O GATO
Aníbal Beça
O gato aparece à noite
com seu esquivo silêncio
de passos bem calculados
num jogo de paciência
as garras bem recolhidas
na concha de suas patas
O gato passeia a noite
com seu manto de togado
como se fosse um juiz
de presas resignadas
a sua sentença de sombras
seu apetite de gula
O gato varre essa noite
facho de suas vassouras
vermelhas de olhos ariscos
e alcança nessa limpeza
o movimento mais presto
o guincho mais desouvido
Mais que perfeito no bote
(tal qual Mistoffelees de Eliot)
do pulo que nunca ensina
tombam baratas besouros
peixes de aquário catitas
ao paladar sibarita
Nada à noite falta ao gato
nem a presteza no salto
nem a elegância completa
do seu traje de veludo
para o baile dos telhados
roçando as fêmeas no cio
O gato é ato em seu salto
e a noite luz do seu palco:
ribalta luciferina
lunária ária da lua
na réstia de seus dois gozos
é félix feliz felino
Guardei a sétima estrofe
para o canto do mistério
das sete vidas do gato
e seu tapete aziago
nas noites de sexta-feira
O gato aparece à noite
com seu esquivo silêncio
de passos bem calculados
num jogo de paciência
as garras bem recolhidas
na concha de suas patas
O gato passeia a noite
com seu manto de togado
como se fosse um juiz
de presas resignadas
a sua sentença de sombras
seu apetite de gula
O gato varre essa noite
facho de suas vassouras
vermelhas de olhos ariscos
e alcança nessa limpeza
o movimento mais presto
o guincho mais desouvido
Mais que perfeito no bote
(tal qual Mistoffelees de Eliot)
do pulo que nunca ensina
tombam baratas besouros
peixes de aquário catitas
ao paladar sibarita
Nada à noite falta ao gato
nem a presteza no salto
nem a elegância completa
do seu traje de veludo
para o baile dos telhados
roçando as fêmeas no cio
O gato é ato em seu salto
e a noite luz do seu palco:
ribalta luciferina
lunária ária da lua
na réstia de seus dois gozos
é félix feliz felino
Guardei a sétima estrofe
para o canto do mistério
das sete vidas do gato
e seu tapete aziago
nas noites de sexta-feira
há provas do seu estrago.
SONETO DO GATO MORTO
Vinicius de Moraes
Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
OS GATOS DA TINTURARIA
Cecília Meireles
Os gatos brancos, descoloridos,
passeiam pela tinturaria,
miram policromos vestidos.
Com soberana melancolia,
brota nos seus olhos erguidos
o arco-íris, resumo do dia,
ressuscitando dos seus olvidos,
onde apagado cada um jazia,
abstratos lumes sucumbidos.
No vasto chão da tinturaria,
xadrez sem fim, por onde os ruídos
atropelam a geometria,
os grandes gatos abrem compridos
bocejos, na dispersão vazia
da voz feita para gemidos.
E assim proclamam a monarquia
da renúncia, e, tranquilos vencidos,
dormem seu tempo de agonia.
Olham ainda para os vestidos,
Os gatos brancos, descoloridos,
passeiam pela tinturaria,
miram policromos vestidos.
Com soberana melancolia,
brota nos seus olhos erguidos
o arco-íris, resumo do dia,
ressuscitando dos seus olvidos,
onde apagado cada um jazia,
abstratos lumes sucumbidos.
No vasto chão da tinturaria,
xadrez sem fim, por onde os ruídos
atropelam a geometria,
os grandes gatos abrem compridos
bocejos, na dispersão vazia
da voz feita para gemidos.
E assim proclamam a monarquia
da renúncia, e, tranquilos vencidos,
dormem seu tempo de agonia.
Olham ainda para os vestidos,
mas baixam a pálpebra fria.
ENIGMÁTICOS
Maria Thereza Noronha
Mil vezes sim à casa e velhos hábitos
observando gatos em seus códigos,
que atravessar a praça onde montículos
de medo trazem sombra aos olhos trágicos.
Cem vezes não à fonte com meus cântaros,
inda que rodeada de preâmbulos,
mas entreter-me com gatos e seu lânguido
espreguiçar, em tarde de desânimo.
Mil vezes sim à casa e velhos séquitos
olhando gatos – posto, às vezes vândalos –
rodopiem em sopro e pêlos sôfregos,
que percorrer cidades e seus ângulos
onde outros – esquálidos, telúricos
gatos – riscam em saltos acrobáticos
e sobre a humanidade sonambúlica
pousam olhos de luz, enigmáticos.
A GATA CHRISTIE
Frederico Gomes
a Cristina Costa César, também "gata"
a Oscar F. Neto e seus gatos
Ela me apareceu na janela
num salto-assalto repentino,
como sói acontecer a um felino.
Quem é ele, indagava-se. E eu:
- Quem é ela?
Mas que bichana mais misteriosa,
pensei comigo, enquanto a fitava.
Também ela, por certo, me achava,
no mínimo, a coisa mais sem prosa
(ante minha mudez) que já vira.
E vira para lá, para cá,
seja no parapeito ou sofá,
e dorme, e sonha... às vezes delira.
Se seu olhar brilha como cascatas,
ela é cheia de suspense, mistério;
mas nem sempre leva a vida a sério,
e rola no chão com flos, baratas;
– que artimanha, que estratagema!
Com seu caminhar arredondado,
bem depois do brincar saciado,
adormece, enrolada em si mesma.
Como boêmia, tem vida noturna:
se há luar, sem um só pingo de chuva,
enfeita-se toda, até com luva,
e volta ao raiar do dia, taciturna,
Que há na noite que tanto a fascina?
Gato de Botas e Gato Preto,
gato honesto e gato suspeito?
E o Cão Feroz, que tanto abomina?
Na rua, parece, há muita aventura:
corre riscos, vive por um triz,
mas seu santo é Francisco de Assis,
pois volta imune da noite escura.
Mas como será o mundo dos gatos?
Mas o mundo dos gatos é vário:
Míster Mistofelino e Macário*,
ambos exercem estelionatos,
seja com mágicas ou com crimes.
Songamonga e Mambojambo, dois
felinos arruaceiros... depois
ainda há outros: mais... ou menos...
[sublimes.
E o gato de Schrödinger, o abstrato
Gato Quântico? Estar-se-á vivo
ou morto, ninguém sabe... (Esquivo
à morte em sete "caixas" de gato?)
Contudo, Christie é uma gata à parte,
fazendo dos subterfúgios sua Arte:
– Ela logo aparece, se triste.
– Se alegre, desaparece a Christie.
*Mister Mistofelino, Macário, Songamonga e Mambojambo são os nomes dos gatos que, entre outros, encontramos no Livro do Velho Gambá sobre gatos travessos, de T.S. Eliot, em tradução de Ivan Junqueira. Veja mais sobre o poeta Frederico Gomes clicando aqui.
GATO PENSA?
Ferreira Gullar
Dizem que gato não pensa
mas é difícil de crer.
Já que ele também não fala
como é que se vai saber?
A verdade é que o Gatinho
quando mija na almofada
vai depressa se esconder:
sabe que fez coisa errada.
E se a comida está quente,
ele, antes de comer,
muito calculadamente
toca com a pata pra ver.
Só quando a temperatura
da comida está normal
vem ele e come afinal.
E você pode explicar
como é que ele sabia
que ela ia esfriar?
Fotos do editor do blog. A foto superior mostra um quadro de Gerson Machado.