REJANE SOBREIRA MINATO

Rejane Sobreira Minato nasceu em 1944 na capital paraibana. Participou do movimento artístico Geração 59. Transferiu-se para o Rio em 1962. Graduou-se em Serviço Social e Museologia. Em 1999 lançou seu primeiro livro, Aranha de breu. Em 2009 lançou Relembranças à deriva, comemorando meio século da Geração 59, do qual extraí este "Casarão". Para ler sua tese sobre o bairro carioca de São Cristóvão clique aqui.



CASARÃO


Fachada em cantaria acumulando anos de estrada;
telhas francesas escondidas pela platibanda larga;
pombos vadios fazendo amor na cumeeira;
gatos arredios enroscados na soleira sombreada;
pinho de riga em prontidão no forro mal pintado,
que abafa o desabar da tempestade
apara grito, medo, sujeira e goteira vazada.

Por fora, só1ido retângulo projetado
nas altas colunas de concreto inviolado.
Por dentro, paredes frágeis de estuque violentado,
divisórias separando sexos, e beliches alugados,
testemunhando o longo corredor espreguiçado
na faixa contínua de chapisco amarelado.

Um banheiro mofado, conservado a custo,
espremido na sequência da cozinha desbotada,
ladrilhada de quadrado casado e divorciado.
Um vaso encardido, sem tampa
sem vestígio de perfume algemado
combina com as veias de seu craquelado.
Uma descarga de cordão ensebado respinga
no cesto improvisado que espera notícia
em jornal fragmentado, e na manchete
de golpe fardado atapetando o chão recém-lavado.

Porão frio, engradado abriga o sobejo e também
o feroz canino Rex, rei de raça que, espargindo graça,
todas as noites, quando ganha sua alforria;
e ao carinho verdadeiro está sempre dizendo amém,
ainda policia, pericia todos os cantos, recantos,
disfarçando a valentia tão bem que, até parece
que é libertado para não vigiar ninguém.

Uma portada larga, do tamanho de enrijecidas marcas,
com poeira de extintas malícias e teias esvanecidas;
antenada nas vencidas réstias e palestras,
permitindo se entregar, sem reserva, à chave-mestra;
deixando que em seus degraus externos se abanque
o rádio hesitante, a pilha, o operante
que empilha sorte na bateria alcalina
e a reboque traz a nostálgica voz estanque.

Duas janelas de postigos emperrados,
se comunicam entremeadas de singeleza,
de frestas, de farpas, de estranheza,
de poros inquietos consolidando apelos,
de azul cobalto prenunciando o querer bem,
enquanto nos beirais marmorizados
pousam pares de cotovelos
que se revezam felizes para ver além. 

Nenhum comentário: