MENINA NA JANELA, de Renata Valle


A menina na janela gosta de ver o céu. Céu da manhã, azul clarinho, aceso pela luz do sol, esfumaçado por dispersas nuvens brancas. E as nuvens brancas que ficam esverdeadas, invadidas por ariscas maritacas que, fugitivas, voam em bandos, convidando-nos à liberdade: sobrevoam o pátio da escola, exibem-se para as crianças, fazem algazarra, animam a hora do recreio, arrancam sorrisos, bagunça contagiante. Bagunça que vem do céu.

A menina na janela gosta de ver quando o dia esperneia, mas acaba por ceder, vencido, pintando a tarde de cereja e entregando o céu à escuridão da noite. A escuridão da noite trará luzes coloridas, brilhando em toda parte, acendendo a cidade. Acenderão também os carros e seus corre-corres: subindo calçadas, galantes, amantes, derramando-se sobre as pontes preguiçosamente esticadas, entediadas, pontes ansiando tornar-se felizes maritacas.

A menina na janela gosta de ver as outras janelas abertas, fechadas, as luzes vermelhas lambendo a avenida, o morro pretinho pintado de uma infinidade de pontos brancos e destacando-se à frente do céu azul que o agasalha. E o céu azul que agasalha está cravejado de estrelas, damas elegantes, brincando de acender e apagar. E no céu a menina vê a gorda lua cheia: toda dona de si, toda cheia de si. Vaidosa, brilha cintilante, derrama-se, lânguida, fatal.

A menina gosta de ver os telhados das casas, a cúpula da igreja, a grande cruz mirando o céu, apontando para o alto, as muitas árvores escondendo ninhos de pássaros plebeus, arredios, que insistem em procriar em reino de asfalto e cimento. E no reino de asfalto e cimento a menina vê postes magrelos, caules compridos, terminando em belas flores de luz. E vê asfalto e cimento que não acabam mais, espalhando-se mais e mais todos os dias.

A menina gosta de ficar nas pontas dos pés e se esticar para olhar ao longe. E ao longe vê o relógio gigante guardião das horas. O gigante conta o tempo, aproveita para cochilar enquanto dormem os olhares curiosos, enquanto não volta o dia, enquanto repousa a menina, mantendo a janela aberta.

(Ilustração: Quadro "Mädchen am Fenster" - "Menina na Janela" - de Klara Filipowna Wlasowa, 1958.)

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