WAVES OF DESTRUCTION, by Chris Lloyd

A tragédia no Japão revela o lado cruel, destruidor da Mãe Natureza e entristece as pessoas com um mínimo de sentimento. "Castigo de Deus por causa do progresso tecnológico do Japão", ouvi alguém comentar numa fila de supermercado, como se Deus (caso exista) preferisse que vivêssemos como certas tribos africanas sem tecnologia nenhuma - pra que então nos dotou de inteligência? Sinal do fim dos tempos devem dizer outros, como se catástrofes jamais tivessem ocorrido antes. E a suposta queda do meteoro que exterminou os dinossauros? E a explosão de Krakatoa? Chris Lloyd, autor de um livro maravilhoso chamado What on Earth Happened? que traduzi dois anos atrás para o português e que um dia a editora Intrínseca deverá lançar no nosso mercado, escreveu um artigo esclarecedor sobre catástrofes naturais. Não tenho tempo de traduzir, fica em inglês mesmo. Se alguma alma caridosa quiser traduzir e me enviar prometo revisar com carinho e postar...  

Waves of destruction




I HAD TO WAIT at least a day or two before dispatching this Wallbook Weekly –to see a little how the appalling events in the Far East begin to play out.

I am overwhelmed with sorrow for the poor people of Japan, struck by the sudden, tragic and massive Miyagiken-Oki earthquake and the subsequent superwave of destruction that has literally - like a wall of concrete – swept away so many villages and towns in its wake….


US President Obama said yesterday that such events remind us how fragile we are as a species. Although that’s right, it shouldn’t take disasters like the unfolding trauma in Japan toremind us of our vulnerability. Every hill and mountain top, every cliff edge – all the land we live on ultimately only exists because of the countless catastrophes stimulated by plate tectonics that causes the earth to buckle, split and rotate endlessly around the globe over eons of time.

The What on Earth? Wallbook image I have chosen for this week is taken from panel two – in the sea stream. It represents that giant tsunami (we always called them tidal waves when I was young, anyone know when the fashion switched to the Japanese terminology and why, I wonder?) that in part contributed to the demise of that other once all-powerful race of land creatures – the dinosaurs.

A giant six-mile wide meteorite travelling at 17,000 miles per hour is thought to have been the cause. Just imagine what gargantuan tidal waves (sorry tsunamis) must have occurred after its impact in the ocean, somewhere near the Gulf of Mexico. Recent tsunamis, be they Indonesian or Japanese, would have been the merest ripples by comparison. 


Those land-hugging dinosaurs not vaporised by the impact would have been drowned by a tsunami. Those living on the other side of the world would have been less fortunate. They would most likely have suffered a longer trauma before inevitable death as dust in the upper atmosphere blocked out the sun, perhaps for as long as a year – the ultimate power-cut.  


Humanity was almost made victim of a different natural disaster, long before the first civilisations emerged. When the Toba super-volcano in Sumatra erupted c. 70,000 years ago it was the most powerful natural disaster to have stuck in 25 million years. On the other side of the world populations of our human species, Homo sapiens, are thought to have dwindled to a few as 2,000 as a result – the tiniest of genetic bottlenecks through which the 7 billion of us alive now are all beneficiaries.

What changes, I wonder, did such a dramatic cull of humanity have on our culture? Is this the moment from when prowess amongst men for singing, dancing, talking and tool-making became the determinant factor in the fierce competition for favour amongst the few remaining females? Was the ancient culture of the European veneration for femininity, captured by the cult of the mother goddess and celebrated until as recently as Minoan Crete in 1700 BC – a cultural echo of that supervolcano in Indonesia many thousands of years before? Ironically, the fertility goddess-worshipping Minoans was another civilisation washed away by a giant tsunami following the eruption of another vast volcano - Mount Thera (present day Santorini).

The Japanese will pick themselves up, I have no doubt. They did so following the traumas of World War II – as did Germany – becoming one of the most efficient, economically productive nations on Earth, driven by the part competitive, part collaborative human spirit of striving to rebuild and renew.

Even-so for a world leader to have to remind us how fragile we are as a species - past, present or future – sounds to me like another failure of education. Big history constantly tells us how vulnerable we are – how totally shaped our form and culture is by the natural world.

The human story exists within a thin slither of gas on the surface of a blue planet cracked like an egg shell underneath which crusts of earth are constantly being moved, jostled and broken by a massive ball of boiling hot magma powered by geo-thermal, nuclear fission. That’s our true context 24 hours a day, every day of the year - not just something to muse about when disasters strike. What’s more it’s a positive thought since living with such a context in mind makes me want to make the most of every minute, everyday.

To see an archive of Wallbook Weekly postings or to take part in the What on Earth? Wallbook 60-question online quiz please visit www.whatonearthbooks.com

PASSEIO SOCRÁTICO (trecho), de Frei Betto


Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald...

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas." Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz".

HOMENAGEM A MOACYR SCLIAR, de EDMÍLSON CAMINHA


O DERRADEIRO GALOPE DO CENTAURO

Edmílson Caminha

Em Moacyr Scliar, tão notável quanto o escritor ilustre era o ser humano digno, a pessoa ética, o cidadão exemplar que mereceu, ao longo da vida que lhe foi dada viver, o afeto dos amigos e o reconhecimento dos leitores. Entrevistei-o no ano de 1987, em Porto Alegre, quando me recebeu na Secretaria da Saúde, onde trabalhava como médico sanitarista. Publicada primeiramente no Diário do Nordeste, de Fortaleza, a conversa também se acha no meu livrinho Palavra de escritor (Brasília : Thesaurus, 1995). Em carta que gentilmente me enviou, o entrevistado faz elogios ao texto, e diz que providenciou cópias para entregá-las aos jornalistas e estudantes que o procuram.

À pergunta sobre como a condição de judeu se revelava em sua obra, Scliar respondeu, com a inteligência e o saber que todos admirávamos:

— Os povos da antiguidade legaram ao mundo grandes monumentos, como as pirâmides, os templos, importantes obras de arte; o povo judeu nada deixou a não ser um livro, mas um livro que condicionou o destino de milhões de criaturas neste nosso mundo. Essa veneração pela palavra escrita, pelo livro de maneira geral, na minha família era muito acentuada: embora pobres, nunca nos faltou, a mim e aos meus irmãos, dinheiro para comprar livros. Desde cedo fomos induzidos ao hábito de escrever, tanto mais que a minha mãe era professora primária, do próprio colégio onde eu estudava, e me estimulou muito a escrever. Além disso, no contato com os imigrantes ouvi muitas e muitas histórias interessantes.

Uma delas foi, certamente, a que lhe contou o pai José, imigrante russo chegado ao Brasil na década de 1920. Ouvi-a narrada por Moacyr no ano passado, quando juntos participamos da Feira do Livro de Guarulhos:

— A viagem de navio, longa e desconfortável, foi um pesadelo. Ao desembarcar com a família, a aparência daquele menino de oito anos devia ser péssima, pela pobreza dos trajes, pela fome estampada no rosto e pelo medo que lhe dava o país estranho em que punha os olhos pela primeira vez. Sensibilizado pela expressão de sofrimento, um homem se aproxima e lhe entrega... uma banana. Era o que podia oferecer, antes que o pequeno desfalecesse e fosse de encontro às pedras do cais. Ocorre que a generosidade trouxera um problema para a criança: que diabo de fruta era aquela? Como comê-la? Se fosse maçã, uva, pera, cultivadas nos campos da Rússia... Mas aquela coisa amarela, meio curva, que jamais vira nem desenhada em livros? José olhou, examinou e, afinal, decidiu: começou a descascá-la, jogou fora o que lhe pareceu um caroço meio mole... e comeu a casca!

Muitos anos depois, Scliar ouviria do pai a conclusão que lhe soava como a moral da história:

— Sabe que comer casca de banana não é assim tão ruim como a gente pensa? Até que dá pra engolir, principalmente quando se está com fome...

Essa, a experiência de vida e a sabedoria humana que o escritor converteu em ficção da melhor qualidade, a exemplo do romance O centauro no jardim. Em 27 de fevereiro, aos 73 anos, Moacyr Scliar, com a discrição e a elegância que lhe eram próprias, cavalgou pela derradeira vez o centauro, mito que tanto o fascinava, pois, metade homem e metade cavalo, é a um só tempo realidade e fantasia, as duas grandes matérias de que se faz a literatura. Partiu a galope rumo à eternidade, onde campeará para sempre nas coxilhas celestes, um suave e luminoso pampa que não tem começo nem fim...