Dora Locatelli nasceu em Passa Quatro, MG, na década de 1940, escreve desde menina, foi professora de português e literatura por mais de 30 anos brasileira, publicou um livro de contos (esgotado) e um ensaio sobre José Cândido de Carvalho, e acaba de lançar seu primeiro livro de poesias, a raiz do tambor, prefaciado por Igor Fagundes.
PERCEPÇÃO
De repente
tudo se integra no mesmo ritmo:
o tropel do cavalo insone
a crina ondulando
o vento nos galhos
o acalanto no berço
os sinais das estrelas.
Tudo é uma só musica
e o canto em mim
uma só urgência.
De um pulo ligo a lâmpada
e minha janela acesa
é um grito luminoso
nesta sinfonia.
MOTO CONTÍNUO
Como um pingo
Um pingo
de torneira
um
a
um
uma nota
só
de um disco emperrado
uma só batida
num surdo
uma só ideia
verrumando
única
pingando
uma
uma
uma
única
dor.
Isso fura pedra.
Mata.
PANO RÁPIDO EM 3 TEMPOS
O que te desespera, homem,
é ser apenas uma molécula invisível
na vastidão deste planeta
é ser o NADA incognoscível
na infinitude do universo.
O que te glorifica, homem,
é, na vastidão deste planeta,
ter a rútila luz da lucidez
ser uno, único, imenso TUDO
em tua consciência de ti mesmo
e do mundo a teu redor.
Mas tua glória, ó rei,
é, ao mesmo tempo,
teu paraíso e teu inferno.
A consciência de teu destino é dor.
Oscilas entre a centelha de Deus
e o tridente do Diabo.
SENHORA DONA DAS ESTAÇÕES
Não dependo de estações:
teço o outono e o inverno
na ponta de minha agulha
marcadas em ponto de cruz.
Sou uma espécie de fada
tendo a casa em primavera
em plena manhã gelada
e nostálgicas folhas de outono
num verão que exaspera.
O mistério está bem perto:
encerrado no barrado
das toalhas do banheiro
a estação espera
teu olhar libertador;
pula, entranha-te no peito
na casa, nos móveis, na alma.
O coração passarinha
ciclos do tempo brotando
bordados por tuas mãos,
como se a vida
fosse sempre mágica.
Despeço-me numa paz silenciosa.
FIM DE SEMANA
Despeço-me do mundo
como quem arruma bolsas
para um fim de semana.
A vida abriu a boca
e
ouvi verdades desconhecidas.
Calço pantufas e flutuo serena
sem pressa.
Feito um pássaro que abre as asas
e se dilue no horizonte.
Despeço-me do mundo
como quem arruma bolsas
para um fim de semana.
A vida abriu a boca
e
ouvi verdades desconhecidas.
Calço pantufas e flutuo serena
sem pressa.
Feito um pássaro que abre as asas
e se dilue no horizonte.
Despeço-me numa paz silenciosa.
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