Tanta dor, tristeza. A vida
ceifada com golpe imenso e impiedoso. O que dizer sobre o absurdo
que destrói a inocência na traição da madrugada? É muito
difícil escrever alguma coisa para diminuir a dor provocada com a
tragédia aérea que envolveu os jogadores da Chapecoense,
dirigentes, jornalistas e a tripulação, na última terça-feira de
29 de novembro. A queda do avião, nas proximidades do aeroporto de
Medellín, deixou um trauma terrível no qual das 76 pessoas 71
morreram, 19 eram jogadores da Chapecoense; apenas 5 sobreviventes
foram resgatados dos escombros.
Na segunda-feira à noite,
depois de assistir ao Jornal Nacional, da TV Globo, dirigi-me ao
computador para atualizar a correspondência e, a seguir, dar
andamento à escrita de meus textos literários. Nesse hábito que
a literatura me impõe há anos, costumo viajar com as palavras pelas
pastagens silenciosas da noite. Dessa vez, ao terminar mais uma
tarefa do fazer literário, pela madrugada de terça-feira, estava
extenuado, sem sono. Liguei a televisão em busca de algum programa
que amenizasse o cansaço, trazendo daí a pouco o sono.
Logo fiquei de frente a um
impactante momento trazido pela notícia que me deixou perplexo. O
repórter anunciava na televisão que o avião com a delegação da
Chapecoense, sem combustível, havia caído em terras colombianas,
a cinco minutos do aeroporto. Bateu no morro, descera se rasgando
entre as árvores até ficar destroçado no fundo enlameado de
grande cratera. Com o tempo chuvoso, a televisão mostrava os
homens do salvamento em extremo esforço, buscando localizar os
corpos. Havia na agonia deles a esperança de encontrar
sobreviventes.
A tragédia era por
demais absurda, atingia aquele ponto insensato em que forças cegas
na avidez da morte convergem para o horror e a estupefação do
acontecimento. Haveria de ter uma saída naquele quadro desesperador
para transformar o trauma em algo menos doloroso, pensei. Haveria
mais sobreviventes. Era inacreditável, injusto, que o sonho de
jogadores vitoriosos, heróis que estenderam para milhares de
torcedores a alegria como forma de vida, fosse interrompido pela
mão pesada do inconcebível. Meu Deus, não era possível, não era
possível.
Na Arena Condá, no oeste de
Santa Catarina, havia assistido pela televisão a proeza de um time
de porte médio, de uma cidade de pouco mais de duzentos mil
habitantes, eliminar da Copa Sul-Americana o poderoso time copeiro
argentino do Independente, tantas vezes campeão mundial de clubes.
Vi eliminar o São Lorenzo, outro time famoso argentino, campeão da
Libertadores. Vi deixar para trás também a respeitável equipe do
Junior Barranquilla, da Colômbia. No desastre aéreo, como num
pesadelo, o futebol agora pendia na dor, somente na dor. Foi então
que a esperança, de dentro dos pesares, dos rostos em lágrima, fez
brotar sua luz verde com o facho da solidariedade. No estádio
Atanásio Girardot onde seria realizada a partida final da Copa
Sul-Americana, entre a Chapecoense e o Atlético Nacional, a
esperança inventou o carinho para amenizar o sofrimento de
milhares. O povo colombiano, de branco, com velas acesas, rezava,
chorava. Aplaudia, dizendo, a uma só voz, que o campeão daquela
temporada na América do Sul era o time brasileiro. “Força Chape!”
Um grito solidário ecoava pelos campos de futebol do mundo,
propagava-se com os ventos do amor pelas vastidões do eterno,
molhando-nos, nessa hora da pureza, de humano entendimento.
Imagino que, ante o
sentimento de coragem e nobreza do povo colombiano, a morte naquele
instante teve vergonha de ser a conhecida mulher indesejada de nossos
caminhos, a soberba detentora dos nossos ossos.
- Cyro de Mattos é escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris Causa da UESC. Membro efetivo do Pen Clube do Brasil, das Academias de Letras da Bahia, Ilhéus e Itabuna.
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