JOÃO CABRAL DE MELO NETO


Em entrevista à revista de poesia 34 Letras de março de 1989, disse João Cabral sobre o verso livre: "Acho que o verso livre já foi longe demais, há uma necessidade de se voltar a uma certa disciplina. Mas eu estou me lembrando de uma coisa que Carlos Drummond mesmo disse, que o verso livre foi uma aquisição tal que nós não temos o direito de abandoná-lo. Eu me lembro de que quando eu comecei a escrever, fazer aqueles versos que eu fazia era uma novidade. Era verso livre, mas era um negócio que me dava um trabalho como se fosse metrificado. [...] Você no Brasil, preponderantemente, ou escreve no verso de sete sílabas, que é o verso popular tradicional ibérico, ou então escreve em decassílabos, que é o negócio de Camões. [...] De forma que você vê que a partir de Cão sem plumas, que é um livro que eu escrevi aos trinta anos, praticamente eu não escrevi mais verso livre. É o negócio que Frost diz: escrever em verso livre é como jogar tênis sem rede."

O FERRAGEIRO DE CARMONA

Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
"Aquilo? É de ferro fundido,
foi a forma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.

O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na forma.
Não há nele a queda-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.

Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.

Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado,
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de forma
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita,
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarréia.

Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga.

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