AS IMAGENS CELESTES DE HUMBERTO DE CAMPOS, por RONALDO ROGÉRIO DE FREITAS MOURÃO

CRÔNICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA COLUNA "ASTRONOMIA E ASTRONÁUTICA" DO JORNAL DO BRASIL DE 30/1/1989

Lua sobre Copacabana

Ao contrário dos poetas e, em geral, dos panteístas, eu tenho horror às noites estreladas. Nada me deprime tanto, e me entristece, como o espetáculo da imensidade celeste. A visão das estrelas miúdas, da “écharpe” ondulosa da Via Láctea, chama-me à realidade da vida, e à consciência da minha insignificância. Lembro-me que aqueles glóbulos quase invisíveis são milhares ou milhões de vezes maiores do que aquele em que habito; que é possível que, morto, eu vá habitar algum deles. E baixo os olhos, humilhado.”

Esta visão tristonha das noites estreladas, profundamente pessimista, nos foi dada pelo escritor maranhense Humberto de Campos, em 9 de março de 1929, em seu Diário Secreto (1954), que assim resumiu as suas observações naquele dia:

“É que eu já me apeguei a este grão de poeira que é a Terra. E como eu seria feliz se pudesse ficar eternamente nela, amando e sofrendo, lutando e penando!...”

Humberto de Campos foi o cronista mais lido e apreciado, na década de 1930, pela sua sinceridade é autenticidade, com as quais não dissimulava as mágoas sociopolíticas. Era um articulista dos extremos: fervoroso no louvor como nas críticas, às vezes excessivamente indignadas. “Humberto de Campos prejudicou o seu Diário Secreto com as perfídias que nele deixou, misturadas às páginas mais patéticas que lhe saíram da pena”, escreveu seu conterrâneo, o romancista Josué Montello, em Diário da Tarde (1987). Na realidade, apesar dos relatos factuais, em geral maliciosos, com ferinas insinuações malévolas, o contexto geral da obra de Humberto de Campos é magistral pelo estilo límpido e fácil comunicação.

A visão do céu, como uma imagem sempre associada à depressão, que dominou a vida do escritor maranhense, aparecerá sempre ao longo de toda a sua vida. Em 23 de maio de 1930, após ter visitado Júlio Prestes, presidente da República eleito, a bordo do Almirante Jaceguaí, na praça Mauá, como representante do governador do Maranhão, Presidente Pires Sexto, o então deputado Humberto de Campos assim descreveu o clima do momento:

“À tarde, de regresso para casa, olho, no ônibus em que viajo, a Praça Mauá e o navio que vai conduzir o Presidente, e que partirá à noite. O céu, no poente, apresenta laivos de sangue do Sol que morre para os lados do cais do porto. E, não sei por que, enche-me o coração uma grande, uma profunda, uma imensa tristeza...

Nos primeiros anos da década de 1930, a vida do escritor maranhense foi uma marcha ascensional de desesperança e misérias, que poderia ser usada para explicar a vida amarga que transparece ao longo dos seus relatos. No entanto, as razões devem estar mais ligadas à própria sensação que as imagens celestes provocam no espírito humano. Elas variam em cada indivíduo. O escritor e filósofo francês Pascal dizia que o silêncio do universo lhe causava pavor. Por outro lado, o atormentado e esquizofrênico pintor holandês Van Gogh encontrava nas noites estreladas motivos de repouso para sua mente agitada, como confessou em carta ao irmão Theo.

Assim como a noite, a própria lua que inspirou aos poetas Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Lêdo Ivo e tantos outros escritores imagens de grande ternura e esperança, em Humberto de Campos, ao contrário, provoca um efeito melancólico, conforme deixou escrito a 5 de janeiro de 1931.

“Ontem, lua cheia. Olhava o horizonte, de um banco da praia, quando noto que um dos morros do outro lado da baía começava a incendiar-se. Atentei melhor e vi. Era a lua que surgiu no céu claro, e que punha à mostra um pedaço de face luminosa. E, em breve, ei-la subindo, amarela e enorme, como um balão de ouro levantado lentamente, insensivelmente, por mãos invisíveis.”

“Esse espetáculo comoveu-me profundamente. Evoco algumas noites de luar da minha vida. Lembro aquela em que, na Paraíba, vi, com um telescópio, o doce astro romântico, e a tristeza de que se me encheu o coração ao sabê-lo deserto e sem água. E vejo que, deserta, e estéril, é, também, hoje, a existência que levo, sem dinheiro, sem pão, sem saúde, e o que é pior, sem entusiasmo e sem esperança...”

Evidentemente, as imagens de tristeza e melancolia, de um pessimismo sombrio e sem lenitivo, provêm da própria personalidade de Humberto de Campos, de sua vida atribulada, da infância pobre e cheia de vicissitudes. Todavia, já o poeta francês Victor Hugo, ao escrever sobre o Céu Noturno, em sua obra L’année terrible, de certa forma justifica a posição “negativista” de Humberto de Campos, dizendo: Chacun a sa façon de regarder la nuit. (“Cada um tem o seu modo de encarar a noite.”)

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