VÉSPERA DE NATAL, de APICIUS

CRÔNICA PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL DE 24 DE DEZEMBRO DE 1996


É um dia bonito. Mas devido às atuais condições de clima, nunca se sabe. Pode haver um tornado. 

Em todo o caso, ganha o comércio – nunca tanto quando o desejaria – e os táxis. Mas a cidade se transforma em um inferno. Como o país está pobre, é um inferno pouco movimentado. Mas, ainda assim, se estabelece uma confusão total que atrapalha os negócios, a rotina, e aumenta o calor. 

Como o Natal não é mais uma festa religiosa, sua principal característica é fazer com que as crianças fiquem insuportáveis e os adultos tenham indigestão. O excesso de festas, que se prolongarão até o fim do ano, causará grandes danos a nossos ventres e dará muito trabalho e dinheiro aos gastroenterologistas. 

É uma pena. O Natal poderia ser uma festa agradável. Não o é porque virou uma obrigação. Tem o bom leitor que convidar pessoas que não lhe interessam, crianças que fazem um barulho extremo e gastar mais do que se queria. 

O mais grave, para mim, são as crianças. Não por serem tal, mais porque, hoje, andam elas muito mal educadas. Não sabem mais comer à mesa. Nem poderiam saber, que não as ensinam. Fazem muito barulho. E só se interessam mesmo em ver televisão.

Oh! Leitor, me escuta: uma das grandes maldições deste século é a televisão. Mata a conversa, atordoa as orelhas, emburrece as pessoas e transforma as crianças em zumbis. E o que é pior: em zumbis cheios de malevolência, que os programas mais cotados são repletos de violência é maldade. 

Quanto à comida, foi-se o tempo das ceias carinhosas e cuidadosos. Como haver cuidado e carinho, se todo mundo quer se levantar depressa? Vejo chegar – se é que já não chegou – o tempo em que o prato de Natal será uma pizza

Exagero por pessimismo, bem sei. Mas, quando se olha em volta, como não ser pessimista? Das coisas que se fazem hoje e não se faziam há algum tempo, as únicas dignas de louvor que vejo são as trufas de chocolate. Há algumas, feitas manualmente, de se tirar o chapéu, como algumas que comi outro dia, de Sandra Mercio. Também o fornecimento de bebidas estrangeiras melhorou muito. Mas fora disso, leitor, é a decadência. 

Feliz Natal!

INGENUIDADE, poema de ABGAR RENAULT

 


Poema de ABGAR RENAULT publicado na primeira edição de A REVISTA, revista modernista de Belo Horizonte, fundada por Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Francisco Martins de Almeida e Gregoriano Canedo, publicada em julho e agosto de 1925 e janeiro de 1926, e que teve entre seus colaboradores Pedro Nava (clique em seu nome no menu da barra vertical direita para ver postagens sobre esse genial memorialista do qual o editor do blog é fã). No programa da revista, publicado sob o título Para os Céticos na primeira edição, constava: Não somos românticos; somos jovens. [...] Somos pela renovação intelectual do Brasil, renovação que se tornou um imperativo categórico. [...] Depois da destruição do jugo colonial e do jugo escravagista, e do advento da forma republicana, parecia que nada mais havia a fazer senão cruzar os braços. Engano. Resta-nos humanizar o Brasil.


INGENUIDADE

ABGAR RENAULT

 

E se o teu coração enfim,

pensasse em mim?

 

E se eu vivesse, um só momento,

na ronda inquieta do teu pensamento?

 

E se o meu vulto desencantado

enchesse, como um grande sonho triste

o noturno mistério desse olhar?...

 

E se a minha alma de incontentado

da Beleza e do Ideal pudesse, um dia,

para tua alegria,

se espetalar

serenamente, luminosamente,

como uma grande flor de luz, na tua estrada?...

 

E se tuas mãos líricas de fada

viessem, num gesto simples de milagre,

redimir e sagrar o meu Destino indiferente?...

 

E se o meu coração

pudesse desfazer-se em versos comovidos,

para encantar, por um minuto vão,

numa voz de segredo, os teus ouvidos?

 

E se a minha vida rude

pudesse ser, na sua amarga solitude,

como um lago azulado e tranquilo, a espelhar,

na superfície calma,

todo o céu trêmulo de estrelas que é tua alma?

 

E se a alegria fulgurante dos teus olhos

se houvesse entristecido

por haver compreendido

o ingênuo, melancólico silêncio dos meus olhos?...

 

     Setembro, 1924


AS IMAGENS CELESTES DE HUMBERTO DE CAMPOS, por RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO

CRÔNICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA COLUNA "ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA" DO JORNAL DO BRASIL DE 30/1/1989

Lua sobre Copacabana

Ao contrário dos poetas e, em geral, dos panteístas, eu tenho horror às noites estreladas. Nada me deprime tanto, e me entristece, como o espetáculo da imensidade celeste. A visão das estrelas miúdas, da “écharpe” ondulosa da Via Láctea, chama-me à realidade da vida, e à consciência da minha insignificância. Lembro-me que aqueles glóbulos quase invisíveis são milhares ou milhões de vezes maiores do que aquele em que habito; que é possível que, morto, eu vá habitar algum deles. E baixo os olhos, humilhado.”

Esta visão tristonha das noites estreladas, profundamente pessimista, nos foi dada pelo escritor maranhense Humberto de Campos, em 9 de março de 1929, em seu Diário Secreto (1954), que assim resumiu as suas observações naquele dia:

“É que eu já me apeguei a este grão de poeira que é a Terra. E como eu seria feliz se pudesse ficar eternamente nela, amando e sofrendo, lutando e penando!...”

Humberto de Campos foi o cronista mais lido e apreciado, na década de 1930, pela sua sinceridade é autenticidade, com as quais não dissimulava as mágoas sociopolíticas. Era um articulista dos extremos: fervoroso no louvor como nas críticas, às vezes excessivamente indignadas. “Humberto de Campos prejudicou o seu Diário Secreto com as perfídias que nele deixou, misturadas às páginas mais patéticas que lhe saíram da pena”, escreveu seu conterrâneo, o romancista Josué Montello, em Diário da Tarde (1987). Na realidade, apesar dos relatos factuais, em geral maliciosos, com ferinas insinuações malévolas, o contexto geral da obra de Humberto de Campos é magistral pelo estilo límpido e fácil comunicação.

A visão do céu, como uma imagem sempre associada à depressão, que dominou a vida do escritor maranhense, aparecerá sempre ao longo de toda a sua vida. Em 23 de maio de 1930, após ter visitado Júlio Prestes, presidente da República eleito, a bordo do Almirante Jaceguaí, na praça Mauá, como representante do governador do Maranhão, Presidente Pires Sexto, o então deputado Humberto de Campos assim descreveu o clima do momento:

“À tarde, de regresso para casa, olho, no ônibus em que viajo, a Praça Mauá e o navio que vai conduzir o Presidente, e que partirá à noite. O céu, no poente, apresenta laivos de sangue do Sol que morre para os lados do cais do porto. E, não sei por que, enche-me o coração uma grande, uma profunda, uma imensa tristeza...

Nos primeiros anos da década de 1930, a vida do escritor maranhense foi uma marcha ascensional de desesperança e misérias, que poderia ser usada para explicar a vida amarga que transparece ao longo dos seus relatos. No entanto, as razões devem estar mais ligadas à própria sensação que as imagens celestes provocam no espírito humano. Elas variam em cada indivíduo. O escritor e filósofo francês Pascal dizia que o silêncio do universo lhe causava pavor. Por outro lado, o atormentado e esquizofrênico pintor holandês Van Gogh encontrava nas noites estreladas motivos de repouso para sua mente agitada, como confessou em carta ao irmão Theo.

Assim como a noite, a própria lua que inspirou aos poetas Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Lêdo Ivo e tantos outros escritores imagens de grande ternura e esperança, em Humberto de Campos, ao contrário, provoca um efeito melancólico, conforme deixou escrito a 5 de janeiro de 1931.

“Ontem, lua cheia. Olhava o horizonte, de um banco da praia, quando noto que um dos morros do outro lado da baía começava a incendiar-se. Atentei melhor e vi. Era a lua que surgiu no céu claro, e que punha à mostra um pedaço de face luminosa. E, em breve, ei-la subindo, amarela e enorme, como um balão de ouro levantado lentamente, insensivelmente, por mãos invisíveis.”

“Esse espetáculo comoveu-me profundamente. Evoco algumas noites de luar da minha vida. Lembro aquela em que, na Paraíba, vi, com um telescópio, o doce astro romântico, e a tristeza de que se me encheu o coração ao sabê-lo deserto e sem água. E vejo que, deserta, e estéril, é, também, hoje, a existência que levo, sem dinheiro, sem pão, sem saúde, e o que é pior, sem entusiasmo e sem esperança...”

Evidentemente, as imagens de tristeza e melancolia, de um pessimismo sombrio e sem lenitivo, provêm da própria personalidade de Humberto de Campos, de sua vida atribulada, da infância pobre e cheia de vicissitudes. Todavia, já o poeta francês Victor Hugo, ao escrever sobre o Céu Noturno, em sua obra L’année terrible, de certa forma justifica a posição “negativista” de Humberto de Campos, dizendo: Chacun a sa façon de regarder la nuit. (“Cada um tem o seu modo de encarar a noite.”)

AMADO GALILEU, de CYRO DE MATTOS

 


Contam que nasceu numa manjedoura, o berço de palha. Foi anunciado por uma estrela, no céu toda acesa de Deus. Os bichos cantaram: Jesus nasceu! Jesus nasceu! Os pastores tocavam uma música serena nas suas doces flautas. São José, o pai, o que tinha mãos no labor de enxó, plaina e formão, soube que de agora em diante ia talhar a mais pura fé do seu constante coração. Virgem Maria, mãe do menino, dizia baixinho: Pobrezinho quando for um homem, de tanto nos amar, vai morrer na cruz.

Os três reis magos foram chegando, vieram de longe, muito longe, atravessaram montanhas e desertos. Traziam, como presente para o menino, mirra, incenso e ouro. Ajoelharam-se. Não eram dignos de tocar naquela palha, mas bastava agora que fizessem o bem ao próximo seriam salvos. Abelhas com os seus zumbidos de ouro vieram colocar afeto e mel no coração de cada um dos reis.

Contam mais que foi um menino que brincava como qualquer menino, mas que gostava de ficar às vezes sozinho, olhando para a linha do horizonte. Quando ficou rapaz, não teve dúvida, havia sido o escolhido entre os seres humanos para ultrapassar aquela linha. Para conseguir a façanha teria que fazer uma mágica em que disseminasse uma rosa na manjedoura dos ares. Juntar todas as mãos numa só mesa onde todos seriam irmãos.

Teve que trazer as sementes dadas pelo Pai para plantar cirandas nas areias do deserto. Os sentimentos daquele homem com olhar de mendigo e profeta correram nas águas doces do rio, seguiram no vento manso, que soprou a flor sozinha na plantinha do brejo. Foram levados pela borboleta até o lugar onde o amor sempre permanece.

Ora, vejam só, sair por aí de mãos dadas como criança e espalhar num instante só ternura nessa terra? Convencer os homens de que viver vale a pena desde que a vida seja exercida numa comunhão em que não haja desigualdade, injustiça, opressão? A vida sem solidão, a vida como uma dança, a vida sem agressão? Os bichos sem matança e a mata sem queimada? Sem veneno as nuvens na chuva despejando a poluição?

Os donos do poder no sistema organizado não perdoaram a afronta. Traçaram o mais pérfido calvário. Fizeram que carregasse uma cruz pesada. Puseram uma coroa de espinho na cabeça, cuspiram, chicotearam. Ó desamor, quão amarga é a tua memória! Morra o rebelado, o falso profeta, o demolidor da ordem, o falso fazedor de milagre? Os que estavam cegos investiam, urravam, não se cansavam. Até que decretaram a crucificação. Não aceitaram que no seu lugar ficasse o ladrão, que para ali fora apenado com a crucificação pelos crimes cometidos.

Mas o que se viu, depois de perversa infâmia, é que até hoje toca um sino na cidade e na campina, só para nos dizer que do menino se fez o homem, em duras pedras no caminho. Vestido de aleluias, ressuscitou, ressuscitou, por ser divino e eterno só nos quer o bem.

Esse amado galileu.

A VOLTA DO PARAFUSO, de HENRY JAMES – UMA RESENHA

 


Henry James é um escritor sui generis, a meio caminho entre o realismo do final do século XIX e o modernismo do início do século XX. Nasceu em berço de ouro. Seu irmão, William James, além de pioneiro da psicologia nos Estados Unidos, criou uma escola filosófica quintessencialmente americana, o Pragmatismo. Henry foi um expatriado por quase toda a vida adulta, vivendo um ano em Paris e depois o resto da vida em Londres, onde se enturmou com a elite intelectual. Nunca se casou. Um ano antes de morrer, naturalizou-se britânico.

Henry é o criador de um clássico da literatura de fantasmas que qualquer aficionado do terror adora: A Volta do Parafuso, uma das obras mais adaptadas da história da literatura: virou balé, virou ópera, virou peça teatral na Broadway, ganhou várias versões no cinema, virou série da Netflix.

O sucesso de A Volta do Parafuso no cinema nos leva a uma reflexão sobre a relação entre a sétima arte e a literatura. O cinema, em certo sentido, é a salvação da literatura. Ao extrair da obra literária a sua essência – trama, personagens, diálogos, drama, ambiência – permite que a literatura rompa os limites de um público mais letrado, mais intelectualizado e chegue ao grande público. Você se emociona com a história de Romeu e Julieta sem ter que quebrar a cabeça com cada expressão e cada trocadilho e cada alusão e cada metáfora de um inglês quatro séculos distante do contemporâneo. Você se emociona com o amor de Swann sem ter que desbastar as frases intermináveis e divagantes da escrita do Proust (sobre isto fiz um vídeo que você pode ver no YouTube). E você curte as aparições dos fantasmas de A Volta do Parafuso sem ter que quebrar a cabeça com o texto às vezes enrolado do James, por exemplo (e olha que esta é uma frase curta, porque também não quero que o artigo fique longo demais):

It sufficiently stuck out that, by tacit little tricks in which even more than myself he carried out the care for my dignity, I had had to appeal to him to let me off straining to meet him on the ground of his true capacity.

(Estava bem claro que, por meio dos pequenos artifícios tácitos com que ele, mais ainda do que eu, cuidava de preservar minha dignidade, foi-me necessário apelar a Miles para que não continuasse a exigir de mim o esforço necessário para igualar-me a ele nos termos de sua verdadeira capacidade.)

Eu não sou o único a achar a prosa do James um tanto enrolada. Sam Jordinsson, em I can’t bear Henry James, que achei na Internet, diz que “wading through his books seems to me to be the literary equivalent of wearing a very stiff and uncomfortable shirt simply in order to attend an endless speech given by a dull and pompous old headmaster” (“percorrer seus livros me parece o equivalente literário a trajar uma camisa muito engomada e desconfortável simplesmente para ouvir um discurso interminável feito por um velho diretor de escola banal e pomposo”) Um outro artigo, intitulado “Henry James: Worst Writer Ever?”, no blog Scarriet, diz: “Poor Henry James. He took so long to say something, and when he finally said it, there was nothing there.” (“Pobre Henry James. Levava tanto tempo para dizer alguma coisa, e quando enfim dizia, não havia nada lá.”).

A Volta do Parafuso também é uma das obras literárias que mais geraram interpretações acadêmicas e da crítica literária, devido a sua suposta ambiguidade: segundo os entendidos, não fica claro se os fantasmas existem mesmo ou são criações da cabeça doentia da governanta. Uma ambiguidade comparável à do Dom Casmurro, do nosso Machado, em que não se sabe se o adultério ocorreu mesmo ou é obra da cabeça ciumenta do Bentinho. Eu que sou uma pessoa objetiva nunca tive dúvida de que o autor deixa bem claro que Capitu cometeu, sim, a traição. Para mim, achar ambiguidade no texto claríssimo do Machado é procurar chifre em cabeça de cavalo. No caso do Henry James, minha opinião é a mesma.


Primeiro, temos que levar em conta a época em que foi publicada a história, 1898, em plena era vitoriana, quando as pessoas, num mundo pré-eletricidade, vivendo em ambientes mal iluminados por velas e lamparinas, acreditavam, sim, em fantasmas. O que aconteceu é que, logo no início do século XX, a onda avassaladora do freudianismo, querendo interpretar tudo – até a história da Chapeuzinho Vermelho – à luz da repressão sexual, caiu como uma luva para a protagonista da história do James, e aí inventaram de dizer que a governanta era mentalmente perturbada por ser sexualmente reprimida. Pra mim é botar chifre em cabeça do cavalo.

Existem várias provas de que se trata de uma história de fantasmas e não de delírio psiquiátrico. Em primeiro lugar, em seus Notebooks (que são suas anotações depois reunidas em livro), James indica que, ao escrever a obra, teria se inspirado em uma história real contada pelo Arcebispo de Canterbury. Além disso, James escreveu outras histórias de fantasmas que não dependiam da imaginação do narrador, por exemplo, Owen Wingrave. Mas a prova mais clara de que é uma história de fantasmas (e não de um delírio) é o diálogo que ocorre na narrativa de moldura que abre o livro e que é omitida nas versões para o cinema.

Antes preciso explicar o que é uma narrativa de moldura. É uma historinha que, à semelhança da moldura de um quadro, enquadra a história principal do livro. O exemplo clássico são As Mil e Uma Noites, onde a narrativa de moldura é a história do sultão que matava uma mulher por noite até deparar com Shehazade e se encantar com suas narrativas. A Volta do Parafuso começa com um prólogo onde um grupo de pessoas reunidas em torno da lareira, na véspera do Natal, comenta um caso tenebroso de uma aparição que surgiu para uma criança, an appearance, of a dreadful kind, to a little boy sleeping in the room with his mother and waking her up in the terror of it (uma aparição, das mais terríveis, testemunhada por um menininho que dormia no quarto com a mãe e que a acordou apavorado). Um dos participantes, o Douglas, diz que conhece uma história ainda pior que, em vez de uma só criança, envolve duas. É aí que entra a expressão “turn of the screw”, “volta do parafuso”, que dá título ao livro, e que voltará a aparecer mais para o final. Diz Douglas que Nobody but me, till now, has ever heard. It's quite too horrible [...] It's beyond everything. Nothing at all that I know touches it (“ninguém até então ouviu essa história. É horrível demais. [...] Supera todas as outras. Nada que eu conheço se compara a ela”) Se fosse uma mera história de alucinação, e não de fantasmas reais, o Douglas não faria esta onda toda.

Outra prova de que os fantasmas são reais é que, quando a governanta descreve para Mrs. Grose as características de uma aparição masculina, esta reconhece tratar-se do ex-empregado Peter Quint, falecido. Se aquela aparição fosse puro delírio, não corresponderia a uma pessoa real que a babá nunca conheceu. No filme de 1951, cujo roteiro foi reescrito por Truman Capote para se adotar ao enfoque psicológico escolhido pelo diretor, ela vê uma fotografia de Quint no sótão, mas esta cena não existe no livro. Tem um trecho no início do Capítulo 8 do livro que reforça o que estou dizendo: how, if I had ‘made it up’, I came to be able to give, of each of the persons appearing to me, a picture disclosing, to the last detail, their special marks (“como, caso eu estivesse inventando, poderia ter esboçado retratos que revelavam cada detalhe e cada característica das pessoas que me apareceram”)

Li o texto no original inglês mas cotejei com duas traduções. A tradução de Paulo Henriques Britto para a Companhia das Letras é mais fiel à estrutura do inglês. A de Guilherme da Silva Braga para a editora L&PM é mais livre, na tentativa de deixar o texto mais claro. Na Nota do Tradutor, ele aborda as dificuldades do texto: “uma obra de sintaxe rebuscada, que por vezes beira o barroco”. Mas as duas traduções são boas de ler. No texto deste vídeo publicado no meu blog eu dou exemplos das duas traduções. 

TEXTO ORIGINAL

To hold her perfectly in the pinch of that, I found I had only to ask her how, if I had "made it up," I came to be able to give, of each of the persons appearing to me, a picture disclosing, to the last detail, their special marks—a portrait on the exhibition of which she had instantly recognized and named them.

TRADUÇÃO DO PAULO HENRIQUES BRITTO

Para fazê-la comprometer-se por completo quanto a esse ponto, constatei, bastava perguntar-lhe como, se eu havia “inventado” a história, me fora possível apresentar, para cada uma das pessoas que me aparecera, uma imagem que revelava, até o mínimo detalhe, suas características específicas – um retrato com base no qual, ao lhe ser exibido, ela pôde reconhecê-las e nomeá-las no mesmo instante.

TRADUÇÃO DO GUILHERME DA SILVA BRAGA

Para conduzi-la até este ponto, bastou lhe perguntar como eu – caso estivesse inventando – poderia ter esboçado retratos que revelavam cada detalhe e cada característica das pessoas que me apareceram; que possibilitaram meu reconhecimento imediato, a ponto de a sra. Grose os poder nomear.

Embora o título original seja, The Turn of the Screw, A Volta do Parafuso, algumas traduções portuguesas preferiam acrescentar um “outra”, A Outra Volta do Parafuso, para que não fique a impressão de que se trata do verbo voltar, como em A Volta do Boêmio. Algumas pessoas compram A Outra Volta do Parafuso achando que é uma continuação de A Volta do Parafuso e quebrem a cara ao constatarem que se trata do mesmo livro. Segundo o dicionário Oxford, a turn of the screw é “an additional degree of pressure or hardship added to a situation that is already extremely difficult to bear” (“um grau adicional de pressão ou dificuldade acrescentado a uma situação que já é extremamente difícil de suportar.”)


O LIVRO DOS FRAGMENTOS, de ANTONIO CARLOS VILLAÇA – UMA RESENHA

 


Ingressar num convento constitui uma escolha de vida radical, que requer uma vocação fora do comum: você abre mão de casar, procriar, ter dinheiro, ter sua casa, seu carro, sua profissão; faz votos, de silêncio, de pobreza, de obediência, e vai em busca do mais esquivo, mais fugidio dos seres: Deus. Entra no mosteiro para nunca mais sair de lá. É raro, improvável a gente deparar com alguém que foi para o mosteiro, virou monge, e aí deu o estalo, não era bem isto que eu queria, e saiu. Até porque deixar um mosteiro imagino que seja complicado, como sair da máfia, do tráfico, eles tentam dissuadir você de sair, imagino. Mas Antonio Carlos Villaça sentiu o chamado da vocação, ingressou no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, não se adaptou lá dentro, foi embora e nos revelou o dia-a-dia, o ramerrão da vida monástica ao dar a lume, em 1970, seu livro que se inscreve entre as obras-primas da literatura memorialística brasileira, O nariz do morto, ombreando com outros grandes autores de memórias como Gilberto Amado, Afonso Arinos de Melo Franco e Pedro Nava.

Entre este ponto alto de sua produção literária e sua derradeira obra, O livro dos fragmentos, publicado postumamente pela Civilização Brasileira graças ao empenho do crítico literário André Seffrin (já que, no final da vida, Villaça, abandonado num asilo de velhos no Caju, sofria de depressão e perdera toda iniciativa), medeiam 35 anos. Digamos que é seu testamento intelectual. É como se dissessevejam, vocês, quem fui, grande ensaísta, pensador católico de renome, conferencista pelos quatro cantos do país... fui a tudo que é palestra, li livros e mais livros, em francês, em português, fui aos enterros das pessoas eminentes, ouvi os discursos dos grandes oradores, privei das mesas mais refinadas, entrevistei o grande MaritainDediquei a vida à reflexão, à leitura, contemplação, convivência, à busca de um sentido para a vida... Em suma, nas suas próprias palavras: “Sou um giróvago. Um itinerante. Um peregrino. Sempre en route. Sempre à procura de novos caminhos, no vasto mundo.”

É como se dissesse estas coisas. Ele que, na reta final da jornada da vida, sofreu dois rudes golpes. Viu o dinheiro do prêmio Machado de Assis ganho em 2003, única quantia polpuda que chegou a obter na sua vida materialmente tão franciscana, bloqueado por uma ação trabalhista movida por um enfermeiro, e viu-se despejado de seu “mirante” na sede do Pen Clube  no nono andar de um prédio da Praia do Flamengo, onde passava o dia na biblioteca recebendo pessoas (tinha sempre alguém o visitando)  e degredado para os confins do asilo lá no Caju, onde quase ninguém mais o visitou. E onde ele definhou.

O livro dos fragmentos é exatamente o que promete o título (não há propaganda enganosa): sucessão de fragmentos de reminiscências, quase um fluxo de consciência joyceano jorrando de sua prodigiosa memória. Reminiscências, na maior parte, da cena intelectual, já que Villaça teve este condão de conviver com a intelectualidade, e os intelectuais gostavam de interagir com ele. Pelo livro vão desfilando escritores, políticos, diplomatas, religiosos, uma procissão. Villaça conheceu todo mundo. Seu aniversário, em restaurantes, atraía uma “multidão”.

Vemos passar pelas páginas (entre muitos, muitos outros): Jaime Ovalle, “boêmio de Deus” (Villaça prima pelas caracterizações sintéticas, precisas), Abade Tomás Keller, “o abade desequilibrado”, André Seffrin, “tão sério, tão estudioso. Tão elite e tão povo, ao mesmo tempo”, Waldir Ribeiro do Val, “que buscou sempre a poesia e a encontrou”, Augusto Frederico Schmidt, “íntimo de ministros, de magnatas, de presidente. E desejoso de ser apenas um mendigo”, José Lins do Rego, que “tinha paixão pelo Flamengo”, Cyro dos Anjos, “o melhor anfitrião do mundo”, Marco Lucchesi, “um humanista, um erudito, um sábio renascentista”, o talentoso Edmílson Caminha, etc. etc. etc.

Villaça é um exímio cultor do estilo modernista da frase curta, sem esparramação, como bem observa Seffrin no texto das orelhas (“linguagem solta, leve, à vontade, quase telegráfica”). Escreve com lirismo, com sentimento, com coração, num (segundo Edgard Leite) estilo muito particular de frases curtas que era muito bonito de se ler, muito difícil de ser imitado, porque tinha uma métrica, uma melodia, um movimento muito próprio. A certa altura, atinge o paradoxo: O erótico é profundamente místico. Nada mais religioso do que um prostíbulo. O prostíbulo me lembra um convento. Encerro esta apreciação de O livro dos fragmentos com um belo trecho onde Villaça descreve o mar (porque eu também gosto de sentir a presença marinha, o contato da água salgada):

Mar desconhecido, mar sempre desconhecido.

É sempre novo, o mar. O mar é estranho. O mar é desafiador. Abyssus abyssum invocat. O abismo atrai o abismo. Mar abissal. Mar sempre novo. mar que me assusta. E ali está ele, o mar. Pertinho de mim. O mar poderoso, o mar violento, o mar insaciável. O mar que se move sempre. Vai e vem, enigmático.

Vi o Mediterrâneo. Vi o Atlântico. Vi o Pacífico. Vi o mar. E agora o revejo, o mar, o mar desconhecido, o mar da Praia de Leste, sempre novo. [...]

Vejo o mar. Em silêncio. Da minha varanda, da minha poltrona, vejo o mar tão perto. Ele me fala, noite e dia. À noite, ouço a voz do mar, o ruído surdo e envolvente do mar, o rugido do mar. O mar nos fala. O mar nos chama. [...] (pp. 117-118)

Texto de Ivo Korytowski

O ABECEDÁRIO EM TEMPOS DE PROGRESSISMO, por Paulo Polzonoff Jr.

Publicado originalmente na Gazeta do Povo de 8/2/2021


O a, que já reclamou por ganhar menos do que o o, hoje teme ser substituído pelo x. O b pede reparação histórica por ser sempre o pior lado do disco. O c às vezes faz a transição para virar ç. O D reclama de gordofobia. O e ganhou na justiça direito a hora-extra nas palavras neutres. De bracinhos abertos, o f expressa toda a sua indignação feminista. O G reinava sozinho, mas agora divide espaço com o L, o B, o T, o I e até o +. O H, que um dia foi usado para reforçar a masculinidade, hoje não tem voz; o h decidiu assistir a essa balbúrdia toda sentado. Símbolo fálico de uma sociedade patriarcal, o I foi devidamente cancelado. O J é anzol para pegar quem cai no discurso progressista. O k se reproduz às gargalhadas. Quando se sente minúsculo, o L acusa o i maiúsculo de apropriação cultural. O m é um camelo; se fosse dromedário, seria n. O O, careca, fica boquiaberto quando o chamam de opressor. O p da vida abriu agora mesmo o Twitter para xingar qualquer coisa. O q quer quotas para queers. O r precisa da companhia do s para rir. O s, aliás, fundou uma ONG pela volta dos plural. O T tá trans... tornado. O u, descubro neste momento, é a letra mais inexpressiva do alfabeto. O V é vice, é versa e, ao se casar consigo mesmo, virou W. Para o X, o gênero é uma construção social. O Y não sabe se segue à esquerda ou à direita. O z, diante do debate progressista, vira para o lado e zzzzzzzzzzzzzz.

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HOMENAGEM A HELGA FLATAUER, SOBRENOME DE SOLTEIRA PADERSTEIN

Der deutsche Text des Vortrags von Helga Flatauer über ihr Leben können Sie hier lesen. 

Em 16 de fevereiro de 2021 comemoramos o centenário de nascimento de Helga Flatauer (sobrenome de solteira Paderstein), que infelizmente não está mais conosco, já que faleceu em 2011 aos noventa anos de idade. Helga foi a introdutora no Brasil do programa “Alcançar a Recuperação”, no Hospital Albert Einstein, de apoio a mulheres mastectomizadas, baseado no “Reach to Recovery” da American Cancer Society, através de voluntárias que também passaram pela mastectomia. A seguir uma palestra de Helga proferida em alemão em Vockenhausen em 4 de abril de 2008, traduzida por seu sobrinho, o editor deste blog. O texto original alemão da palestra pode ser lido aqui

Antiga árvore genealógica da família doada por Helga Flatauer ao Museu Judaico de Frankfurt

 A PALESTRA

Hoje estou diante de vocês, moradores de Eppstein e Vockenhausen. Não me será difícil falar com vocês sobre minhas lembranças. Lembranças de uma longa vida.

Eu retiro essas lembranças de antigos diários e centenas de cartas que meu pai e minha mãe escreveram durante a emigração.

Vamos começar pela primeira parte de minha história. Muito tempo antes de eu ter nascido. Histórias que minha mãe contava. A segunda parte conta sobre a época sob o regime nazista e nossa emigração para o Brasil.

Sobre meu retorno à Alemanha talvez possa falar também.

No ano de 1919, a volta do meu pai da guerra. Condecorado com a Cruz de Ferro 1a Classe. Retornou com a consciência orgulhosa de ter servido sua pátria. 96 mil soldados judeus participaram da guerra. Dos 550 mil judeus que viviam então na Alemanha, 80 mil lutaram no front. E 12 mil soldados judeus tombaram na guerra.

Lembro-me de fotografias do front em um papel um tanto avermelhado e desbotado. Os soldados pareciam bem contentes. Perder a guerra, nisto não se pensava.

 

Wilhelm Paderstein durante a guerra


A família do meu pai vivia em Paderborn, Vestfália. Meu avô, Emil Paderstein, um brilhante homem de negócios. Foi o fundador da cervejaria Dortmunder Union e como banqueiro fundou o Deutsche Bank em Paderborn. Era um homem bem abastado. 

Casou-se com Frederike Grünebaum. Um linda e jovem mulher. Vinte anos mais jovem que seu marido. Tiveram cinco filhos.

 

Wilhelm Paderstein e seus pais

Wilhelm (Guilherme), o filho mais novo dentre cinco crianças, queria se tornar fazendeiro. Como foi parar em Hof Häusel não sei dizer. Seu pai financiou a compra. Em uma carta dirigida ao pai Wilhelm expressou seu agradecimento ao pai com a promessa de cultivar a fazenda e administrar o dinheiro da forma mais conscienciosa.

Sua noiva, Grete Gerson, uma moça alegre e divertida de Berlim, nascida em Dortmund, viajou para Eppstein, à margem do Taunus, a fim de visitar seu noivo. O casamento em Berlim estava planejado.

Durante sua visita Gretchen foi surpreendida pela ocupação das tropas francesas. Uma viagem de volta a Berlim não era possível. Mas um telegrama dos pais, preocupados com a integridade moral da filha, chegou em Hof Häusel com as seguintes palavras:

“Onde dorme Gretchen?”

“Na cama”, foi a resposta, curta e concisa para aquela época.

 

Margarethe (Margarida) Gerson (direita - mais tarde, Paderstein) com colegas de escola


O casamento foi selado em 19 de novembro de 1919 em Niederjosbach, ou Oberjosbach, no cartório. E o casal foi morar na antiga casa, uma antiga queijaria, como consta dos documentos. 

Grandes castanheiras atrás da casa davam no verão sua sombra e mais tarde seguraram os balanços das duas menininhas em seus braços. 


Hof Häusel, aquarela de Charlton Smith de junho de 1966


Uma nova casa residencial foi planejada. Grande e espaçosa. O Dr. Voggenberger [Fritz Voggenberger, 1884-1924], um arquiteto de Frankfurt, fez a planta. Até hoje o telhado repousa acima das copas das árvores. O Dr. Voggenberger morreu muito jovem. Lembro-me ainda do obituário e de sua fotografia num jornal. Era uma casa fora do comum. Com certeza bem moderna para aquela época.

Em 16 de fevereiro de 1921 nasceu Helgali [diminutivo de Helga] em Frankfurt no hospital Marienkrankenhaus. Era pleno inverno. Um carro foi chamado de Frankfurt e levou horas até enfim chegar. Minha mãe precisou descer a rua íngreme na neve e gelo. E rezava ao bom Deus que a poupasse de dores no caminho para baixo.

Uma menininha nasceu. Era para ter sido um menino para portar o orgulhoso sobrenome Paderstein. A decepção do meu pai foi grande. Como consolo a criança foi chamada de Helga. Um nome alemão. Loura de olhos azuis. Eu cumpri minha promessa.

Em agosto de 1921 chegou em Hof Häusel um homem jovem para ajudar na colheita. Seu nome era Ewald Just. E com entusiasmo e paixão juvenil apaixonou-se pela menininha. Na despedida escreveu um poema pedindo que fosse entregue para Helga no seu 14o aniversário, em 1935. Também seu poema me acompanhou de volta para cá.[1] E vou lê-lo no final para vocês, como um documento, ao final de minha narração.

O poema mostra para mim, e talvez também para vocês, que não se pode alterar seu destino. Ao contrário, que o ser humano, apesar de todos os bons desejos e expectativas, deve seguir seu rumo na vida prescrito. Raramente pensamos nisto!

E lentamente transcorreram os anos.

 


Em 25 de janeiro de 1926 nasceu minha irmãzinha [Anita, mãe do editor deste blog]. Nunca esquecerei esse dia. De manhã cedo, ao que me pareceu, dormindo na cama da minha mãe, acordei. Era a voz da Senhorita Änne, a babá. Helgali, disse para mim, você ganhou uma irmãzinha. Não consegui imaginar como seria. Com um pequeno buquê de violetas na mão, viajamos à tarde de trem para Frankfurt. Em um pijama cor de salmão forrado de penas de cisne brancas, minha mãe estava deitada numa grande cama. O berço com minha irmãzinha ao seu lado. Minha mãe me parecia então uma mulher linda.

Então veio o primeiro dia de escola em Vockenhausen. Valentes marchavam as perninhas por gelo e neve. A lancheira cheia de delícias ficou pendurada muitos anos, como consolo, sobre a porta do meu quarto de criança.

Mas aí chegou o inverno e um destino ruim me surpreendeu. Estava com sete anos. No galinheiro e seu laguinho que ainda não havia congelado por completo, os pezinhos afundaram na água gélida. A camada de gelo se rompeu em mil fragmentos e as galinhas e gansos ficaram observando. O medo de uma bronca foi grande, e os pezinhos ficaram frios e molhados. O que eu devia contar em casa?

Um resfriado transformou-se em infecção dos pulmões. E ela quase me custou minha pequena vida. A IG Farben Hoechst havia naquela época descoberto um medicamento novo. Sulfa era seu nome. Testaram em mim. E salvou-me a vida. Aos poucos fui sarando.

A criança precisava se restabelecer. Na primavera viajamos até Lugano, ficando em um hotel à beira-mar. Papai comprou uma vara de pescar. Algum peixe morderia a isca? Não sei. Escondi a vara nuns arbustos no parque. No dia seguinte, havia desaparecido.

Depois que voltei para casa, não deveria mais ir à escola em Vockenhausen. Professoras particulares vieram dar aula em nossa casa. Deveriam substituir nossa escola. Na minha cabecinha de criança, a escola era uma praga. Em vão eu pelejava com a tabuada de multiplicação, francês e ortografia.

Lá fora os cavalos aguardavam. O estábulo com o adorável cheiro. O feno nas pastagens precisava ser virado. Os gatos esperavam por seu leite. As galinhas cacarejavam e punham um ovo. O pavão balançava sua cauda de penas coloridas. Sua fêmea, em seu vestido de penas marrons sem graça, postava-se admirada ao lado. Medo eu tinha dos gansos que, como nossos inimigos, reconheciam nossas pernas de criança. Tudo isto e ainda muito mais era minha vida no sítio.

Porcos eram abatidos. O triste guinchar ante a morte certa. Saíamos correndo, o mais rápido possível. E do porco guinchante surgiam presunto e salsichas. Schlachtplatte.[2] Um prato suculento. O pão era assado. Sobre duas cadeiras na cozinha repousava a gamela. Levedura, farinha, sal e água eram misturados com a mão. E a fragrância de pão recém-assado invadia a casa.

As prímulas amarelas, tantas. As mãos infantis eram pequenas demais para conterem o buquê. Primavera, verão, outono e inverno. Cada estação do ano tinha sua história. Cerejas grossas no alto das árvores. Suco de maçã em garrafas com etiquetas coloridas. Grandes barris e sidra, nossa bebida diária.

Andar de trenó na neve. O boneco de neve e a descida de trenó pela montanha. Coque preto para calefação. O aquecedor menor para dias frescos no outono. O aquecedor maior no inverno. Uma vez por semana tomávamos banho. Era uma algazarra, um divertimento. Todos na mesma água. Fomos educadas de forma frugal.

E aí chegava o Natal. A expectativa era tamanha. Nenhum buraco de fechadura era pequeno demais para impedir que espiássemos, com um olho, a iminente felicidade. Mas no dia 9 de dezembro Papai Noel já surgia à nossa frente.[3] Com sua barba branca e voz profunda. Ele sabia todas as nossas mentirinhas, travessuras, e seu saco era tão grande. Prometíamos nos comportarmos pelo resto da vida. E aí ele pegava o saco e sacudia. Os presentes, nossos desejos silenciosos, jaziam no chão.

Depois se assava. Kringel [tipo de pretzel], biscoitos, bolo de mel. Ao final do dia, quando já estava escuro, vinha o anjo do Natal com sua veste branca. Os biscoitos no peitoril da janela da cozinha ele deveria provar. Bem atrás no jardim em um pinheiro ardia uma vela. Iluminava seu caminho.

E finalmente, em 24 de dezembro, véspera de Natal. Mal conseguíamos aguardar! Aqui no saguão, onde estou hoje, uma grande mesa coberta com todos os presentes. No salão o piano e a árvore de Natal. Ouço a voz de vovó Lieschen. Uma bela voz, noite feliz, noite de amor. Oh Tannenbaum, oh Tannenbaum, wie grün sind deine Blätter.[4] Todos cantávamos juntos. Os presentes eram abertos. A casa estava toda perfumada. Todos nós estávamos contentes. Frieda, a cozinheira, Hanna, a copeira, que mais tarde se casou na igreja católica em Eppstein e acompanhou seu marido aos Estados Unidos. Mina, a arrumadeira, com suas pernas um tanto tortas. Ehlert, o administrador, com seus filhinhos. E claro que os cachorros. Ninguém era esquecido. Estávamos despreocupados e satisfeitos. A vida para nós era bela, e nada pressentíamos de nosso destino.

O pacote de frutas do sul da Vovó Lieschen para o Natal não faltava. Laranjas, bananas. Maçãs da Califórnia com bochechas vermelhas. Papai via as frutas de forma crítica e comentava: comam suas peras e maçãs alemãs!

Bons modos, tão importantes na vida, nos eram ensinados. Não falar com a boca cheia, não apoiar os cotovelos na mesa. Não deixar comida no prato. Tínhamos um papai rigoroso e uma mamãe afetuosa.

Cavalgar e o grupo de equitação em Wiesbaden com Tio Heini na ponta. Quantas horas, as mais felizes de minha vida, pertenciam a esses momentos. Petrella, meu cavalo de nosso estábulo com a estrela branca na testa. Meu grande amor. Lágrimas do primeiro amor derramei ao seu pescoço. Será que entendia minhas preocupações? Tanta coisa eu poderia ainda lhes contar daquela época.

Em pensamentos estou sentada no meu quarto. Junto à minha escrivaninha envernizada de branco. As paredes revestidas com papel de parede azul-claro. Em uma prateleira cactos de todos os tamanhos e formas. Quando todos dormiam, na calada da noite eu cortava um botão de rosa no jardim. O orvalho jazia sobre suas folhas. E à luz de vela meu diário era preenchido página após página. Com sonhos infantis e dores. A vida era tão importante naquele tempo.

Mas aos poucos, bem ao longe, nuvens escuras se formavam. Hof Häusel continuava à luz do sol. O portão de ferro forjado, a entrada para a casa, trazia a data 1934 e as iniciais W P, Wilhelm Paderstein. E nossa vida transcorria tranquila.

 

Haras Hof Häusel

 

Cavalgar no grupo de equitação em Wiesbaden era “funz”. A palavra para fabuloso na nossa linguagem de então. O ponto alto era o corso no outono em Wiesbaden na Wilhelmstraße sob o júbilo das massas e sob as janelas ornadas com as bandeiras da suástica vermelhas. Eu era autorizada a cavalgar na ponta sobre um vistoso cavalo branco. Acompanhada à direita e à esquerda por dois companheiros. As pessoas lançavam buquês de flores sobre nós. Na cabeça uma grinalda com ásteres lilases e amarelos. A cor de nosso clube de equitação. Um dia bem feliz na minha vida. Mas só por um breve tempo.

Num ensolarado dia de outono, tocou a campainha da casa. Tio Heini, meu grande amor, queria falar conosco. Havia sido pressionado. Uma judia não tinha mais lugar na garupa de seus cavalos. O que significou para mim o fim do mundo.

E aí vieram as leis. Arianos não podiam mais trabalhar para judeus. Palavras como Rassenschande[5]  passaram a fazer parte do idioma alemão.

Começamos a nos ocupar com uma imigração. Israel, Ragusa, Suíça, Côte d'Azur. Nenhum destes lugares se concretizou. Permanecemos em Hof Häusel. Íamos pescar trutas no riacho. Trutas, que abocanhavam, gulosas, as minhocas no anzol. De noite iam parar na caçarola. Uma refeição deliciosa.

Amigos vinham nos visitar. Passava-se manteiga no pão, consumido com cidra num canto tranquilo. Hoje vejo a fuga da verdade que ali existia. “Não queríamos acreditar em nada daquilo!” Emigrar? Mas para onde?

Kurt Meyer, um grande amigo meu, que gostava muito de mim, cujo pai era proprietário da cervejaria Sonnenbrauerei em Mainz, deixou a Alemanha na calada da noite. E salvou sua vida indo para a Suécia. Seu pai mais tarde se matou. Ernst Philipstal emigrou para a África. Fazíamos planos. Queríamos casar. Não deu em nada. Meu amor não era grande o suficiente e eu ainda era nova demais. O Sr. e Sra. Kass, nossos amigos de longa data de Frankfurt, emigraram para a Inglaterra. Também Morels. Werner Mankiewitz, um primo do meu pai. Nós o encontramos mais tarde em Buenos Aires. Mary e Änne, as amigas de minha mãe. Tiveram sorte e conseguiram um visto para os Estados Unidos.

À nossa volta estava ficando vazio e quieto. Ehlert, nosso administrador com seus filhinhos e sua mulher, deixaram-nos e choraram. Mina a arrumadeira, Hannah a cozinheira, também elas nos deixaram. Só o Dr. Fernkorn, nosso preceptor, pôde ficar. Para nossa sorte tinha uma mãe judia. Seu cargo de professor havia perdido. Sua nova missão era preparar a nós, crianças, para a vida.

 

Estados Unidos (1929)

Outra vez veio uma nova lei. Cavalos judeus não podiam mais correr nos hipódromos alemães. Não eram suficientemente arianos. Em uma viagem a Berlim em visita à Vovó Lieschen, não achamos nenhum restaurante e nenhum hotel, ainda que fosse para tomar um copo d'água. Em todas as entradas e portas um aviso: judeus não são bem-vindos.

Sim, a necessidade de uma emigração se tornava premente. Tio Walter e Tia Eu de Königstein preparavam seus papéis para o Brasil. Ali trabalhava seu filho numa grande indústria química. Dava para comprar terras lá. Candidatar-se a ir para a selva plantar café em Rolândia. A selva aguardava os ingênuos emigrantes. Após muitos anos de dificuldades inacreditáveis na vida diária, Rolândia havia se tornado um Eldorado.

O Brasil tornou-se nossa meta. Quase todas as fronteiras em 1938 estavam fechadas. Brasil, país cuja língua desconhecíamos. Começamos a ter aulas de português. Mal se sabia naquela época onde ficava a América do Sul!

As tarefas domésticas sem empregada nem ajuda na enorme casa tornaram-se parte de minha vida diária. Aprendi a fazer as camas. Aprendi a cozinhar, passar a ferro e costurar. Hof Häusel foi até o fim o refúgio de muitas pessoas. Todas com o mesmo objetivo: escapar do inferno de nossa terra natal.

Os cavalos foram vendidos. Menos um problema. Reichsfluchtsteuer [imposto sobre saída de capitais], todo tipo de taxações sobre judeus. Centenas de milhares de marcos fluíram para o caixa de nosso perseguidor. E enfim a casa também foi vendida. Em 8 de setembro, aniversário de minha mãe, o cônsul brasileiro entregou-nos o visto para o Brasil. Era um visto para a família “católica” Paderstein. E hoje aqui sou grata ao pastor de Brehmtal, que sem hesitar com seu carimbo nos documentos salvou nossas vidas.

Era outono. E na manhãzinha de 30 de setembro de 1938 os caminhões de mudanças estavam diante da porta. Com um grande buquê de flores de outono do jardim nos braços de minha mãe, meus pais deixaram a segurança de uma vida. Vovó Lieschen havia vindo de Berlim. Como pôde aguentar tudo aquilo? O Dr. Fernkorn, junto comigo, Helga, seu grande amor, virou a chave da porta da casa pela última vez na fechadura. Deixamos a casa e descemos o caminho pelo bosque até Eppstein. Ali, onde uma curva no caminho estreito ia dar no bosque, ficaram parados uma última vez. Heiner, como chamávamos carinhosamente o Dr. Fernkorn, arrancou um galho de pinheiro e deu para mim com a promessa de sua eterna lealdade. As agulhas do pinheiro numa caixinha com um Ex Libris “Emita Luz, Helga Paderstein” entalhado por ele voltaram comigo para a Alemanha e mantêm desperta a lembrança.

Depois o trem nos levou até Frankfurt. De tarde, nunca esquecerei esse dia, Vovó Lieschen pegou o trem expresso de volta a Berlim. Estava na janela de seu compartimento. O trem partiu com atraso. Saberia ela que nunca mais veria sua filha e seus netos? Em 1943 ela se suicidou. O Brasil havia fechado as fronteiras. Getúlio Vargas, um ditador, era germanófilo e um fascista. Imigrantes judeus não conseguiam mais vistos. Na mesma noite um avião nos trouxe à segurança da Holanda. Não antes que, devido ao controle de transferência de divisas, nos tivessem depenado. Minha mãe chorava.

A emigração começou. Após alguns dias em Paris, onde moramos num pequeno hotel. Após nossa partida da Alemanha, quanto coisa aconteceu.

Num navio francês viajamos rumo à nossa nova terra natal. O Cruzeiro do Sul nos acompanhava no céu ao nos aproximarmos do Brasil. A foice da lua parecia diferente no céu. O calor, o sol, o mar azul fizeram com que logo esquecêssemos que éramos emigrantes.

 

O símbolo carioca, Cristo Redentor, braços abertos abençoando a cidade

E aí chegou o dia em que nos aproximamos do Brasil. A maravilhosa praia branca acompanhou-nos durante o dia todo. Malas foram feitas. A expectativa era grande. No final da tarde o navio chegou no Rio de Janeiro. O símbolo carioca, Cristo Redentor, braços abertos abençoando a cidade, erguia-se num pedestal de nuvens. Jamais esquecerei tal dia. O dia em que o Brasil se tornou nossa nova terra natal.

Tudo era estranho. A língua. Pessoas negras. Cabelos crespos. O calor do início do verão. A excitação. A Europa e todos os seus perigos ficavam definitivamente para trás. O Cristo Redentor continha-nos em seus braços protetores. Havíamos alcançado nosso destino.

No porto nos aguardava um senhor que não conhecíamos. Emigrantes não paravam de chegar, e era preciso ajudá-los. Tudo tão estranho. Num táxi lotado, já no escuro, percorremos a Avenida Rio Branco, a rua principal do Rio. Passava no meio da cidade. Admirados víamos as muitas luzes. Admirados víamos a praia branca. Admirados víamos a confusão de gente de todas as cores. E cansados chegamos em Copacabana em uma pensão barata.

Desfazer as malas. A primeira noite. O calor do verão brasileiro. O primeiro passeio na manhã seguinte ao longo da praia. Novos conhecidos. Gente, emigrantes como nós que chegaram antes de nós e já tinham alguma experiência da adaptação à nova vida.

Logo procuramos uma moradia. Mas não antes de um grande susto. O cônsul brasileiro em Frankfurt, nosso amigo, havia chegado no Cap Arcona, um navio alemão que ligava então Europa e Brasil. Queria falar conosco e nos encontrou num pequeno hotel. Nós não falávamos sua língua, o português. O visto católico era a razão de sua vinda. Ele ameaçou nos expulsar devido aos documentos falsos. O que podíamos fazer? Tivemos que pagar tudo que ele exigiu. E nosso já parco dinheiro minguou ainda mais.

Alugamos um apartamento mobiliado. Ficava pertinho da praia. De manhã cedo, devido ao calor insuportável, eu lavava nossas roupas, cozinhava e arrumava a casa. Depois íamos à praia. A areia branca bonita, o mar, os morros e a queimadura de sol!

Íamos à feira. Laranjas, bananas, abacaxis. Legumes de todas as cores e com nomes exóticos. Assávamos bolo de banana. Não havia maçãs nem peras. A tudo nos adaptávamos. Aos domingos íamos ao hipódromo. Com nossas apostas procurávamos ganhar algum dinheiro. Raramente nossos cavalos chegavam na frente.

 

Aos domingos íamos ao hipódromo

 

A gente se reunia em um bar alemão e bebia cerveja brasileira. E conversava sobre as últimas notícias da Europa, que chegavam escassamente. Uma carta levava então ao menos quatro semanas. Avião não existia ainda. A correspondência viajava de vapor para lá e para cá.

Enfim chegou nossa mudança após três meses no Brasil. Havíamos enquanto isso alugado um apartamento. Vazio, sobre uma padaria. De madrugada, às três horas, as máquinas começavam a misturar a massa de pão e não dava mais para dormir. O apartamento era pequeno. Os móveis, grandes demais. Uma grande parte tivemos de vender. Mas enfim tudo ficou no seu lugar. Um ambiente simpático e aconchegante. Cada um tinha seu quarto.

As preocupações eram grandes. A pergunta tão ameaçadora: como prosseguirão as coisas? De que vamos viver? Meu pai não havia aprendido uma profissão! Mas mesmo que tivesse, o que poderia fazer com ela? Começar tudo de novo? Uma vida nova?

Procurei um trabalho. Minha irmã foi mandada para o colégio e rápido aprendeu a língua portuguesa. Meu primeiro emprego foi como babá. As crianças berrando eram uma praga.

Aí meu pai recebeu uma oferta. Criar cavalos no interior do país. Entregamos o apartamento. De novo, tudo foi empacotado. E meus pais deixaram o Rio de Janeiro. Bem longe de toda civilização.

Com grande coragem enfrentaram a nova vida inusitada. Em geral tudo transcorreu bem. Até o Brasil ser pressionado, em 1943, a declarar guerra à Alemanha. Um navio com soldados brasileiros foi enviado à Itália. Um grande cemitério sobre uma colina conta a história. Falar alemão foi proibido. Papel preto era colado nas vidraças. Os alemães tornaram-se inimigos dos brasileiros. Meus pais naturalmente também. Às pressas deixaram a fazenda na calada da noite. Com um pequeno negócio filatélico que meu pai dirigia e minha mãe, que também começou a trabalhar, ganhavam sua vida modesta.

Em 1945 deixei o Rio de Janeiro para tentar a sorte em São Paulo. Em 1946 casei-me com Heinz Flatauer de Marienburg. Pelo resto de minha vida meu grande amor.

Minha irmã [Anita] casou-se em 1948 com Joaquim Korytowski

Em 1946 casei-me com Heinz Flatauer de Marienburg

 

Minha irmã casou-se em 1948 com Joaquim Korytowski, de Plauen. Tiveram três filhos. Mas após uns poucos anos incomumente felizes o destino inevitável nos alcançou. Após seu terceiro filho, Sylvio era seu nome, minha irmã contraiu câncer no seio. Tentou-se salvá-la com todos os meios disponíveis naquela época. Em vão. Aos 33 anos ela nos deixou, seus três filhinhos e seu marido, para sempre.

Meus pais mudaram-se para São Paulo a fim de viverem perto de nós. Suportaram sua dor com uma dignidade incrível. E a vida continuava.

Hof Häusel lhes foi devolvido e depois vendido. Com esse dinheiro a vida deles se tornou enfim mais fácil.

Meu pai faleceu em 2 de julho de 1977, aos 83 anos, após uma breve doença.

Minha mãe seguiu-o em 1990 aos 93 anos. Fiquei sozinha. Em 1987 meu marido havia me deixado para sempre.

 

Meus pais”: Margarida e Guilherme

 

Meus pensamentos voltam com frequência ao Brasil. Em pensamento visito os túmulos. Em pensamento converso com meus amigos. Aqueço-me ao sol brasileiro. Penso com carinho nas pessoas ali. Pessoas com um espírito aberto e amistoso.

Mas também aqui sou grata às pessoas pelo tanto de amor e amizade que me concedem. Pelo tanto de amizade com que me acolhem. Faço muitas palestras, que me enriquecem. Hof Häusel será para sempre parte de minha vida. E talvez, quando penso a respeito, também no Brasil senti falta do farfalhar dos bosques de pinheiros.

Em sonhos percorro os campos, meus pensamentos voltados ao passado.

Saúdo todos vocês e encerro meu relato. Gostaria de responder às perguntas de vocês. Uma espécie de debate.

 

Na torrente da vida vamos em frente:

O passado fica para trás, novas perspectivas se abrem.

Muita coisa boa passa por nós, alguns penhascos temos de contornar.

E disto consiste a nossa vida.

 

Muito obrigada,

Vockenhausen, 4 de abril de 2008.



[1] Após viver décadas no Brasil, Helga retornou, após a morte do marido e da mãe, à Alemanha, onde veio a falecer em 2011.

[2] Prato à base de chouriço, salsicha de fígado e barriga de porco cozidas.

[3] Dia de São Nicolau, em 6 de dezembro, e não no dia 9.

[4]  Canção de Natal alemã: Pinheirinho, pinheirinho, quão verdes são suas folhas.

[5] “Vergonha da raça”, ou seja, relações sexuais entre arianos e judeus.