O ANEL DO NIBELUNGO. PARTE III: SIEGFRIED

Vimos nos dois vídeos anteriores como o anão Nibelungo Alberich se apossou do ouro do Reno e com ele forjou um anel que concede poderes especiais e um elmo que permite mudar de forma ou ficar invisível. O deus Wotan, auxiliado pelo semideus Loge, mediante um estratagema arrebatam o anel e o resto do tesouro do anão. Mas precisa entregá-lo aos gigantes Fafner e Fasolt como pagamento pela construção da morada dos deuses, o Walhalla. O Nibelungo lança uma maldição sobre o anel. Fafner mata Fasolt e transforma-se em dragão [Fafner na forma de um dragão] para melhor guardar o tesouro.

Com a deusa Erda, Wotan gerou as Valquírias, que conduzem os heróis mortos em batalha para o Valhalla. E com uma mulher mortal teve dois gêmeos, Siegmund e Sieglinde. Os irmãos se apaixonam e, como castigo, Sigmund morre em duelo e Sieglinde foge, grávida do irmão, para uma floresta, acobertada pela Valquíria Brünhilde. Leva consigo os destroços de uma espada mágica que Wotan havia enterrado num tronco e Siegmund conseguira arrancar. A Valquíria, castigada por Wotan, perde a imortalidade e permanecerá adormecida até que um herói a desperte.

Valquíria Brünhilde

Na terceira ópera do ciclo, Siegfried, ficamos sabendo que, na floresta, a fugitiva Sieglinde deparou com Mime, o anão Nibelungo irmão do Alberich que havia surrupiado o ouro do Reno. Mime recolheu aquela mulher desamparada em sua caverna, onde ela deu à luz um bebê, Siegfried, e logo depois faleceu. Ela entregou ao anão os destroços da espada de Siegmund, pai de Siegfried. Mime cria aquela criança com todo o carinho, mas com uma segunda intenção: usá-la para obter um dia o tesouro e anel mágico guardados pelo dragão. 

Mime e Siegfried

Siegfried não morre de amores por Mime, e só não abandona a caverna de Mime devido à curiosidade de descobrir quem foram seus verdadeiros pais. Porque viu sua imagem refletida na água e percebeu que é diferente demais do anão Mime para que este tivesse sido seu pai. Quando Siegfried enfim consegue extrair de Mime a informação sobre seus falecidos pais, quer que Mime restaure a espada destroçada para então, protegido por ela, sair mundo afora e não mais voltar. Esta foi a primeira cena do primeiro ato. 

Siegfried vê sua imagem refletida na água

Na segunda cena, o deus Wotan, disfarçado de andarilho, se oferece para responder às perguntas de Mime, apostando sua cabeça. Mime faz então três perguntas:

 1) Qual raça reúne-se nas profundezas da terra (welches Geschlecht tagt in der Erde Tiefe)? Resposta: Os Nibelungos, habitantes de Nibelheim.

2) Qual raça mora sobre as costas da terra (welches Geschlecht wohnt auf der Erde Rücken)? Resposta: Os gigantes, que moram em Riesenheim.

3) Qual é a raça que habita as alturas nubladas (welches Geschlecht wohnt auf wolkigen Höh’n)? Resposta: Os deuses, que habitam o Valhalla.

Agora a situação se inverte: Wotan faz três perguntas a Mime, que perderá sua cabeça se não conseguir responder.

A primeira pergunta é: Contra qual raça Wotan agiu mal mas, mesmo assim, é a mais querida por ele (Welches ist das Geschlecht, dem Wotan schlimm sich zeigte, und das doch das Liebste ihm lebt)? Resposta: Os Volsungos, raça de Siegmund e Siegfried.

Segunda pergunta: Qual espada Siegfried deve usar para matar o dragão Fafner e assim se apoderar do anel (Welches Schwert muß Siegfried nun schwingen, taug’ es zu Fafners Tod)? Resposta: A espada que Wotan encravou num tronco e que agora, em fragmentos, está sob a guarda de Mime.

Terceira pergunta: Quem Mime acha que forjará a espada a partir daqueles fragmentos (wer wird aus den starken Stücken Nothung das Schwert, wohl schweißen)? Mime confessa não saber a resposta, pois se julga incapaz de forjá-la. Wotan o repreende por ter feito perguntas inúteis quando poderia ter aproveitado para esclarecer esse ponto, e faz uma revelação: “Somente aquele que nunca conheceu o medo forjará a espada novamente” (Nur wer das Fürchten nie erfuhr, schmiedet Nothung neu.).” E embora ganhasse a aposta, Wotan poupa a cabeça de Mime, deixando-a para esta mesma pessoa que nunca aprendeu a ter medo (verfallen lass’ ich es dem, der das Fürchten nicht gelernt!). Que é o próprio Siegfried. Esta foi a segunda cena do primeiro ato.

No início da terceira cena, Siegfried vem cobrar de Mime a restauração da espada que está em fragmentos. Mime lembra as palavras do Andarilho de que perderá a cabeça para quem nunca conheceu o medo. A única saída é incutir o medo em Siegfried e para isto o levará até o dragão Fafner, em Neidhöhle. Mas Siegfried quer levar consigo a espada deixada pelo pai e, mesmo sem experiência na arte de trabalhar com metais, por não conhecer o medo consegue recuperá-la. Mime prevê que seu pupilo conseguirá arrebatar o anel e tesouro do dragão e conspira para se apoderar deles. Prepara uma poção venenosa que ministrará a Siegfried quando este estiver cansado, após a luta com o monstro. 

A espada recuperada

O segundo ato começa nas profundezas da floresta, na entrada da caverna do dragão. O anão Nibelungo Alberich monta guarda, na esperança de recuperar o anel e assim atacar o Valhalla com ajuda das hostes de Hella, deusa da morte. Na segunda cena Mime e Siegfried se aproximam da caverna do dragão. Mime tenta pôr medo em Siegfried descrevendo a fúria do dragão, mas este não se intimida, e pede que seu tutor o deixe a sós. Siegfried ouve um passarinho e gostaria de entender o que ele diz. 

O dragão

Ao tentar imitar a ave com sua trompa, acorda o dragão, enfrenta-o e, ao cravar a espada no seu coração, mata-o. Ao agonizar, o dragão o alerta para ter cuidado com Mime, que pretende matá-lo. Ao levar à boca os dedos sujos do sangue do dragão, Siegfried passa a entender a linguagem dos pássaros. O pássaro avisa sobre o tesouro guardado pelo dragão, incluindo o anel, que fará dele Walter der Welt, o senhor do mundo.

Siegfried mata o dragão

Na terceira cena, Alberich e Mime se encontram. Ambos desejam se apoderar do anel e do elmo, que estão na posse de Siegfried. O pássaro informa a Siegfried que, por ter provado o sangue do dragão, agora conseguirá ouvir o que se passa no íntimo de Mime e, assim, não será enganado por ele. Graças a esse poder Siegfried fica sabendo das intenções secretas de Mime (numa das cenas mais cômicas da ópera, em que Mime tenta mentir mas sempre se trai) e acaba matando-o. Siegfried lamenta a solidão e pede ao pássaro que lhe arranje alguma companhia. O pássaro dá uma de casamenteiro e diz que conhece a mulher ideal para ele: é a Valquíria Brünhilde que na ópera anterior, castigada por Wotan, foi adormecida no alto de um rochedo cercada de chamas. Só quem nunca conheceu o medo conseguirá transpor as chamas e despertar Brünhilde. O pássaro mostrará o caminho até ela. Siegfried parte eufórico em busca da Valquíria adormecida.

Siegfried e a valquíria adormecida

No início do terceiro ato, o Andarilho Wotan acorda a deusa da sabedoria, Erda, de um sono profundo para pedir conselhos. Diz Erda em bonita voz de contralto: Mein Schlaf ist Träumen, mein Träumen Sinnen, mein Sinnen Walten des Wissen, Meu sono é sonhar, meu sonho é refletir, minha reflexão é o domínio do saber. Wotan teme o ocaso dos deuses e quer que Erda o tranquilize. Infelizmente ela não pode fazer nada. Wotan acaba se conformando com o futuro fim dos deuses, pois deixa um herdeiro do qual se orgulha: o Volsungo Siegfried. Herdeiro este que, por não conhecer o medo, não é afetado pela maldição de Alberich.

Na segunda cena do último ato, Wotan depara com Siegfried, que seguiu o pássaro até o local onde dorme a Valquíria. Siegfried o trata com desdém, chegando a ameaçá-lo. Wotan tenta impedir Siegfried de ir ao encontro da Valquíria. Quem a despertar e conquistar privará Wotan do seu poder (wer sie erweckte, wer sie gewänne, / machtlos macht er mich ewig!). Mas Siegfried desafia o deus e o ataca espada em riste, quebrando-lhe a lança, a mesma que quebrara a espada nas mãos de Siegmund. Ele sobe o rochedo, enfrenta o fogo e depara com a Valquíria adormecida De início, pensa que é um soldado, mas ao retirar o elmo vê que é uma mulher, a primeira mulher que vê na vida. No início ela reluta em desposar o herói, pois como Valquíria não poderia amar um mortal, mas depois se recorda de que foi castigada e perdeu a imortalidade e se entrega ao amor humano, a ópera se encerrando com um final feliz


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