O PARADOXO DA REENCARNAÇÃO: HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DE JOAQUIM KORYTOWSKI

TRECHO DO MEU LIVRO AINDA NÃO PUBLICADO EM HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO MEU PAI, EM 19 DE FEVEREIRO DE 2024. NA FOTO QUANDO, ADOLESCENTE NA ALEMANHA, AINDA SE CHAMAVA KARL JOACHIM KORYTOWSKI. AO SE NATURALIZAR BRASILEIRO APORTUGUESOU O NOME PARA JOAQUIM KORYTOWSKI. PARA OUTRAS FOTOS DO MEU PAI CLIQUE AQUI.


Em nova viagem do Joaquim e Thelma à terra do Tio Sam em 1972, deveriam retornar ao Brasil num voo na sexta-feira, dia 13 de outubro, mas por uma causa curiosa (não foi superstição em relação ao dia considerado azarento) protelaram a volta para a segunda-feira, dia 16. O motivo teve a ver com espiritismo.

Já no Brasil, antes da Thelma vir morar conosco, meu irmão mais velho, eu, nosso pai e um amigo do meu irmão que era médium espírita fizemos algumas vezes o que chamávamos de “brincadeira do copo”, que de brincadeira não tinha nada, ao contrário, levávamos muito a sério: era uma forma de comunicação com os espíritos que surgiu na Europa com o kardecismo na segunda metade do século XIX. A gente coloca um copo virado para baixo, dispõe as letras do alfabeto ao redor em círculo, mais as palavras SIM e NÃO, invoca um espírito para entrar no copo, faz perguntas ao espírito, e o espírito responde. Posso assegurar que ninguém de nós empurrava o copo, se alguém empurrasse daria para perceber, juro que o copo andava sozinho. Segundo a ciência, o movimento do copo se deve a um suposto “efeito idiomotor”: ele é empurrado de forma inconsciente, sem que os participantes percebam que estão empurrando. Mas quem já participou da experiência sente que essa explicação é forçada.

O espiritismo kardecista surgiu na França, mas foi no Brasil que encontrou mais adeptos, talvez por sua compatibilidade com as crenças de matriz africana. Meu pai acreditava e, a certa altura, passou a frequentar um centro espírita e me contou que desde então sua vida estava melhorando. Ilusão, já que no frigir dos ovos sua situação financeira degenerou.

Na teoria da reencarnação existe um paradoxo. As pessoas imaginam que as reencarnações são sucessivas: você nasce, vive, morre, e logo depois, ou pouco depois, ou não muito depois reencarna. Tanto é que, quando morre um Dalai Lama, pouco depois procura-se a alma reencarnada daquele Dalai Lama num recém-nascido. Não passaria pela cabeça de ninguém que a alma levaria cem, duzentos anos para voltar a encarnar. As pessoas que acreditam no espiritismo imaginam que encarnaram sucessivamente nas diferentes épocas da história humana: na época dos romanos, na Idade Média, no Renascimento, na era vitoriana, etc. Acontece que a população mundial no passado era bem menor que hoje. Há dez mil anos, éramos apenas uns 2 a 3 milhões. Há 2 mil anos, cerca de 200 milhões. Em 1800, a população mundial era de 1 bilhão. Em 1930, 2 bilhões. Em 1950, 2,5 bilhões. Em 1999, 6 bilhões. Agora somos 8 bilhões. Veja bem, no passado não havia pessoas suficientes para receber todas as 8 bilhões de almas que existem hoje. Este é o paradoxo da reencarnação.

Mas voltemos à viagem do Joaquim e Thelma aos EUA em outubro de 1972. Na noite de quinta-feira, dia 12, estavam na casa dos melhores amigos da Thelma, tomando um drinque de despedida. Quando estavam prestes a se despedirem, conversa vai, conversa vem, começaram a falar em espiritismo, e eis que o amigo era médium amador e tinha em casa um tabuleiro ouija. Nos Estados Unidos, em vez de um copo percorrendo letras sobre uma mesa, utilizam-se esses tabuleiros com letras e números (e algumas palavras como “Yes”, “No”, “Goodbye”), e um marcador (“um tripezinho com um furo, pelo qual se vê a letra”, na descrição do meu pai). Quando os participantes colocam o dedo em cima do marcador, ele se move e forma as mensagens.

Meu pai conta numa carta que logo apareceu um espírito que se dizia seu parente por parte do avô materno, mas de quem nunca ouvira falar. Primeiro se identificou como Jacob Katz, mas depois mudou o nome para Jacob Kantorovich, nascido em 1874 e falecido em 1939, que vivera em Düsseldorf. Respondia meio em alemão, meio em inglês, de forma que meu pai (cujo dedo não estava sobre o marcador) acabou “falando” com ele em alemão, língua que os dois médiuns que “manobravam” o marcador não sabiam! O que derruba a explicação científica para a “brincadeira do copo” ou o “tabuleiro ouija” de que se trata de um efeito ideomotor.

Passada a meia-noite (ou seja, já estavam no dia da viagem, 13), um outro espírito enviou uma mensagem para a Thelma: “Não viaje hoje em veículo algum!” Perguntaram se ao menos poderiam ir de carro para a casa dos cunhados, onde estavam hospedados, e a resposta foi “sim”. Ao perguntarem se poderiam viajar “amanhã” (sábado), a resposta foi “não”. Quando poderiam viajar? Só na segunda-feira, dia 16. Please do not ride, we fear danger. Conclusão: telefonaram para o atendimento 24 horas da Panam e remarcaram a viagem. “Fiquei impressionadíssimo e muito agitado com esta estória”, conta meu pai numa carta, “até agora, escrevendo a respeito me comove.”

Mas seria Jacob Katz/Jacob Kantorovich (1874-1939) de fato parente de meu pai por parte do avô materno? Parece que não. Os pais de Gertrud Lewin, mãe do meu pai, foram Rosa Bornstein (1874-1926) e Paul Lewin (1877-1950). Este emigrou com a segunda esposa, Rosa Wolff (1883-?), para São Paulo antes do início da guerra. Seus pais foram Gerson Lewin (1845-?) e Charlotte Romann (1850-1921). Estes foram os dados que achei nas páginas 30-31 e 54 (árvore genealógica) do citado livro do Pöllmann, já que meu pai nunca comentou comigo sobre a família de sua mãe. Observe que chamei as mulheres pelos sobrenomes de solteiras, que é o que interessa num estudo genealógico.

Pesquisei Jacob Kantorovich no Google e achei uma pessoa com exatamente este nome, nascida em 1885 e falecida em 1935, enterrada no Waldheim Cemetery Co., Forest Park, Cook County, Illinois, EUA. Parece não ter vivido em Düsseldorf, e as datas não coincidem com a do espírito. Mas encontrei um Jacob Katz, morto em 6 de fevereiro de 1939 e enterrado no cemitério judaico de Vorst, cidade de Tönisvorst, a 30 quilômetros de Düsseldorf! 

E last but not least: meu pai conta que o voo da Panam do dia 13 chegou ao Rio sem incidentes, mas naquela noite ocorreram dois desastres aéreos no mundo. Fui conferir e de fato a primeira página do Jornal do Brasil (que meu pai lia) de 15/10/1972 noticia:

Um jato soviético Ilyushin-62 da Aeroflot caiu e explodiu sexta-feira à noite perto de Moscou, matando todo os seus ocupantes [...] no que pode ser o pior desastre da história da aviação civil. Outras 47 pessoas – inclusive um time de rúgbi de Montevidéu – foram dadas como mortas ontem num bimotor F-27 da Força Aérea Uruguaia, que ia para Santiago. Um mineiro da região andina chamada Desfiladeiro Tibúrcio afirmou ter visto a queda do avião.