais; teriam custado ainda mais barato se eu tivesse pedido um cheque de devolução do imposto sobre o valor adicionado.
À noite, conheci Wolfgang Lippert, cabeleireiro, filho do Hans, por sua vez filho de Hilde née Korytowski, que conseguiu sobreviver ao nazismo escondida em Berlim.
1o de outubro
Deutsches Museum, maior museu de ciência e tecnologia do mundo: 53 exposições em mais de 46 mil m2.
Na seção de meio ambiente, fico sabendo que a população terrestre era de 10 milhões há 10 mil anos; de 1 bilhão em 1830; de 2 bilhões em 1930 — muito pouco para as quase 5,7 bilhões de almas que hoje habitam o planeta, a se crer na doutrina da reencarnação. Na exposição de automóveis, o Fusca original do tempo do nazismo; a fábrica construída para produzir o “carro do povo” acabou tendo sua produção voltada para fins bélicos; após a guerra, o Käfer (besouro), como os alemães o denominam, acabou se tornando popularíssimo: um número recorde de 15 milhões foram produzidos no mundo em 1972; até hoje são fabricados no México; funcionários da Volkswagen mexicana estudaram comigo em Rothenburg. Na seção de aviação, gravura dos voos de Alberto Santos Dumont, sem menção à nacionalidade brasileira, e um modelo do aeroplano dos irmãos Wright — não ficou claro quem foi pioneiro. Na seção de Informática, imenso (comparado com os atuais PCs) Z3 alemão, de 1941, à base de relés, como se fosse uma central telefônica; o avantajado UNIVAC I de 1951, com 5.600 válvulas e que custava 1 milhão de dólares; e, progredindo para o computador de transistores, o IBM 360, em que estagiei como operador na IBM nos idos de 1975 — sou tão antigo que um aparelho que utilizei é peça de museu.
2 de outubro
Chuva torrencial, queda brusca da temperatura. Giro pelo centro de Munique: Michaelkirche (1597), estilo renascentista; a catedral Frauenkirche, cartão postal de Munique, de tijolos, com duas torres proeminentes encimadas por zimbório e encerrando inúmeros tesouros artísticos: quadros, alto-relevos, esculturas, vitrais. Para o povo medieval, com sua vida frugal, sem o fulgor da vida moderna — vitrinas cintilantes, anúncios luminosos, queimas de fogos, cinema, desfiles de escola de samba —, a igreja talvez fosse a realidade virtual do Paraíso, uma experiência arrebatadora, uma “viagem” psicodélica. As energias artísticas da época se concentravam na arte sacra, como hoje se concentram na contestação. O diabo tornou-se o deus moderno. Nova compra de CDs, Max-Joseph Platz, local da Residenz (palácio dos antigos príncipes eleitores bávaros) e da ópera, Odeonplatz, Maximiliansplatz e de volta ao Stachus, em que tive a sorte de topar com o Mathäser Bierwelt, que se intitula a maior cervejaria do mundo (um labirinto de salões) e onde pedi no escuro (sem saber o que era) uma Sülze — agora sei tratar-se de uma gelatina de carne com legumes.
Deutsches Museum, maior museu de ciência e tecnologia do mundo: 53 exposições em mais de 46 mil m2.
Na seção de meio ambiente, fico sabendo que a população terrestre era de 10 milhões há 10 mil anos; de 1 bilhão em 1830; de 2 bilhões em 1930 — muito pouco para as quase 5,7 bilhões de almas que hoje habitam o planeta, a se crer na doutrina da reencarnação. Na exposição de automóveis, o Fusca original do tempo do nazismo; a fábrica construída para produzir o “carro do povo” acabou tendo sua produção voltada para fins bélicos; após a guerra, o Käfer (besouro), como os alemães o denominam, acabou se tornando popularíssimo: um número recorde de 15 milhões foram produzidos no mundo em 1972; até hoje são fabricados no México; funcionários da Volkswagen mexicana estudaram comigo em Rothenburg. Na seção de aviação, gravura dos voos de Alberto Santos Dumont, sem menção à nacionalidade brasileira, e um modelo do aeroplano dos irmãos Wright — não ficou claro quem foi pioneiro. Na seção de Informática, imenso (comparado com os atuais PCs) Z3 alemão, de 1941, à base de relés, como se fosse uma central telefônica; o avantajado UNIVAC I de 1951, com 5.600 válvulas e que custava 1 milhão de dólares; e, progredindo para o computador de transistores, o IBM 360, em que estagiei como operador na IBM nos idos de 1975 — sou tão antigo que um aparelho que utilizei é peça de museu.
2 de outubro
Chuva torrencial, queda brusca da temperatura. Giro pelo centro de Munique: Michaelkirche (1597), estilo renascentista; a catedral Frauenkirche, cartão postal de Munique, de tijolos, com duas torres proeminentes encimadas por zimbório e encerrando inúmeros tesouros artísticos: quadros, alto-relevos, esculturas, vitrais. Para o povo medieval, com sua vida frugal, sem o fulgor da vida moderna — vitrinas cintilantes, anúncios luminosos, queimas de fogos, cinema, desfiles de escola de samba —, a igreja talvez fosse a realidade virtual do Paraíso, uma experiência arrebatadora, uma “viagem” psicodélica. As energias artísticas da época se concentravam na arte sacra, como hoje se concentram na contestação. O diabo tornou-se o deus moderno. Nova compra de CDs, Max-Joseph Platz, local da Residenz (palácio dos antigos príncipes eleitores bávaros) e da ópera, Odeonplatz, Maximiliansplatz e de volta ao Stachus, em que tive a sorte de topar com o Mathäser Bierwelt, que se intitula a maior cervejaria do mundo (um labirinto de salões) e onde pedi no escuro (sem saber o que era) uma Sülze — agora sei tratar-se de uma gelatina de carne com legumes.
3 de outubro
De manhã, percorri com Martha de bicicleta o enorme Englischer Garten (Jardim Inglês). Feriado, seis anos de unificação alemã. O soerguimento da economia do leste é árdua, financiado em parte por impostos pagos pela população do oeste. É como se os brasileiros resolvessem de repente fazer um esforço hercúleo para soerguer o Nordeste, mas quando os alemães resolvem fazer algo, não embromam: fazem. Os salários e o nível de vida na ex-DDR são inferiores, gerando certa animosidade, mas — como na fábula do cão e do lobo — a liberdade não tem preço (confira meu relato sobre Berlim Oriental de dez anos atrás). Os alemães também enforcam dias entre feriados e fins de semana — aqui isso se chama “fazer uma ponte”.
À tarde, Karin Engell — alemã doutora em sociologia a quem Martha ensinou português e que recentemente proferiu palestras em Institutos Goethe brasileiros sobre seu livro acerca do carnaval carioca — visitou-nos em casa do Sergio.
À noite, fazer as malas: de modo a abrir espaço para todos os livros e CDs que comprei, além dos presentes de tio Mani, tenho que trajar três pulôveres, sobretudo e boné — tudo bem na Europa, mas já pensou chegar no Rio quarenta graus assim forrado?
De manhã, percorri com Martha de bicicleta o enorme Englischer Garten (Jardim Inglês). Feriado, seis anos de unificação alemã. O soerguimento da economia do leste é árdua, financiado em parte por impostos pagos pela população do oeste. É como se os brasileiros resolvessem de repente fazer um esforço hercúleo para soerguer o Nordeste, mas quando os alemães resolvem fazer algo, não embromam: fazem. Os salários e o nível de vida na ex-DDR são inferiores, gerando certa animosidade, mas — como na fábula do cão e do lobo — a liberdade não tem preço (confira meu relato sobre Berlim Oriental de dez anos atrás). Os alemães também enforcam dias entre feriados e fins de semana — aqui isso se chama “fazer uma ponte”.
À tarde, Karin Engell — alemã doutora em sociologia a quem Martha ensinou português e que recentemente proferiu palestras em Institutos Goethe brasileiros sobre seu livro acerca do carnaval carioca — visitou-nos em casa do Sergio.
À noite, fazer as malas: de modo a abrir espaço para todos os livros e CDs que comprei, além dos presentes de tio Mani, tenho que trajar três pulôveres, sobretudo e boné — tudo bem na Europa, mas já pensou chegar no Rio quarenta graus assim forrado?
4 de outubro
Viagem de trem Munique-Amsterdã, com baldeação em Duisburg. Nas quase seis horas e meia até Duisburg, um corte transversal pela Alemanha: Augsburg, Stuttgart, Heildelberg (não divisei o castelo que pensei ser visível de toda a cidade), Manheim, Mainz (Mogúncia), Koblenz, rio Reno, passando pelas mesmas cidadezinhas e castelos no alto de morros que contemplei extasiado ao descer de barco o Reno em 1984, Bonn, Köln (Colônia), cuja estação ferroviária fica defronte à imponente catedral que eu vira pela última vez também em 1984, Düsseldorf — como se, em seis horas de viagem pelo Brasil, pudéssemos percorrer cidades tão diversas como Curitiba, São Paulo, Rio, Belo Horizonte. Que diferença de proporções: a densidade demográfica alemã é doze vezes a brasileira, e existem países europeus com densidade demográfica ainda maior (Bélgica, Holanda).
Última observação antes de deixar a Alemanha: há dez anos, as diferenças em relação ao Brasil eram enormes: os preços eram o dobro, os filmes que aqui passavam só passariam no Brasil vários meses depois, comprávamos sofregamente (os brasileiros em geral, não eu) produtos inencontráveis no Brasil, de revistas eróticas a artigos eletrônicos. Agora, com a globalização, ficou tudo parecido: os programas que rodam em um PC alemão são os mesmos de um PC brasileiro; com o real, os preços se nivelaram; nos noticiários de TV, os problemas abordados lembram o Brasil: pacote de contenção de gastos públicos (Sparpaket), Igreja exortando por mais justiça social...
Viagem de trem Munique-Amsterdã, com baldeação em Duisburg. Nas quase seis horas e meia até Duisburg, um corte transversal pela Alemanha: Augsburg, Stuttgart, Heildelberg (não divisei o castelo que pensei ser visível de toda a cidade), Manheim, Mainz (Mogúncia), Koblenz, rio Reno, passando pelas mesmas cidadezinhas e castelos no alto de morros que contemplei extasiado ao descer de barco o Reno em 1984, Bonn, Köln (Colônia), cuja estação ferroviária fica defronte à imponente catedral que eu vira pela última vez também em 1984, Düsseldorf — como se, em seis horas de viagem pelo Brasil, pudéssemos percorrer cidades tão diversas como Curitiba, São Paulo, Rio, Belo Horizonte. Que diferença de proporções: a densidade demográfica alemã é doze vezes a brasileira, e existem países europeus com densidade demográfica ainda maior (Bélgica, Holanda).
Última observação antes de deixar a Alemanha: há dez anos, as diferenças em relação ao Brasil eram enormes: os preços eram o dobro, os filmes que aqui passavam só passariam no Brasil vários meses depois, comprávamos sofregamente (os brasileiros em geral, não eu) produtos inencontráveis no Brasil, de revistas eróticas a artigos eletrônicos. Agora, com a globalização, ficou tudo parecido: os programas que rodam em um PC alemão são os mesmos de um PC brasileiro; com o real, os preços se nivelaram; nos noticiários de TV, os problemas abordados lembram o Brasil: pacote de contenção de gastos públicos (Sparpaket), Igreja exortando por mais justiça social...
— x —
Adormeço afinal, para ser logo depois acordado por dois policiais: passaporte. Ué, pensei que entre países da União Européía inexistisse controle de passaportes! Adeus, cinco semanas de alemão. Mudança de paisagem: planície por todo lado, as casas de tijolos marrons, a funcionalidade arquitetônica, os grafites. Já não impera a organização alemã: no novo trem pós-baldeação, não encontro o roteiro de viagem, com os horários exatos de chegada e partida em cada estação. A chegada na estação central de Amsterdã é caótica, a cidade está apinhada, está difícil encontrar hotel, tenho a impressão de estar na Meca dos jovens, será que todos vêm atrás de haxixe? Uma hora na fila para reservar hotel. Em contraposição a Munique, o bonde é apertado e é difícil saber o nome das paradas (no Brasil é pior, as paradas simplesmente não têm nome; na Alemanha, além do anúncio pelo auto-falante, um placar vai exibindo o nome da próxima estação). Carrego mala, bolsa e duas sacolas e peno para entrar no bonde e me acomodar no assento, mas ninguém ajuda. O hotel é uma espelunca (no bom sentido), dessas em que eu ficava nos áureos tempos das viagens anuais: dois dias custarão o que eu tencionava pagar por dia (110 florins), o quarto fica no terceiro andar, tenho que subir toda a bagagem sozinho, saudades do Brasil!
5 de outubro
Viajar cansa. A cada novo país, novos hábitos, e você faz tudo errado até aprender: pensa que o bonde pára automaticamente em cada estação e não faz sinal; é abordado na rua em línguas que não entende (ocorreu-me duas vezes hoje), coloca o dinheiro no lugar errado ao pagar.
De manhã, museu Van Gogh. Impressionante a imensidão de obras que produziu (900 quadros e 1200 desenhos, dos quais 200 e 500, respectivamente, compõem o acervo do museu) num espaço inferior a dez anos (mil oitocentos e oitenta e pouco a 1890, quando se suicidou). Sempre ouvimos dizer que Van Gogh não conseguia vender seus quadros. De fato, a arte acadêmica, exibida nos salões da época (e mostrada também numa ala do museu) era mais exuberante, decorativa, com motivos orientais, exóticos, ou de interiores suntuosos... Os primeiros quadros de Van Gogh são marrons, quase monocromáticos, já ultrapassados na época. Em Paris, o artista aprende a pintar quadros impressionistas como os que pintores de rua vendem até hoje em Montmartre. Em Arles, Saint-Rémy e Auvers-sur-Oise, desenvolve o estilo de cores fortes e traços turbulentos que o celebrizou.
À tarde, um velho sonho: assistir a um concerto no Contertgebouw. O regente foi Edo de Waart e a orquestra tocou uma obra do minimalista (suponho) John Adams e a Sinfonia n. 3 de Bruckner, de força wagneriana e quase interminável. À noite, revisito o restaurante indonésio Ling Nam (que agora se chama Hu-Nam) onde jantei duas vezes nos anos 80, mas ou meu apetite se sofisticou, ou o restaurante decaiu, pois não senti o prazer de outrora. Na volta, descortinei um pouco a permissividade de Amsterdã: loja de sementes de maconha (inclusive do Brasil), vitrina expondo revistas pornográficas barra pesada, vitrinas de putas, casas noturnas anunciando shows de sexo explícito... cruz credo!
7 de outubro
Enfim a viagem de volta. Minha organização é impecável: anoto horários do bonde à estação de trem e do trem ao aeroporto e compro antecipadamente o bilhete de trem. Carregando bagagens e embrulhado em várias camadas de roupas (falta de espaço na mala), o percurso tem que ser simplificado ao máximo. Só que a organização holandesa está aquém da minha: o bonde chega antes do horário, o trem que pretendo tomar tem problemas, sendo preciso tomar outro em outra plataforma (só que isso é explicado pelo alto-falante em holandês, idioma que muitos turistas a caminho do aeroporto não compreendem), e no aeroporto o guichê de atendimento não coincide com o indicado no vídeo.
Embarco. O avião parte com vinte minutos de atraso. O português faz-se novamente ouvir. Comunico-me em inglês com a passageira da poltrona ao lado, uma senhora de ar europeu que lê um livro em alemão, até ouvi-la exclamar, ao aparecerem uns golfinhos no vídeo: “que bonitinhos”. Mudamos para o português.
SE VOCÊ GOSTOU DESTE DIÁRIO DE VIAGEM CLIQUE NO LABEL "viagens" ABAIXO PARA LER SOBRE MINHAS OUTRAS VIAGENS. E GRAÇAS A ESSE MEU PERÍODO EM ROTHENBURG PUDE LER O FAUSTO DE GOETHE NO ORIGINAL, COMO NARRO NO VÍDEO ABAIXO.
Viajar cansa. A cada novo país, novos hábitos, e você faz tudo errado até aprender: pensa que o bonde pára automaticamente em cada estação e não faz sinal; é abordado na rua em línguas que não entende (ocorreu-me duas vezes hoje), coloca o dinheiro no lugar errado ao pagar.
De manhã, museu Van Gogh. Impressionante a imensidão de obras que produziu (900 quadros e 1200 desenhos, dos quais 200 e 500, respectivamente, compõem o acervo do museu) num espaço inferior a dez anos (mil oitocentos e oitenta e pouco a 1890, quando se suicidou). Sempre ouvimos dizer que Van Gogh não conseguia vender seus quadros. De fato, a arte acadêmica, exibida nos salões da época (e mostrada também numa ala do museu) era mais exuberante, decorativa, com motivos orientais, exóticos, ou de interiores suntuosos... Os primeiros quadros de Van Gogh são marrons, quase monocromáticos, já ultrapassados na época. Em Paris, o artista aprende a pintar quadros impressionistas como os que pintores de rua vendem até hoje em Montmartre. Em Arles, Saint-Rémy e Auvers-sur-Oise, desenvolve o estilo de cores fortes e traços turbulentos que o celebrizou.
À tarde, um velho sonho: assistir a um concerto no Contertgebouw. O regente foi Edo de Waart e a orquestra tocou uma obra do minimalista (suponho) John Adams e a Sinfonia n. 3 de Bruckner, de força wagneriana e quase interminável. À noite, revisito o restaurante indonésio Ling Nam (que agora se chama Hu-Nam) onde jantei duas vezes nos anos 80, mas ou meu apetite se sofisticou, ou o restaurante decaiu, pois não senti o prazer de outrora. Na volta, descortinei um pouco a permissividade de Amsterdã: loja de sementes de maconha (inclusive do Brasil), vitrina expondo revistas pornográficas barra pesada, vitrinas de putas, casas noturnas anunciando shows de sexo explícito... cruz credo!
7 de outubro
Enfim a viagem de volta. Minha organização é impecável: anoto horários do bonde à estação de trem e do trem ao aeroporto e compro antecipadamente o bilhete de trem. Carregando bagagens e embrulhado em várias camadas de roupas (falta de espaço na mala), o percurso tem que ser simplificado ao máximo. Só que a organização holandesa está aquém da minha: o bonde chega antes do horário, o trem que pretendo tomar tem problemas, sendo preciso tomar outro em outra plataforma (só que isso é explicado pelo alto-falante em holandês, idioma que muitos turistas a caminho do aeroporto não compreendem), e no aeroporto o guichê de atendimento não coincide com o indicado no vídeo.
Embarco. O avião parte com vinte minutos de atraso. O português faz-se novamente ouvir. Comunico-me em inglês com a passageira da poltrona ao lado, uma senhora de ar europeu que lê um livro em alemão, até ouvi-la exclamar, ao aparecerem uns golfinhos no vídeo: “que bonitinhos”. Mudamos para o português.
SE VOCÊ GOSTOU DESTE DIÁRIO DE VIAGEM CLIQUE NO LABEL "viagens" ABAIXO PARA LER SOBRE MINHAS OUTRAS VIAGENS. E GRAÇAS A ESSE MEU PERÍODO EM ROTHENBURG PUDE LER O FAUSTO DE GOETHE NO ORIGINAL, COMO NARRO NO VÍDEO ABAIXO.