CÍRCULO VICIOSO, poema de MACHADO DE ASSIS


Filho de pais humildes - costureira branca nascida nos Açores e operário pintor de casas e dourador mulato forro (não-escravo), Machado de Assis nasceu no Morro do Livramento, Centro do Rio, na época local da chácara da viúva de Bento Barroso Pereira (daí a Ladeira do Barroso). Autodidata, nunca cursou a universidade, o que não o impediu de tornar-se exímio tradutor, teatrólogo, crítico literário, jornalista, contista, folhetinista, romancista, poeta, dedicado funcionário de carreira do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas e, na maturidade, fundador e presidente da Academia Brasileira de Letras. Vida metódica e visão do mundo cética (lia Schopenhauer), raramente viajou para fora do Rio de Janeiro, cenário de sua obra. (Do meu livro A arte da escrita.)

CÍRCULO VICIOSO

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
— "Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

— "Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

— "Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!”
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

— "Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?"


Glossário:
capela = abóbada
nume = divindade
umbela = dossel

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