Se a terceira ópera da tetralogia [=conjunto de quatro obras de um autor, ligadas entre si por um tema comum] do anel, Siegfried, terminou em um hollywoodiano final feliz, como vocês viram no terceiro vídeo da série, agora, nesta quarta e última ópera, O Crepúsculo dos Deuses (Götterdämmerung) o encanto se desfaz ou, como dizia minha vovó, “acabou-se o que era doce, quem comeu regalou-se”. A maldição do anel atinge seu clímax com a morte trágica do herói e o cumprimento da profecia da destruição do Valhalla e dos deuses. E o anel, depois de causar tanta desgraça, enfim retorna às suas legítimas proprietárias, as Filhas do Reno, de quem Alberich havia roubado seu ouro, como vimos na primeira ópera.
Hagen |
O primeiro ato começa no palácio dos Gibichungos, governados por Gunther, que tem uma irmã chamada Gutrune. Gunther e Gutrune têm um meio-irmão que o anão Nibelungo Alberich teve com a mãe deles, chamado Hagen.
Como só Siegfried consegue transpor o fogo que cerca o rochedo de Brünhilde, ele usa o Tarnhelm, o elmo mágico que permite mudar de forma, como vimos na primeira ópera, para assumir a aparência de Gunther e “conquistar” Brünhilde para ele. Siegfried não se lembra de que já foi apaixonado pela ex-Valquíria, mas esta lembra perfeitamente e reage com indignação à aproximação do falso Gunther. Ante a resistência de Brünhilde, Siegfried a domina à força e arrebata o anel. Siegfried passa a noite ao lado de Brünhilde, mas com a espada entre eles, em sinal de respeito por seu agora irmão de sangue Gunther.
Antes disso, Brünhilde recebeu a visita da valquíria Waltraute, que narra o sofrimento de Wotan. O deus ordenou que seus nobres derrubassem o freixo do mundo que murchou e trouxesse suas toras para o Walhalla. Lá aguarda, impotente, cercado das demais divindades, o iminente crepúsculo dos deuses. Só um acontecimento conseguirá impedir a tragédia profetizada: a devolução do anel às Filhas do Reno, cessando assim sua maldição. Waltraute pede isso a Brünhilde, mas esta não quer se desfazer daquela prova de amor de Siegfried. Mal imagina a traição em andamento.
O segundo ato começa no palácio dos Gibichungos. Hagen recebe a visita do pai, o Nibelungo Alberich, que o faz jurar que se apoderará do anel de Siegfried. Quando Siegfried e Gunther retornam trazendo Brünhilde prisioneira, esta fica perplexa ao ver que Siegfried vai se casar com Gutrune. Ao avistar o anel no dedo de Siegfried, Brünhilde arma o maior barraco, pois quando Siefried o arrancou de seu dedo, estava sob a forma de Gunther. Ao afirmar que Siegfried lhe pertence como marido, cria um tremendo mal-estar. Tanto Brünhilde como Siegfried juram pela lança de Hagen estarem dizendo a verdade.
Siefried não se deixa abalar pela confusão e prepara-se para o casamento com Gutrune. Hagen consegue arrancar de Brünhilde o segredo do ponto fraco de Siegfried. Como Siegfried nunca dá as costas ao inimigo, suas costas são seu ponto fraco, seu “calcanhar de Aquiles”. Hagen planeja uma caçada no dia seguinte onde assassinará Siegfried e dirá que ele foi abatido por um javali. Assim termina o segundo ato.
O terceiro ato começa com a caçada no bosque. Siegfried se extravia dos companheiros e depara com as Filhas do Reno, que pedem que devolva o anel e com isso rompa a maldição. Ele se nega, e elas preveem sua morte nesse mesmo dia. Pela segunda vez uma chance de romper a maldição do anel não é aproveitada. Quantas chances os seres humanos, em sua insensatez, perdem na vida. Hagen oferece a Siegfried uma poção que anula o efeito da poção anterior, e o herói conta toda a sua história, que nós acompanhamos a partir da terceira ópera e não precisamos repetir aqui. Num momento em que Siegfried dá as costas para Hagen a fim de observar um corvo, o sinistro filho do Nibelungo aproveita para assassiná-lo. Ao agonizar, Siegfried reafirma seu amor por Brünhilde. A orquestra toca então a famosa marcha fúnebre de Siegfried que também é tocada em concertos sinfônicos fora da ópera. Você pode ouvir no YouTube, tem várias versões.
Quando os caçadores retornam trazendo o corpo do herói, Brünhilde não acredita na história do javali e Hagen acaba sendo desmascarado pelo meio-irmão Gunther, matando-o. As pretensões de Hagen sobre o anel são frustradas por Brünhilde, que manda preparar uma grande pira funerária onde o corpo do herói será queimado. Durante a cerimônia da cremação, ela se lança, em seu cavalo, sobre a pira, imolando-se. O fogo purifica o anel, livrando-o da maldição. O Rio Reno então sobe do leito trazendo as Filhas do Reno que enfim recuperam o anel. Depois de quatro horas e meia de ópera, para o deleite dos melômanos e tortura dos esnobes que foram lá só para ser exibirem e fingirem que são cultos, a maldição enfim chegou ao fim, mas a profecia se cumpriu: ao fundo, o Valhalla arde em chamas. Isto na concepção original de Wagner como vocês podem ver neste cenário de 1894 porque hoje em dia os diretores, querendo inovar, criam uns finais esdrúxulos que não têm nada a ver, como você poderá conferir assistindo às montagens disponíveis no YouTube.
[1] Treu berath'ner Verträge Runen / schnitt Wotan in des Speeres Schaft
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