MONTEIRO LOBATO: O TEMPO E AS INJUSTIÇAS, de HÉLIO BRASIL



O tempo nos rouba as energias. As injustiças nos torturam.

Em particular, já me senti afastado, ignorado, jamais injustiçado. Algum deslize, mesmo involuntário, por certo me fez sofrer a marginalização. Meu caso, porém, não está em pauta. Pretendo um papo com os visitantes e não um muro de lamentações pessoais.

O que me leva ao assunto é a tentativa (ou o esforço) – por algumas vozes - em desqualificar a obra do paulista José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) com a acusação de racismo. Não tenho “bala na agulha” nem procuração para defesas acadêmicas ou jurídicas. Apresento-me apenas como apaixonado leitor da obra de Lobato, conjunto literário que destacaria em maiúsculas, sem distinguir a “obra infantil” e a destinada aos adultos. A paixão não é boa conselheira, pois nos leva a prejulgamentos ou julgamentos apressados, sendo talvez a fonte principal dos críticos do grande brasileiro.

De fato, integrante da burguesia da primeira metade do século XX, com o eco da escravidão ainda nos ouvidos e nos corações, Lobato (neto de um Barão do império) distinguia nos estamentos sociais a presença da “negra beiçuda” Tia Nastácia e de outras figuras até folclóricas como o “turco” e o “português dos armazéns”. E usava a dura terminologia da época. Hoje, fingimos que a cor da pele não existe. Praquê? Temos que fugir dos estereótipos discriminatórios. Assim, o mundo da forma – que receamos misturar-se ao conteúdo como nas artes do Homem – torna-se perigosamente ignorado. Não existirão mais os “baixinhos” e os “carecas”? As louras e as morenas? Os gordos e os magros?

Bem, o abominável universo da discriminação é perigoso, pantanoso e sempre trouxe acusações e queixas das partes que se sentiram afetadas. E, a meu ver, Lobato está muito acima disto. Não vou sequer relembrar que – na sua livre criação – preconizou em “O Presidente Negro” a ascensão de um negro nos Estados Unidos de épocas passadas. Não digo que foi uma antevisão da chegada de Obama, mas admita-se o toque visionário no trabalho...

Para quem leu os livros do paulista (e brasileiros alfabetizados, acima de 50 anos, certamente o fizeram) a mancha “racista” não existe. Para quem leu, por exemplo, dois de seus belos contos: “Negrinha” e “O jardineiro Timóteo” e para os que na infância e na adolescência leram as aventuras da turma do “Pica-pau Amarelo” vale lembrar um detalhe interessante que me aventuro a recordar e que seus críticos sepultaram.

Quase todos seus personagens, de Dona Benta a Rabicó (o leitão que desposou Emília) são desdobramentos de Lobato. Dois antagônicos e surpreendentemente complementares alter-egos do escritor e que encantam os jovens leitores e dão seus recados aos supostamente “adultos” são a espevitada Emília e o sábio e desajeitado Visconde de Sabugosa. Ela, uma boneca de pano, feita de retalhos e chumaços de paina. Ele criado a partir de um desprezado sabugo de milho, pernas feitas de gravetos. Ambos saíram das mãos da negra Nastácia, foram por ela plasmados, a “grande mãe negra brasileira”.
A Lobato, o preconceituoso, os aplausos por uma obra nacionalista e consagradora. Meu terno respeito e perene gratidão ao brasileiro José Bento Monteiro Lobato.



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