OLAVO BILAC


"Com Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, faz parte da famosa trindade dos grandes parnasianos. Grande artista do verso, adquiriu no seu último livro, Tarde, uma serenidade, uma altitude de imaginação e pensamento que ainda mais lhe valoriza a obra." (Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, Roteiro literário de Portugal e do Brasil).

VELHAS ÁRVORES

Estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o insecto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

O CREPÚSCULO DOS DEUSES

Fulge em nuvens, no poente, o Olimpo. O céu delira.
Os deuses rugem. Entre incêndios de ouro e gemas,
Há torrentes de sangue, hecatombes supremas,
Heróis rojando ao chão, troféus ardendo em pira,

Ilíadas, bulcões de gládios e díademas,
Ossa e Pélio tombando, e Zeus em raios de ira,
E Acrópoles em fogo, e Homero erguendo a lira
Em reverberações de batalhas e poemas...

Mas o vento, embocando as bramidoras trompas,
Clangora. Rolam no ar, de roldão, num tumulto,
Os numes e os titãs, varridos à rajada:

E ódio, furor, tropel, fastígio, glória, pompas,
Chamas, o Olimpo, - tudo esbate-se, sepulto
Em cinza, em crepe, em fumo, em sonho, em noite, em nada.

A UM POETA

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego

Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.


Este, que um deus cruel arremessou à vida,
Marcando-o com o sinal da sua maldição,
— Este desabrochou como a erva má, nascida
Apenas para aos pés ser calcada no chão.

De motejo em motejo arrasta a alma ferida...
Sem constância no amor, dentro do coração
Sente, crespa, crescer a selva retorcida
Dos pensamentos maus, filhos da solidão.

Longos dias sem sol! noites de eterno luto!
Alma cega, perdida à toa no caminho!
Roto casco de nau, desprezado no mar!

E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto;
E, homem há de morrer como viveu: sozinho!
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!

DELÍRIO

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci...

OLGA SAVARY


Olga Savary nasceu em Belém, Pará, em 1933. Começou a escrever aos 10 anos, quando produziu um jornal artesanal. Tem 23 livros publicados e organizou várias antologias. Saiba tudo sobre Olga visitando a sua página no Palavrarte. Foto: pintura de Valdir Rocha que serviu de "mote" para 42 poetas brasileiros comporem poemas reunidos na antologia Fui eu (informações sobre a antologia e poema obtidos no Jornal de Poesia).

A face do poeta

Fui eu, sou a face pálida
e ocre, o firme olhar fixo
do olho à espreita, olho que vê,
duro como pedra, mole como dúvida,
certa compaixão, algum espanto,
olhar que se expõe e se revela,
pulsar de coração no crânio lívido
à espera da harmonia universal,
tentativa de semear eternidades
no que em meio à solidão do homem
e na vida é coisa breve e fluida,
esperança de melhores dias vindos
de deuses que aprimorem os seres
sonhando uma melhor humanidade.