QUANDO A NOITE VEM, de Ana Lia Vianna Ambrosio



Quando a noite vem — mais uma jornada que se foi, levando um pouco de mim e a eterna incerteza do amanhã. Respiro fundo, recuperando energia, brisa, ânimo, para um novo tempo. Namoro as primeiras estrelas a despontarem no mesmo céu de antes, tão exigente e mau, frente aos meus tímidos passos. Quando a tarde cai.

Quando vem a noite — relaxo ao som natural das enluaradas canções e causos, que espelham o itinerante caminho reinventado a cada momento. Retorno, alívio, à morada ilusória dos sonhos recuperados após imensas travessias: doloroso não possuir abrigo, acalanto, nem amigos. Quando cai a tarde.

Triste é viver na solidão...

Quando a noite vem — meus olhos palpitam incessantes, enternecem rasgos de generosidade bem como os de egoísmo. Salvos pelo valente príncipe que habita corações e cativeiros: vizinhos no paraíso? Nas verdes matas, nas profundezas dos arquipélagos, nas colisões do dia-a-dia. Quando a tarde cai.

Quando vem a noite — de mansinho recolho imponderáveis rastros espalhados por onde andei. Fagulhas perpetuam andanças e andanças: mergulhadas nos poemas a ti dedicados, repletos de rimas, mel, métricas. Certeiro o pêndulo, oscilando sob o marulho das tristes ondas, mas curioso no olhar. Meu. Quando cai a tarde.

Triste é viver na solidão...

E se a noite não vier? Falhar ao fim do derradeiro ato? Esperança, onde andarás? Nas asas de um fiel pássaro de fogo? Adormeço qual um anjo, aguardando... Quando a noite vem.

Ana Lia Vianna Ambrosio, durante anos minha colega na Oficina Literária do Professor Ivan Proença, foi uma das melhores escritoras brasileiras de prosa poética dos últimos tempos. Texto inédito, gentilmente cedido pela autora, que faleceu alguns anos atrás. Outra crônica sua pode ser lida no meu blog Literatura & Rio de Janeiro.

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