Mané Garrincha, que sambou como quis frente a “João” de tôda ordem, e balançou muita rêde internacional com seus chutes de enderêço certo, volta ao cartaz numa nova facêta, bem diferente da que o fêz famoso. Garrincha, agora, fará os outros sambarem, dando receita para balanço. Não é conselho para furar arco adversário, mas forma acertada de cair no mais autêntico samba brasileiro. Porque Mané virou sambista. E, na base do teleco-teco, lançou seu primeiro sucesso, que tem como título “Receita de Balanço”. E, com intérprete, Elza Soares, a bossa em pessoa.
A história é simples, como simples são os seus personagens, apesar da fama que os cerca.
Há dias Elza Soares preparava, na cozinha da sua bonita casa da Ilha do Governador, um bem temperado feijão, quando ouviu o ritmado assovio. O samba não era conhecido. O assobiador, sim. Mané Garrincha surgiu, e com êle o diálogo:
— Onde aprendeu êsse samba, Nenen?
— Não aprendi, Crioula. É meu.
— Seu? E tu é sambista?
— Não sou, mas dou meus assobios.
A música era gostosa. Faltava a letra. Ali mesmo, entre pratos e panelas, Mané Garrincha preparou a primeira parte. Depois do almôço, saiu a segunda. Elza deu uns retoques, e veio o batismo: “Receita de Balanço”.
— Vou gravar êsse samba, Nenen.
— Deixa pra lá, Crioula.
— Mas, êle é muito bonito.
— Então, é todo seu.
A turma da Odeon ouviu o samba. Gostou e marcou gravação para o dia 24 de junho. “Receita de Balanço”completará um compacto de 4 sambas. Unindo-se a “O Morro”, “Bossambando” e “Na Roda do Samba”. Garrincha misturando-se com compositores do quilate de Carlos Lyra, Orlandivo e Helton Menezes.
Agora o diálogo é conosco:
— O samba é bom, Garrincha?
— Não sei. A Crioula gostou.
— Você já tinha feito algum outro samba?
— Não me lembro. Talvez, sim. De brincadeira.
— Qual é a letra?
— Não repare a voz. É assim: “Vamos balançar/ Cantando/ Vamos balançar/ Sambando/ Vamos balançar/ E deixando a tristeza da vida pra lá”. Agora, a segunda parte: “Como é que nasce o amor?/ Balançando/ Como é que se cura uma dor? Cantando/ Então vamos balançar/ E deixando a tristeza da vida pra lá”. Gostou?
Gostamos. Principalmente depois que ouvimos a repetição na voz de Elza Soares. É impossível, porém, separar Garrincha do futebol. Ainda mais na semana em que só se fala no seu joelho enfêrmo.
— Como vai o joelho, Garrincha?
— Acabei o tratamento hoje. Agora, segundo o médico que está me tratando, terei que ficar mais quinze dias parado. Depois posso voltar a jogar, em plena forma.
— Quem é êsse médico?
— É um holandês, de nome complicado. É muito bom, e deu jeito no meu joelho.
Garrincha se desabafa. Está triste com os que o criticam, por não ter excursionado com o Botafogo. Explica que teve vontade. O seu médico, porém, avisou ao técnico do clube:
— Se quiser, podem levá-lo. Mas, na volta, não quero mais vê-lo, nem me responsabilizo pelo que lhe possa acontecer. Se não fizer o tratamento direito, pode ter certeza de que Garrincha não ficará bom.
Mané não foi, pensando no próximo campeonato carioca. E na Copa do Mundo de 66:
— Essa eu trago, nem que tenha que morrer em campo.
Falaram que êle só pensa em dinheiro:
— Não é verdade. Gostar de dinheiro, eu gosto. Mas gosto ainda mais do futebol. Se o que dizem fôsse verdade, eu teria ido. Jogava cinco minutos em cada partida, garantia a cota do Botafogo e embolsava 200 mil cruzeiros por jôgo. Além disso, não indo, deixei de ganhar um milhão e pouco. Estou há 13 anos no Botafogo e só não excursionei porque preciso ficar bom. Para o bem do meu próprio clube.
Elza Soares vai trocar de roupa, para novas fotos. E comenta:
— Hoje eu posso escolher um vestido, entre muitos que enchem o meu guarda-roupa. Não era assim no tempo da Conceição.
“Conceição” era um vestido. O único que Elza Soares possuía quando iniciou no rádio. Presente de Ziza, espôsa de Aerton Perligeiro. Côr coral, era lavado todos os dias, para as apresentações da bossa crioula. Hoje Elza ganha 200 contos por “show” e faz de dois a três por semana.