INGENUIDADE, poema de ABGAR RENAULT

 


Poema de ABGAR RENAULT publicado na primeira edição de A REVISTA, revista modernista de Belo Horizonte, fundada por Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Francisco Martins de Almeida e Gregoriano Canedo, publicada em julho e agosto de 1925 e janeiro de 1926, e que teve entre seus colaboradores Pedro Nava (clique em seu nome no menu da barra vertical direita para ver postagens sobre esse genial memorialista do qual o editor do blog é fã). No programa da revista, publicado sob o título Para os Céticos na primeira edição, constava: Não somos românticos; somos jovens. [...] Somos pela renovação intelectual do Brasil, renovação que se tornou um imperativo categórico. [...] Depois da destruição do jugo colonial e do jugo escravagista, e do advento da forma republicana, parecia que nada mais havia a fazer senão cruzar os braços. Engano. Resta-nos humanizar o Brasil.


INGENUIDADE

ABGAR RENAULT

 

E se o teu coração enfim,

pensasse em mim?

 

E se eu vivesse, um só momento,

na ronda inquieta do teu pensamento?

 

E se o meu vulto desencantado

enchesse, como um grande sonho triste

o noturno mistério desse olhar?...

 

E se a minha alma de incontentado

da Beleza e do Ideal pudesse, um dia,

para tua alegria,

se espetalar

serenamente, luminosamente,

como uma grande flor de luz, na tua estrada?...

 

E se tuas mãos líricas de fada

viessem, num gesto simples de milagre,

redimir e sagrar o meu Destino indiferente?...

 

E se o meu coração

pudesse desfazer-se em versos comovidos,

para encantar, por um minuto vão,

numa voz de segredo, os teus ouvidos?

 

E se a minha vida rude

pudesse ser, na sua amarga solitude,

como um lago azulado e tranquilo, a espelhar,

na superfície calma,

todo o céu trêmulo de estrelas que é tua alma?

 

E se a alegria fulgurante dos teus olhos

se houvesse entristecido

por haver compreendido

o ingênuo, melancólico silêncio dos meus olhos?...

 

     Setembro, 1924


Um comentário:

Geraldo Reis Poeta disse...

Excelente escolha. Agradeço-lhe pelo Abgar Renault, que já está "no Deus". Abgar demonstra, nessa "falsa ingenuidade", sua sensibilidade e o seu jeito especial de escrever e emocionar. O poema, nesse instante, tem para mim outro nome: SAUDADE DE ABGAR. (GERALDO REIS - blog: O SER SENSÍVEL)