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"Árvore das Naçôes" de José Henrique Breda (Pintores com a Boca e os Pés) |
Eles
moravam no morro, a irmã era chamada de Bel, o irmão de Nel. Bel
não recebia da vida a doçura feita com mel. E Nel não vivia a
vida, lá no alto morro, como se estivesse no céu. A mãe deles
chamava-se Maria. Vestia trajes simples, gastos pelo uso diário.
Nunca vestiu um manto azul feito de seda para brilhar no dia, como se
via na igreja com a imagem da Virgem Maria.
A
mãe de Bel e Nel era lavadeira. Tinha as mãos grossas de calo de
tanto bater roupa na correnteza de águas límpidas. Durante a semana
descia o caminho pelo barranco com a bacia de roupas sujas na cabeça.
Quando chegava à beira do rio, colocava a bacia de roupas em uma
pedra grande, junto ao areal. Não demorava e começava a tirar as
roupas da trouxa. Molhava, ensaboava, esfregava, lavava e torcia.
Estendia as roupas nas pedras pretas para secar ao sol. As pedras
pretas, cobertas de roupas estendidas, de repente apareciam coloridas
naquele trecho do rio.
O
pai de Bel e Nel chamava-se José, era carpinteiro. Sabia usar com
habilidade os instrumentos de trabalho: martelo, serrote, enxó,
plaina e formão. Suas mãos pequenas faziam cadeira, mesa e banco.
Consertavam porta, janela e portão. No mês que Bel completou seis
anos de idade, o carpinteiro José começou a sentir dores na
espinha. Os ossos inflamados, as mãos trêmulas, o corpo todo doía.
À noite no quarto gemia. O coração dele foi diminuindo o amor que
tinha por São José, o padroeiro da cidade, por causa da doença que
o afligia. Até que um dia o pai de Bel e Nel perdeu para sempre sua
constante fé em São José, o santo protetor dos carpinteiros.
O
tempo de Natal era chegado. Nel queria um avião grande, Bel uma
boneca que chora. Viram o velho gordo com o rosto rosado pela
primeira vez na televisão da loja. Carregava um saco de brinquedos
nas costas. Tinha a barba branca e os cabelos sedosos. Vestia uma
roupa vermelha. Calçava botas pretas. Numa das cenas em que aparecia
na telinha, deixava escapar do rosto rosado um sorriso que transmitia
uma sensação de alegria e paz a cada criança que ia falar com ele
e receber o seu carinho. Os meninos no passeio da loja não tiravam
os olhos da televisão. Comentavam que o velho dava brinquedos à
criançada sem querer nada de volta. Eles sorriam quando o velho
aparecia com as roupas folgadas na telinha. Olhinhos deles todos no
querer, como que encantados cintilavam.
Com
olhinhos espertos e risinhos que enchiam os dentinhos, Bel e Nel
foram olhar a árvore enfeitada com bolinhas e luzinhas, armada em um
dos cantos da loja. À noite as luzinhas acendiam e apagavam. A
estrela no alto comovia. Descobriram depois o presépio em outro
canto da loja, com os camponeses, pastores e bichos. Ficaram
admirando o pequeno estábulo do presépio, que tinha o teto coberto
de folha de palmeira. Um galo de crista vermelha estava no telhado.
Uma estrela brilhava na cumeeira, toda acesa de Deus. Nossa Senhora e
São José mostravam os semblantes felizes, ao lado de
Jesuscristinho, que dormia o sono bom no berço puro e quente, feito
de palha. E os três reis magos, ali no presépio, davam a entender
que não eram dignos de tocar na palha onde Jesuscristinho dormia o
sono sereno.
Sentados
no meio-fio do passeio da loja, Bel e Nel escutavam agora a
musiquinha que saía alegre pelo alto-falante no poste. De vez em
quando o alto-falante baixava o som. Então a musiquinha fazia um
fundo musical no mesmo instante em que entrava a voz pausada do
locutor. A voz dele informava que vinha de Belém a estrela mais
bela. Fora trazida pelas mãos da maior madrugada. Seu brilho imenso
descaía do céu e vinha iluminar a relva onde os bichos anunciavam e
cantavam o nascimento do menino Jesus. A voz do locutor ficava
emocionada quando comunicava que naquele dia o menino pobre nascia no
estábulo. Esse menino Deus vinha para afugentar o mal de toda a
terra. A voz doce do locutor terminava a mensagem de paz eterna com
mais emoção no final quando então revelava que os sinos do mundo
inteiro nessa hora tocavam: É Natal! É Natal!
O
alto-falante voltava a tocar a musiquinha alegre, acompanhada dessa
vez de uma cantiga cativante. Bel e Nel continuavam sentados no
meio-fio do passeio. Recebiam o sopro da brisa que circulava na rua,
ao final do dia. A brisa suavizava os rostos deles dois em silêncio,
enquanto seus pequenos corações eram tocados pela cantiga que se
repetia e começava assim:
Botei
meu sapatinho
Na
janela do quintal.
Papai
Noel deixou
Meu
presente de Natal...
Dizia
a cantiga ainda mais, que o velhinho sempre visitava o quarto de cada
menino onde deixava, ali, um brinquedo como presente naquela noite
especial. Seja rico, seja pobre, seja branco, seja preto, como Bel e
Nel, o velhinho sorridente e bondoso não esquece de ninguém.
Bel
e Nel colocaram os chinelos na janela do quarto. Nada acharam no
outro dia. Do ponto mais alto do morro ficaram olhando as nuvens
alvas, trafegando no céu como grandes almofadas. Umas nuvens menores
desenhavam brinquedos enquanto iam passando mansas diante dos olhos
tristes deles dois.
Eles
viam nesse instante a cidade lá embaixo, aos seus pés. Imaginavam a
algazarra da manhã festiva. No passeio, no jardim, em qualquer canto
da casa. Cada menino o brinquedo exibia. Saltava, dançava, corria,
sonhava, voava, sorria.
Então
souberam como o mundo dava as costas a Jesus. Não queria ver Maria.
Escondia-se de José. O Natal era a lágrima que pelo rosto deles
dois descia.
E
uma canção desfazia.