Em
sua contribuição enciclopédica e analítica da literatura, Nelly
Novaes Coelho, intelectual rara, desincumbe-se da jornada literária
com erudição, consciência crítica e uma santa paciência de
pesquisadora. Ela sempre está surpreendendo. Depois de enriquecer o
corpo das letras brasileiras com volumes importantes, como Literatura
e Linguagem,
Literatura
Infantil,Dicionário
Crítico de Escritoras Brasileiras, Dicionário
Crítico de Literatura Infantil e Juvenil Brasileira,
Panorama
Histórico da Literatura Infantil/Juvenil, na
idade em que muitos já aposentaram suas ferramentas, eis que ela pra
lá dos oitenta anos comparece com ensaios fecundos para brindar seu
público leitor com a obra Escritores
Brasileiros do Século XX, publicado pela EditoraLetra
Selvagem.
Monumentaltestemunho
crítico, o
alentado volume é resultado de cinquenta anos de pesquisas, leituras
e releituras de obras apresentadas em cursos universitários,
congressos, seminários, colóquios, no Brasil, Portugal e Estados
Unidos da América. São oitenta e um escritores analisados neste
precioso e extenso livro. Dos mais conhecidos, como Jorge Amado,
Graciliano Ramos. Guimarães Rosa, Mário de Andrade e João Ubaldo
Ribeiro, passando por nomes expressivos que ficaram esquecidos pela
crítica e do mercado editorial, como Cornélio Pena, Gustavo
Corção, Adonias Filho e Murilo Rubião.
E ainda
outros que precisam de divulgação para que melhor sejam
conhecidos: Ricardo Guilherme Dicke, Mora Fuentes, Samuel
Rawet e Nicodemos Sena. Todos esses autores, elencados nessa obra de
natureza enciclopédica, dão voo à razão e à emoção quando
abordam a problemática existencial do ser humano e a crise de uma
sociedade exaurida de valores e sentidos. Dão imaginação e
transcendência ao mundo.
A ensaísta admirável revela:
– Foi a
“Sorte ou o Acaso” que puseram em meu caminho os oitenta e um
escritores reunidos e analisados neste meu último livro.
A
generosidade, a humildade e a solidariedade são marcas da alma dessa
enorme ensaísta. Os autores no extenso volume analisados
tiveram, sim, a sorte ou o acaso, posto em seus caminhos para a
leitura crítica dessa valorosa analista literária.
Ela disse:
– Um autor
para ser instituído como cânone precisa de um crítico dotado
de instrumental teórico suficiente que chame atenção para as
questões estéticas, seja capaz de revelar os elementos
estruturantes que entraram na composição da forma e
conteúdo da sua obra.
No meu caso, de autor baiano
insulado na cidade natal, no sul da Bahia, distante do eixo Rio e São
Paulo, que ainda hoje funciona como tambor cultural desse país
inculto e enorme, por mais que o mundo de uns tempos para cá tenha
se tornado uma aldeia globalizada, nem sei como agradecer nossa
inclusão na relação desses escritores conceituados,
selecionados e reunidos no testemunho crítico da professora doutora
Nelly Novaes Coelho.
Vale a pena repetir o que certa vez
ela disse sobre a literatura:
– Sem
leitura e escrita a vida não tem emoção.
Essa
Nelly Coelho Novais, que viveu para amar a literatura e que, com uma
vocação valorosa, na passagem dos anos, tanto demonstrou quanto a
amava.
Em português, na tradução de Carlos Alberto Nunes:
Se os estados, ofícios, posições não fossem dados por maneira corrupta, e as honrarias só fossem conquistadas pelo mérito, quantas pessoas que andam descobertas, a cabeça cobririam! Quanta gente que hoje é mandada, assumiria o mando.
Os nazistas
adoravam O Mercador de Veneza: entre 1933 e 1939, a peça foi montada
mais de cinquenta vezes na Alemanha nazista. Péssimo sinal. Meu pai adorava O
Mercador de Veneza, gostava de mencionar sua história. Ótimo sinal.
Shylock interpretado por Henry Urwick em pintura de Walter Chamberlain da coleção da Royal Shakespeare Company
Antonio, o mercador de Veneza, é o protagonista da peça, mas quem se sobressai é seu antagonista, o judeu Shylock. Ele reflete o estereótipo negativo que a Europa, após séculos de pregação antijudaica por parte da Igreja, formou do judeu. Estereótipo que também vemos no personagem judeu Fagin, do romance Oliver Twist de Dickens, e no usurário e banqueiro Gobseck, “filho de uma judia e de um holandês”, do romance homônimo de Honoré de Balzac.
Ator Ron Moody como Fagin
O próprio Shakespeare nunca deve ter visto um judeu na sua frente, já que estes foram expulsos da Inglaterra por decreto real do rei Eduardo I em 1290 e só foram readmitidos no país por Cromwell mais de 350 anos depois, em 1657. Assim como foram expulsos da Espanha em 1492 e de Portugal em 1496. Com a expulsão os reis tentavam forçar sua conversão ao catolicismo, mas muitos judeus preferiam procurar refúgio num país islâmico a abjurar sua fé. Sim, o mundo dá voltas. Naquela época, os judeus eram muito melhor acolhidos entre os muçulmanos, que segundo a tradição descendem do mesmo patriarca dos judeus: Abraão.
Gobseck no filme russo homônimo de Preben J. Rist de 1924
Qual a grande
culpa dos judeus para serem tão execrados no mundo cristão, sofrendo uma
perseguição sistemática que culminou com a tentativa de extirpá-los da face da
terra durante o odioso regime nazista que envergonha a raça humana? Era a culpa
coletiva, transmitida de pai para filho, pela morte de Jesus Cristo. Essa culpa
coletiva, com base em Mateus 27:25 – “O seu sangue caia sobre nós e sobre
nossos filhos” – foi doutrina oficial da Igreja até meados do século XX. Eu
mesmo cheguei a ouvir na escola, quando algum colega ficava sabendo que eu era
judeu, o comentário de que “o judeu matou Cristo”. Assim, durante quase dois milênios,
a história dos judeus é uma saga de errância, coagidos de tempo em tempo e de local para
local a emigrar em consequência das restrições, expulsões, pogrons (ataques
violentos), tudo isso culminando no trágico e absurdo Holocausto da era nazista.
O judeu errante em representação nazista
Na peça de Shakespeare essa doutrina da transmissão da culpa de uma geração para a outra se reflete quando o bufão Lancelote Gobo diz que “the sins of the father are to be laid upon the children = os pecados do pai devem recair sobre os filhos” (Ato III, Cena V). Ele está se dirigindo à filha do judeu, que reconhece a culpabilidade ao responder que “I shall be saved by my husband; he hath made me a Christian = Serei salva por meu marido; ele me tornou cristã.”
Qual é a história de O Mercador de Veneza? Vou tentar contar de forma resumida e sem revelar o final. Mas antes, uma reminiscência. No meu tempo de adolescente, quando passava um filme baseado numa obra clássica, digamos, de Shakespeare, antes da gente ir ver o filme, meu pai, que conhecia toda a literatura inglesa, alemã, francesa, punha-se a contar a história. Quando chegava perto do final, a gente pedia, “não conta o final pra não tirar a surpresa”, e ele respondia, “mas este é um clássico, todo mundo sabe o final”, e a gente replicava, “mas nós não sabemos”, mas meu pai, empolgado, continuava contando, e eu e meu irmão mais velho tapávamos os ouvidos ou começávamos a fazer ruído para não ouvir. Pois eu não vou repetir a mania do meu pai, não vou contar o final.
Lynn Collins como Pórcia na versão cinematográfica de Radford
Quem dá título
à história é Antônio, um mercador rico. Seu amigo Bassânio pretende viajar a
Belmonte para conquistar a mão da formosa e rica herdeira Pórcia. Só que Pórcia não
pode escolher livremente seu marido, ela tem que acatar a ordem deixada por seu
pai, antes de morrer, de se casar com quem conseguisse, dentre três escrínios
ou cofres (depende da tradução, em inglês são three caskets), um de
ouro, outro de prata, o terceiro de chumbo, escolher aquele que contém seu
retrato. O cofre de ouro traz a inscrição “Quem me escolher ganha o que muitos
querem”, o de prata, “Quem me escolher, ganha o que bem merece”, e o de chumbo,
“Quem me escolher, arrisca e dá o que tem”. Até agora todos os pretendentes que
tentaram a sorte erraram de cofre, e nenhum
deles agradou à donzela. Pois bem, Bassânio precisa de dinheiro para fazer a
viagem até Belmonte e impressionar a deslumbrante moça, mas Antônio está sem
disponibilidade de caixa, toda sua grana está aplicada em mercadorias que
comprou em diferentes partes do mundo e que estão a caminho de Veneza. Naquele
tempo, Veneza, uma república, era uma potência comercial. Então Antônio vai
pedir dinheiro emprestado ao judeu. Este de início reclama que Antônio sempre o
tratou mal, sempre o desprezou por ser judeu, mas acaba concordando em conceder
o empréstimo dos 3 mil ducados. E tem mais: não vai nem cobrar juros. Mas tem
um senão: se no dia do vencimento Antônio não devolver o dinheiro, como
penalidade terá que fornecer ao judeu uma libra de sua própria carne, retirada
da parte do corpo que o judeu escolher. Ele acha que não corre nenhum risco, que seus navios com as
mercadorias chegarão incólumes, e o empréstimo será reembolsado. Só que o
destino prega uma peça no mercador: os navios com as mercadorias naufragam, e o
judeu exige o cumprimento do contrato. E o resto você vai ter que ler a peça
para saber.
A história central, do empréstimo, não é original de Shakespeare. Baseia-se em “Il Gianetto”, da coletânea de cinquenta histórias, Il Pecorone (O Simplório), de Giovanni Fiorentino, no estilo do Decameron de Boccacio, que Shakespeare teve a oportunidade de ler na tradução de William Painter. Mas o bardo pega uma simples história e transforma num texto de grande poeticidade e impacto, assim como, digamos, um compositor pega um tema singelo do folclore e transforma num movimento de uma sinfonia.
Veneza por Canaletto
Veneza na época contava com uma considerável colônia judaica. O termo gueto (ghetto em italiano) teve lá sua origem, designando o bairro onde os judeus tinham que se confinar nas horas noturnas.
Se você for
ler a peça no original inglês, estará lendo um texto escrito mais de 400 anos
atrás. Ou seja, escrito num inglês bem diferente do atual. O Mercador de
Veneza foi escrito menos de trinta anos depois de Camões escrever Os
Lusíadas. Você sabe que ler Os Lusíadas não é para qualquer um.
Aliás, só conheço uma pessoa que leu na íntegra, o Alexei Bueno. Eu mesmo nunca li. O brasileiro
quando tem que ler Machado de Assis na escola, um autor que morreu pouco mais
de cem anos atrás, já reclama, já acha o texto arcaico. Então como é que os
ingleses (e norte-americanos) leem com tanta facilidade as peças do
Shakespeare? Ou se não leem, assistem no cinema, pois não são poucas as filmagens, com
grande sucesso de público, de peças shakespeareanas. Talvez o sistema escolar
inglês e norte-americano familiarize os estudantes com a linguagem de Shakespeare.
Não sei, estou chutando. O que sei é que eu, tradutor aposentado, que no
decorrer de 35 anos traduzi 193 livros do idioma de Shakespeare para o idioma
de Camões, não tenho a mesma facilidade em ler um texto do bardo que tenho em
ler uma reportagem na BBC.
Primeiro, Shakespeare não escreve em prosa, escreve
(na maior parte do tempo, com algumas exceções) em versos quase sempre sem
rima, mas seguindo uma métrica rigorosa. Ele usa o chamado pentâmetro jâmbico,
que é um verso decassilábico, composto de cinco pares de sílabas, uma átona e a
outra tônica. Por exemplo:
How sweet/ the moon/light sleeps/ upon/ this bank!
Here will/ we sit/ and let/ the sounds/ of music
Creep in/ our ears:/ soft still/ness and/ the night
Become/ the
tou/ches of/ sweet har/mony.
Como fazer
para destrinchar o texto de Shakespeare? Eis a questão. O texto contém provérbios antigos,
palavras propositadamente erradas (ditas por personagens cômicos), palavras que
na época de Shakespeare tinham um sentido diferente do atual, formas de grafar arcaicas, frases que para
se encaixar na métrica ficam difíceis +de entender, etc. Eu pessoalmente, na
leitura de O Mercador de Veneza, lancei mão de cinco ferramentas
disponíveis na Internet:
1) O texto
original clássico acompanhado de uma tradução para o inglês contemporâneo -
https://www.sparknotes.com/nofear/shakespeare/merchant/
2) O texto
original clássico acompanhado de notas explicativas -
https://shakespeare-navigators.com/merchant/MerchantText11.html
3) Um
dicionário Webster de 1828, que ainda registra significados que hoje são
considerados arcaísmos - http://webstersdictionary1828.com/
4) A tradução
de Carlos Alberto Nunes, a mais fiel ao texto original, reproduzindo inclusive
a métrica, cujo pdf pode ser baixado do site Shakespeare Brasileiro -
https://shakespearebrasileiro.org/pecas/
5) A tradução
de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes, em prosa, abandonando a
métrica, num bonita edição de capa dura da editora Abril de uma coleção que era
vendida em bancas de jornal.
E você conta
com uma ferramenta adicional com a qual eu não contei: meu próprio dicionário
eletrônico inglês-português para tradutores, que eu fui construindo no decorrer
de três décadas trabalhando como tradutor. Nele cadastrei não só a terminologia
dos livros que traduzi, mas também dos livros que li. O download é gratuito. O link: https://sites.google.com/site/livrosdeivokorytowski/ivo-korytowski-s-english-portuguese-translator-s-dictionary
Primeira edição da obra
Finalmente, a pergunta que não quer calar: O Mercador de Veneza é uma peça antissemita? Embora o título da primeira edição da obra em 1600 – The most excellent Historie of the Merchant of Venice. With the extreme cruelty of Shylock the Jew towards the said Merchant, in cutting a just pound of his flesh, and the obtaining of Portia by the choice of three chests; em português, A magnífica história do mercador de Veneza. Com a extrema crueldade de Shylock, o judeu, para com o dito mercador, em cortar uma libra exata de sua carne, e a conquista de Pórcia pela escolha entre três arcas–acuse o judeu de crueldade, se você lê a peça vê que ela mostra os dois lados da moeda. O judeu como um personagem mesquinho, alvo de chacotas, por um lado, mas também como uma vítima da sociedade. Ele é chamado de faithless Jew, judeu incrédulo, villain Jew, judeu vilão, the dog Jew, judeu cachorro, etc. Shylock deixa claro que, se quer vingança contra Antonio, é porque aprendeu a se vingar com os cristãos (The villany you teach me, I will execute = Hei de pôr em prática a maldade que me ensinastes). Afinal, Antonio “me humilhou, impediu-me de ganhar meio milhão, riu de meus prejuízos, zombou de meus lucros, escarneceu de minha nação, atravessou-se-me nos negócios, fez que meus amigos se arrefecessem, encorajou meus inimigos.” Sua própria filha, Jéssica, tem vergonha do pai e foge de casa, levando uma arca de joias, inclusive o anel que Shylock guardava como lembrança da falecida esposa, para se casar com um cristão. A defesa de Shylock, em que diz que (parafraseando Tom Jobim) “no peito de um judeu também bate um coração” é um dos trechos mais belos da obra, senão vejamos:
Al Pacino como Shylock
I am a Jew. Hath not a Jew eyes? Hath not a Jew hands, organs, dimensions, senses, affections, passions? Fed with the same food, hurt with the same weapons, subject to the same diseases, healed by the same means, warmed and cooled by the same winter and summer as a Christian is? If you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die? And if you wrong us, shall we not revenge? If we are like you in the rest, we will resemble you in that.
Os judeus não têm olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, inclinações, paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas, não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquece e refresca os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos? Se nos fizerdes cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno, não morremos? E se nos ofenderdes, não devemos vingar nos? Sim em tudo o mais somos iguais a vós, teremos de ser iguais também a esse respeito.
Quando o duque pede a Shylock que tenha misericórdia de Antonio, o judeu denuncia a hipocrisia dos cristãos e diz que, se estes abrirem mão dos seus escravos e os libertarem, ele, Shylock, abrirá mão da multa devida por Antônio. (Ato IV, Cena I: You have among you many a purchased slave, Which like your asses and your dogs and mules, You use in abject and in slavish parts, Because you bought them = Possuís muitos escravos, que como asnos, cães e mulos tratais, e que em serviços empregais vis e abjetos, sob a escusa de os haverdes comprado.) O judeu tem tanto ressentimento dos cristãos que preferiria que sua filha casasse com alguém da raça do bandido Barrabás a casar-se com um cristão: I have a daughter; Would any of the stock of Barrabas / Had been her husband rather than a Christian! = Tenho uma filha; mas preferiria que ela casasse com um dos descendentes de Barrabás, a vê-la desposada com um desses cristãos.
Caricatura de um judeu de Praga, gravura em cobre de Elias Bäck do início do século XVII
As montagens da peça pelos nazistas claro que procuravam desumanizar o judeu, apresentá-lo como um ser desprezível, o bode expiatório para todos os males. Já a versão cinematográfica de Michael Radford de 2004 mostra Shylock, em magnífica interpretação de Al Pacino, como vítima de uma sociedade intolerante. Os autores de grandes clássicos têm essa característica, suas obras não são preto no branco, são matizadas, permitem infinitas leituras, tanto é que vivem sendo reencenadas, refilmadas, reinterpretadas, relidas.
Caymmi disse que “quem não gosta de samba, bom sujeito não é”. Na peça Lorenzo diz algo parecido: “The man that hath no music in himself, Nor is not moved with concord of sweet sounds, Is fit for treasons, stratagems, and spoils; The motions of his spirit are dull as night, And his affections dark as Erebus = O homem que música em si mesmo não traz, nem se comove ante a harmonia de agradável toada, é inclinado a traições, tão-só, e a roubos, e a todo estratagema, de sentidos obtusos como a noite e sentimentos tão escuros quanto o Érebo.” (Ato V, Cena I)
Shakespeare na National Portrait Gallery, Londres
O Mercador de
Veneza está classificada entre as comédias de Shakespeare, junto com A
Tempestade e Sonho de Uma Noite de Verão, mas na verdade é uma
mescla de tragédia e comédia, uma tragicomédia. O núcleo da história, o embate
entre o usurário judeu e o mercador cristão, é trágico, mas em torno desse
núcleo orbitam três histórias de amor com finais felizes, como é próprio das
comédias clássicas: de Bassânio por Pórcia, de Graciano por Nerissa e de
Lorenzo (Lourenço) por Jéssica. Além disso, a peça tem um personagem
eminentemente bufão, Lancelote Gobo; os pretendentes à mão de Pórcia, antes da
chegada de Bassânio em Belmonte, são ridículos; e os anéis de que Bassânio e
Graciano juraram jamais se desfazer dão margem a uma série de brincadeiras
maldosas.
The aspect of London, as the man who knows it grows older, begins to
take on characters of permanence and characters of change, both of which are
comparable to those of a human life. It is perceived that certain qualities in
the great soul of the place are permanent, and that the memories of many common
details merge after the passage of years into a general picture which is
steadfast and gives unity to the whole.
This is especially true of the London skies,
and more true, I think, of the London skies in autumn than at any other season
of the year. Men go home from the City or from the Courts westward at an hour
which is that of sunset, when the river catches more
light than at any other time: the mixture of mist and smoke and of those
shapes in our clouds, beyond the reek of the town, which are determined by the
south-west wind blowing up the line of the valley, make together an impression
which is the most lasting of the landscapes in which we live. These it was
which inspired Turner when he drew them from the deserted room in the tower of
Battersea Church, or from that corner house over the River, whence he could
watch evening after evening the heavy but transparent colours which enter into
the things he painted. Many foreigners, caught by the glamour of that artist,
have missed the source whence his mellow and declining sunlight was inspired;
its source was in these evening and autumn skies of London. There is a
permanence also in the type of home which London
built for more than two centuries, and which was laid down after the Great
Fire, and there is a permanence in the older stonework.
It is difficult or impossible to define what there is in common between the brown stock brick of London, which is the stuff of all
its background, whether of large houses or mean, and the black-and-white
weathering of Portland stone. Perhaps the unity
which seems to bind them is wholly in the mind, and depends merely on
association, but it is very strong upon anyone who has grown up from childhood
into middle age surrounded by the vision of this town; and it would seem as
though London was only London because of those rough surfaces of soft
stonework, streaked with white wedges, scaling off the grime of St Martin's, or
St Clement Dane's, or the fine front of the Admiralty, and standing out clear
against the general brown mass of the streets. The quite new things have no
character at all. One wonders what cosmopolitan need can have produced them.
London never produced them, with their stone that so often is plaster, and their
alien suggestion of whatever is least national in Paris or New York. London
never produced them.
The noise of the streets in spite of every change remains the same, it
is the same comforting and distant roar, like the roar of large waters among
hills, which every visitor has noticed, with its sharp contrast to the rattle
and cries of other great capitals. Why it should be so no one, I think, has
discovered, though many have described it, but it remains an unmistakable
thing, and if a London man, who had travelled and was far away, should be set
down by a spirit in London, not knowing where he was, when he heard through a
window high above the street this distant and continuous roar, he would know
that he had come home. It should surely in theory have disappeared, this chief
physical characteristic of the great place, yet neither the new electricity and
the hissing of the wires, nor the new paving, nor even the new petrol seem to
change it. It is still a confused and powerful and subdued voice, like a multitude
undecided. The silence also does not change. The way in which in countless
spots you pass through an unobserved low passage, or through an inconspicuous
narrow turning, and find yourself in a deserted place,
from which the whole life of London seems blanketed out, has been to every
traveller and to every native part of the charm and surprise of London. Dickens
knew it very well, and makes of it again and again a dramatic something in his
work which stamps it everywhere with the soul of London. In every decade men
growing older deplore the disappearance of this or that sanctuary of isolation
and silence, but in the aggregate they never disappear; something in the very
character of the people reproduces them continually, and if any man will borrow
the leisure — even a man who knows his London well — to peer about and to
explore for one Saturday afternoon in one square mile of older London, how many
such unknown corners will he not find! The populace also upon whom all this is
founded remain the same.
What changes in London are the things that also change in the life of a
man, and nothing more than the relationship of particular spots and particular
houses to our own lives. There is perhaps no city in the world where, under the
permanence of the general type, there is so perpetual a flow and disturbance of
association. It has even become normal to the life of the citizens, and the
conception of a fixed home has left them. Here and there — but more and more
rarely with every year — you may point out a great house
which some wealthy family has chosen to inhabit for some few generations;
but fixity of tenure, tradition, family tradition at least, and sacred
hereditary things, either these were never proper to London or they have gone;
it is this which overspreads a continued knowledge of London with an increasing
loneliness and with memories that find no satisfaction or expression, but
re-enter the heart of a man and do a hurt to him there.
There are so many strange doors that should be familiar doors. Turning sometimes
into some street where one has turned for years to find at a very well-known
number windows of a certain aspect and little details in the drab exterior of
the house, every one of which was as familiar as a smile, one is (by the mere
association of years and of a gesture repeated a thousand times) in the act of
coming to the steps and of seeking an entry. The whole place is as much one's
friend and as much indicative of one's friend as would be his clothes or his
voice or any other external thing. He is not there, and the house is worse than
empty. London grows full of such houses as a man grows older. Most of us have
other losses sharper still, which men of other cities know less well, for most
of us pass and repass the house where we were born, or where as children we
gathered all the strongest impressions of life. It is impossible to believe
that other souls are inheriting the effect of those familiar rooms. It is worse
than a death; it is a kind of treason.
I know a house in Wimpole Street of which every part is as familiar
quite as the torn leaves of the old books of childhood, but I have passed it
and repassed it for how many years, forbidden an entrance, and finding that
ancient and fixed friend in league, so to speak, with strangers. Or, in another
manner, which of us does not know a house like any other house, amid the
thousand unmarked houses in the better streets of the town, but to us quite
individual because there met within it once so many who were for us the history
of our time? It was in that room (where are the three windows) that she
received her guests, retaining on into the last generations of a worse and
degraded time the traditions of a better society. Here came men who could
discuss and reveal things that are now distorted legends, and whose revelations
were real because they came as witnesses: soldiers of the Crimea, of India, of
Italy, and of Algiers, or men who remembered great actions within the State:
actions that were significant through conviction, before we became what we are.
Here was breeding; here were the just limits of tone and emphasis and change,
and here was that type of intercourse which was surely as great and as good a
thing as Europe or England has known. Who sees that room today? What taste has
replaced her taste? What choice of stuff or colour mars the decoration on the
walls?
What trash or alien thing takes the place of that careful, elaborate,
womanly work in which her travels throughout the world were recorded, and in
which the excellent modesty of an art sufficient for her purpose reproduced in
line and in colour the ironic nobility of her mind and the wide expanse of her
learning? We do not know and we cannot know. The house is neither ours nor
hers. To whomever it has passed, it has turned traitor to us who knew.
It is better, I think, for those who have such memories
when the material things that enshrine them wholly disappear, for then there is
no jar, no agony of contrast between that society which once was and this which
now is, with its quality of wealth and of the uses to which wealth is put
today. If we must suffer the intolerable and clumsy presence of accidental
power — power got suddenly, got anyhow, got by chance, untrained and unworthy —
at least may we suffer such things in their own surroundings, in huge
conservatories, with loud music, with an impression of partial drunkenness all
around, and a certainty all around of intellectual incompetence and of
sprawling bodies and souls. It is better to suffer these new things in such
surroundings as may easily let one believe that one is not in London at all,
but on the Riviera; and let the heat be excessive, and let there be a complete
ignorance of all wine except champagne, and let it be a place where champagne
is supposed to be one wine. Then the frame will suit the picture, and there
will at least be no desecration of material things by human beings unworthy of
the bricks and mortar. I say it is much better when the old houses disappear,
at least the old houses in which we knew and loved the better people of a
better time: and yet the youth or childhood in which so many of us saw the last
of it is not thirty years, is barely twenty years dead!
(From Selected Essays, edited by J.B.Morton, Penguin Books, 1958)