HOMENAGEM A MÁRCIO DAIN STEINBRUCH



Márcio Steinbruch em 1967

Quando você é jovem e morre uma pessoa velha, você acha normal, afinal “era um velho”, e o papel dos velhos é morrerem (pelo menos assim pensam os jovens). Mas quando morre alguém de sua geração, é estranho, porque você sente a sua própria mortalidade.

Conheci o Márcio Steinbruch em janeiro de 1967 quando passávamos as férias de verão em Teresópolis, o local de veraneio das famílias judaicas abastadas na época, tanto é que apelidávamos de Eretzsópolis. Tempos de festinhas em que tentávamos em vão (éramos tímidos) arranjar namorada, dos primeiros porres (na época não tinha essa frescura de não vender bebida alcoólica para menores), das subidas à Pedra do Sino, dos Carnavais no Higino onde me apaixonei por uma “tirolesa” que acabou me traindo com outro dois dias depois. Em julho aproveitamos que o tio do Márcio, o senador Aarão Steinbruch, autor da lei do décimo terceiro salário, nos “emprestou” o apartamento dele em Brasília e passamos uma temporada memorável na então recém-fundada capital federal, eu, Márcio, Silvio Tendler, Ronaldo Câmara e David Kogan (morto tragicamente num sequestro).

A turma em Brasília: (da esquerda para a direita e de cima para baixo) Ronaldo, David, Márcio, Silvio, Eu

O Márcio sempre esteve presente na minha vida. Ele me considerava seu melhor amigo. Gostávamos de conversar sobre Machado de Assis, o genial filho de mulato e açoriana humildes que imortalizou o nosso Rio de Janeiro dos velhos tempos. Quando comprei um apartamento em Jacarepaguá, pois naquela época meu dinheiro só dava pra comprar imóvel naquele “fim de mundo”, o Márcio por pura coincidência também tinha comprado um imóvel no mesmo conjunto. Depois se arrependeu e pôs à venda. Uma vez, quando estávamos conversando com o comprador do imóvel, este perguntou ao Márcio se era judeu. Sou, respondeu. O comprador fez esse comentário inusitado, não por mal, embora hoje em dia seria considerado “antissemita”: nem parece, você foi tão honesto. Incluí esse episódio de forma romanceada no meu Passaporte para o Paraíso.

Márcio Steinbruch (esquerda) inspecionando a obra em Jacarepaguá

Márcio era brilhante, trabalhou em grandes empresas, a NUCLEN, numa empresa de mineração que o enviou várias vezes à Jamaica. O Márcio gostava da Jamaica, desconfio que por causa da “ganja” (vejam no dicionário o que é) e das mulatas. O Márcio tinha esse bom gosto, um pendor pelas mulatas. Mas depois se regenerou e virou bom marido. Aliás, de nossa turma, foi o último a se casar. Casar não no papel, mas amasiado com fé casado é, diz o ditado.

Depois foi trabalhar na fábrica do primo como vendedor externo, para não ter que ficar trancafiado num escritório e poder circular pela cidade.

Mais tarde foi ficando preguiçoso. Saía cada vez menos. A saúde se deteriorando. Resistiu bravamente a dois cânceres. O terceiro o derrubou. Mas com misericórdia. Poupou-o do sofrimento, das dores atrozes do câncer terminal. O câncer o matou antes de se tornar terminal! Poucos dias antes de sua partida, estive numa reunião na casa dele, ele conversava, opinava (embora transparecesse certo cansaço)... Foi-se para o reino da matemática, das ideias puras. Deixou uma vasta biblioteca de livros de matemática. Que agora circularão e farão a cabeça de outros matemáticos. E o Márcio fica para sempre vivo em nossos corações e cabeças.

Márcio Steinbruch num passeio que fizemos ao observatório de São Cristóvão em 2006


Túmulo do meu amigão no dia da descoberta da matzeiva (inauguração da lápide)


APÊNDICE

Em 20 de fevereiro de 1990, o Márcio me escreveu uma carta que transcrevo a seguir:

Ivo, estou mandando em anexo 2 coisas para você guardar em seus arquivos.

a) Um POEMA EM VERSOS BRANCOS do grande escritor e poeta argentino JORGE LUIZ BORGES

LEIA primeiro e depois veja os meus comentários nas páginas 2 e 3

b) Uma bela análise do poeta e escritor maranhense Humberto de Campos feita pelo grande astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. Leia também primeiro e depois veja os meus comentários nas páginas 4 e 5.

Um abraço

Marcio Dain Steinbruch

a) Ivo, o poema “INSTANTES” de Borges é uma lição de vida!!! Para ser assimilada por nós todos. eu me identifiquei imediata e inteiramente com o conteúdo dos versos. Também tenho vivido a minha vida desta maneira. Para o *** [um amigo em comum, hipocondríaco e regrado, cujo nome omitirei]  é um prato cheio: não sei se o *** carrega para todo o lugar em que vai termômetros, bolsas de água quente, guarda-chuvas e pára-quedas [itens mencionados no texto borgeano], mas se não o faz, está próximo, sem contar os milhares de remédios que ele deve carregar com ele, os medos e prevenções, etc, etc, que acaba fazendo com que ele (assim como obviamente eu) não “viaje tão leve”, e Borges diz que se voltasse aviver, “VIAJARIA MAIS LEVE”.

OBS: Esta recente viagem à Índia e ao Nepal já pode significar uma mudança na vida do ***, não? Quem sabe?

Quanto a você, Ivo, acho que andas num meio-termo. De qualquer maneira a leitura do poema é instrutiva.

E olha!!! Lá vai a oportunidade: Borges escreveu o poema aos 85 anos de idade, no fim de sua vida, não haveria mais possibilidade de uma mudança, um recomeçar, era tarde demais! Nós (pelo menos em teoria) ainda temos tempo de mudar, ou será que não?!!!

b) Resolvi te mandar o artigo sobre Humberto de Campos pelo seguinte. Primeiramente para você tomar ciência de que existem e existiram coisas BOAS vindas do Maranhão! Entendeu?!! [alusão velada a José Sarney, então presidente do Brasil]

Bem, confesso que já tive várias vezes esta sensação de insignificância ao fitar o céu estrelado à noite. Você não?

Achei muito bonita toda a sequência apresentada no artigo. Só não sei se eu diria “É que eu já me apeguei a este grão de poeira que é a Terra. Não me apeguei “KURI” (corruptela de KORY, assim o Marcio me chamava), acontece que não há (pelo menos por enquanto) nenhuma outra alternativa! No futuro quem sabe? Mas acho que não vamos pegar este tempo. Por enquanto, estamos irremediavelmente “PRESOS” ao planeta Terra.

Bem, vou ficando por aí, se você tiver alguma coisa sobre a obra de Humberto de Campos, ou dados biográficos, crítica, etc., me avisa, estou interessado em saber mais sobre ele.

            Um abraço de

                        Marcio Dain Steinbruch

P.S: Não me chame de ignorante pois eu na realidade sei que do Maranhão vieram pessoas ilustres (Não sei se muitas...) tais como os irmãos JOSUÉ e JESSÉ MONTELLO

No poema em versos brancos (que não é propriamente um poema, e sim uma prosa poética, e que, embora na época atribuído ao Borges, depois se revelou apócrifo) intitulado INSTANTES, o falso Borges afirma que “Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros”. Ou seja, “Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais”, “Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério”, “Correria mais riscos, viajaria mais”, “Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres” etc. etc. etc. Só que (eis o anticlímax!) “tenho 85 anos e sei que estou morrendo”. O poema pode ser lido clicando aqui.

Quanto ao texto do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, aborda a melancolia do escritor maranhense Humberto de Campos quando contemplava uma noite estrelada (algo que nós, moradores de metrópoles intensamente iluminadas, raramente fazemos): “Ao contrário dos poetas e, em geral, dos panteístas, eu tenho horror às noite estreladas. Nada me deprime tanto, e me entristece, como o espetáculo da imensidade celeste”. Você pode ler o texto completo clicando aqui.

2 comentários:

Ronaldo Câmara disse...

Caro Ivo:

Voltei de férias hoje e fiquei sabendo pelo seu e-mail da morte do nosso amigo Márcio.
Uma notícia triste, pois foi um companheiro da juventude e, como você mesmo falou, da mesma geração, e que nos leva a pensar sobre a nossa própria transitoriedade.

No início de 1967, quando cursava o 1º Científico do Andrews, conheci você, o Daniel, o David, o Sílvio, o Ronald (e sua irmã), o Ricardo, a Margareth, a Mercedes, a Myrna, e muitos outros.
O Márcio era um ano mais velho, e dava muitas dicas sobre as matérias para os que iam fazer Engenharia. Ele, bem como seu irmão Beni, foram alunos brilhantes no colégio e também no Curso Vetor.

Eu estava recém-chegado de um período de seis anos morando em Brasília, e não tinha amigos no Rio. Então me enturmei e posso dizer que "gastei o meu terno preto da formatura do ginásio" nas inúmeras festas de 15 anos que ocorreram durante aquele ano, e que muitos desses colegas também participaram. A viagem em julho até Brasília com você, Márcio, Silvio e o saudoso David, foi muito divertida, e aprontamos muito lá no apartamento emprestado pelo senador Aarão. O meu amigo Celso Luz, que já morava na Capital, me ajudou a ciceronear a turma. Ninguém tinha carteira de motorista, mas em dois carros percorremos Brasília e arredores durante uma semana que passamos por lá.

Depois veio o Vestibular, a Faculdade, o trabalho, o casamento, os filhos (e agora as netas), e os encontros com a turma ficaram bem raros. Durante a década de 90, após comprar um apartamento no final da Rua São Clemente (onde moro até hoje) encontrei o Márcio por algumas vezes no Largo dos Leões, próximo ao prédio dele, e ele já se queixava de problemas de saúde. Fiquei uma época desempregado, e ele também estava trabalhando como autônomo, e conversávamos sobre os bons tempos do Andrews, e sobre as possibilidades de emprego, que já começavam a ficar bem reduzidas. E nos últimos anos não o vi mais.
Fica aqui também minha homenagem a ele.

Abraços a todos,
Ronaldo Câmara

Luiz disse...

Marcio era meu amigo, ex-colega no Andrews e no curso de engenharia na PUC.

Sua inteligência brilhante o fazia interessar-se pela solução de problemas complexos de geometria e matemática. Com a ansiedade costumeira me procurava com novas descobertas e indagações. Que prazer recordar as discussões juvenis cheias de entusiasmo em que mesclávamos conceitos rudimentares da lei da relatividade, a intrigante especulação sobre a antimatéria e problemas algébricos sem solução.

Para meu prejuízo perdi Marcio de vista logo depois de nossa formatura.

Guardo sua memória no meu coração.

Luiz Roberto Gouvêa
9 de dezembro de 20019