MANOEL DE BARROS


Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá em 1916. Publicou seu primeiro livro de poesia, Poemas concebidos sem pecado, em 1937. A partir de 1960, passou a trabalhar como fazendeiro e criador de gado em Campo Grande, MS. Ao longo das décadas de 1980 e 1990 veio sua consagração como poeta. Sobre Manoel de Barros, escreve Ronaldo Rothgiesser em A clínica poética, uma espécie de manual/manifesto da Confraria dos Bocós: "Manoel é bocó por excelência, ser delirante por natureza e por vocação. Manoel delira de à brinca, padece de um delírio doce e sublime. Nós, confrades delirantes, queremos plantar as sementes da artície, da traquinagem e da brincadeira pois acreditamos piamente que os delírios terapeutam. [...] O que a confraria quer é botar na rua tudo aquilo que Manoel de Barros botou no livro."

UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO

I

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

III

Repetir repetir – até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.

IV

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras.

V

Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

VI

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas
por crianças.

VII

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a voz dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.

[...]

Glossário:
gravanha: m.q. caruma ('folha de pinheiro seca')

Um comentário:

MARIO JOSE DE MENEZES disse...

PUXA... SE ESSAS NUVENS TEM ESSA ALTITUDE, IMAGINE DE QUANTO SERIA A ATMOSFERA DO PLANETA....os famosos CB, que são nuvens verticais, podendo atingir uma altura de mais de 30.000 km.