ELEIÇÕES 2010 versus 1884



Eleições à vista, e lá vem o desfile de políticos prometendo mundos e fundos (já não prometeram as mesmas coisas em eleições passadas? por que não fizeram?) Mas desta vez existe a consciência de que é preciso fazer uma grande faxina e atirar os políticos corruptos na latrina (foto acima). Para isto, temos a ajuda de sites como o Transparência Brasil, onde você pode consultar o histórico dos parlamentares, processos na justiça, como gastam o dinheiro que recebem, quem financiou suas campanhas etc. Uma curiosidade: já em 1884, no tempo do Império, quando o voto para a Assembléia Geral era censitário (só votavam pessoas acima de certa renda) e as mulheres sequer tinham esse direito, Machado de Assis escreveu uma crônica  bem atual  satirizando os políticos pedindo votos. Vamos a ela:


Venho pedir-lhe o seu voto na próxima eleição para deputado.
— Mas, com o senhor, fazem setenta e nove candidatos que...
— Perdão: oitenta. Que tem isto? A reforma eleitoral deu a cada eleitor toda a independência, e até fez com que adiantássemos um passo. [...]
— Bem; pede-me o voto.
— Sim, senhor.
— Responda-me primeiro. Que é que fazia até agora?
— Eu...?
— Sim, trabalhou com a palavra ou com a pena, esclareceu os seus concidadãos sobre as questões que lhe interessam, opôs-se aos desmandos, louvou os acertos...
— Perdão, eu...
— Diga.
— Eu não fiz nada disso. Não tenho que louvar nada, não sou louva-deus. Opor-me! É boa! Opor-me a quê? Nunca fiz oposição.
— Mas esclareceu...
— Nunca, senhor! Os lacaios é que esclarecem os patrões ou as visitas: não sou lacaio. Esclarecer! Olhe bem para mim.
— Mas, então, o que é que o senhor quer?
— Quero ser deputado.
— Para quê?
— Para ir à câmara falar contra o ministério.
— Ah! é contra o Dantas?
— Nem contra nem pró. Quem é o Dantas? Eu sou contra o ministério... Digo-lhe mesmo que a minha idéia é ser ministro. Não imagina as cócegas com que fico em vendo um dos outros de ordenanças atrás... Só Deus sabe como fico!
— Mas já calculou, já pesou bem as dificuldades a que...
— O meu compadre Z... diz que não gasta muito.
— Não me refiro a isso; falo do diploma, o uso do diploma. Já pesou...
— Se já pesei? Eu não sou balança.
— Bem, já calculou...
— Calculista? Veja lá como fala. Não sou calculista, não quero tirar vantagens disto; graças a Deus para ir matando a fome ainda tenho, e possuo braços. Calculista!
— Homem, custa-me dizer o que quero. O que eu lhe pergunto é se, ao apresentar-se candidato, refletiu no que o diploma obriga ao eleito.
— Obriga a falar.
— Só falar?
— Falar e votar.
— Nada mais?
— Obriga também a passear, e depois torna-se a falar e votar. Para isto é que eu vinha pedir-lhe o voto, e espero não me falte.
— Estou pronto, se o senhor me tirar de uma dificuldade.
— Diga, diga.
— O X. pediu-me ontem a mesma coisa, e depois de ouvir as mesmas perguntas que lhe fiz, às quais respondeu do mesmo modo. São do mesmo partido, suponho!
— Nunca: o X. é um peralta.
— Diabo! Ele diz a mesma coisa do senhor.

Crônica de Machado de Assis de 10 de novembro de 1884, publicada na seção "Balas de Estalo" da Gazeta de Notícias, extraída do livro Crônicas de Lélio (Ediouro). Fotos do editor do blog. Foto superior: "arte efêmera" de Mandela no Arte de Portas Abertas, em Santa Teresa, de 2005.

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