Baú de Ossos é o primeiro volume das memórias do médico e
escritor mineiro Pedro Nava, “digno de figurar entre o que de melhor produziu a
memorialística em língua portuguesa” (Carlos Drummond de Andrade, “Baú de
Surpresas”). Lançada em 1972 pela Editora Sabiá (comprada logo depois pela José
Olympio), a obra resgata histórias dos antepassados de Nava, além das primeiras
lembranças do escritor. Obteve o prêmio Luísa Cláudio de Sousa, categoria
Memórias, do Pen Clube do Brasil, em 1972. Reeditado nos anos 80 pela Nova
Fronteira (foto acima) e mais recentemente pela Companhia das Letras, inclusive
em ebook formato Kindle (que
adquiri).
O livro divide-se em quatro capítulos, cujos títulos são
referências geográficas.
CAPÍTULO I: Setentrião
O capítulo narra a história da família paterna de Nava,
oriunda das regiões setentrionais (ou seja, ao norte) do país, especificamente
Ceará e Maranhão. O antepassado mais remoto é o tataravô, Francisco Nava,
oriundo da Itália e que “teria aportado ao Brasil no fim do século XVIII ou
princípio do XIX”. O avô, Pedro da Silva Nava, nascido em São Luís do Maranhão
em 1843, muda-se com a família para o Rio de Janeiro em 1878 (ano posterior ao
do nascimento do pai do autor), onde se torna bem-sucedido comerciante (“o
dinheiro vinha para ele e onde quer que ele pusesse as mãos nascia ouro”) à Rua
General Câmara (desaparecida com a construção da Avenida Presidente Vargas),
importador de secos & molhados (vinhos, conservas, manteiga, presunto,
azeites, tintas, ferragens, couros, panos grossos e fazendas finas) da Europa,
que distribuía pelo município neutro e províncias do Rio de Janeiro, de Minas
Gerais e de São Paulo. Mas morreu vítima do calor carioca (especificamente, de
tísica galopante resultante de um banho gelado tomado para aliviar o calor),
teve quase toda sua fortuna roubada por um auxiliar (que o fez assinar papéis,
durante sua agonia, transferindo para si suas propriedades) e a família voltou
para o Ceará, onde a avó se casou em segundas núpcias com o viúvo de sua irmã
(Joaquim Feijó de Melo).
Capítulo II: Caminho Novo
O capítulo aborda o tronco mineiro materno. O Caminho Novo
das Minas era o “caminho comercial, econômico, estratégico e político” que dava
acesso às minas de ouro, “a estrada violenta e dolosa do ouro, do quinto, da
capitação, dos registros, do fisco, dos moedeiros falsos, dos cunhadores
ilegais, dos contrabandistas que passavam ouro engolido, enfiado no rabo,
incrustado na pele e enchendo os santos de pau oco”. Contrastando com a família
paterna, de “bom nível intelectual”, caracterizada pela 'cordialidade, a boa
convivência e a palestra deleitável', o bisavô de Nava, pai de sua avó materna,
o tropeiro Luís da Cunha, com seu “olho mineral [...] espavoria a família, que
ele trazia na bordoada e que só respirava quando ele viajava a negócios”. Na
década de 1860 o avô desce, pelo Caminho Novo, do Centro para a Mata,
estabelecendo-se em Juiz de Fora. A avó de Nava, Maria Luiza (Inhá Luísa),
mulher de gênio “detestável e despótico”, que foi “mãe admirável, sogra execrável,
sinhá odiosa para escravas e crias, amiga perfeita de poucas, inimiga não menos
perfeita de muitas e corajosa como um homem”, casa-se com um ricaço de origem
alemã, “grande proprietário territorial”, muito mais velho do que ela (“quando
ficaram noivos, ele tinha setenta anos e minha avó dezenove para vinte”), o
comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld. Seis anos depois este
“passou-se desta para melhor” e a viúva, herdeira de sua fortuna, casa-se agora
com um homem dois anos mais jovem, Joaquim José Nogueira Jaguaribe, filho de um
senador do Império, que todos chamam de Major e que foi “agrimensor,
construtor, empreiteiro, ferroviário, político, jornalista, funcionário,
educador e fazendeiro”.
Capítulo III: Paraibuna
Paraibuna é o rio que banha Juiz de Fora. O capítulo mostra
como “doenças, necessidades, obrigações, compromissos, acaso, destino [...]
fizeram convergir para o Rio de Janeiro gente da família” do pai e mãe do
autor. “Os parentescos e amizades começaram a tecer a teia dos conhecimentos e
dos amores.” O capítulo começa retomando a história dos avós maternos na década
de 1880. Em 1883 vem ao mundo sua terceira filha, Diva Mariana (sinhá Pequena),
mãe do autor. A família vai viver na Fazenda do Bom Jesus, “onde tudo era
róseo, abundante, sem trabalho, nem ralho, sem barulho nem matinada. Paraíso
terrestre, ilha da Utopia, Pasárgada onde elas eram não amigas, mas filhas do
rei”. No fim da década de 1890 uma doença nos olhos da mãe de Nava faz com que
a família venha para o Rio para ela se tratar com o dr. Moura Brasil (“Senão,
cegueira...”), instalando-se num casarão no Andaraí. Estamos na belle époque
(“O que teria sido ao justo essa belle époque? Diferente das outras épocas?
Melhor? [...] Teria sido ao menos bela?”)
Em 1896 o pai de Nava, José Pedro da Silva Nava, vai para a
Bahia estudar farmácia e medicina e no ano posterior transfere-se para a
capital federal. Em 1898 forma-se em farmácia e com o dinheiro de sua Farmácia
Nava custeia os estudos de medicina, colando grau em dezembro de 1901. Em 14 de
junho de 1902 os pais de Nava se casam. O casal muda-se para o povoado do
Sossego no interior mineiro, onde o pai passa a clinicar, apadrinhado por um
fazendeiro. Diva, ao fim da gravidez, vai para a casa da mãe em Juiz de Fora,
onde nasce Pedro Nava. Pouco depois o pai vem se instalar nessa cidade mas
“assim que conheceu melhor a sogra rural, escravocrata, dominadora e violenta,
tomou-lhe horror”. Nava criança tem seu primeiro contato com a “revelação da
morte, da podridão, do aniquilamento, do fim, do nada”. Um fato notável em sua
infância é a passagem do cometa Halley, “uma bola luminosa com uma cabeleira
cintilante. Cegava a quem o olhasse diretamente, sem óculos escuros.” O primo
prognostica o fim do mundo “e a ideia cataclísmica do fim [...] habitou minha
alma desde então”. Em Juiz de Fora o pai de Nava exerce as funções de diretor
de higiene, presidente do Liceu de Artes e Ofícios, professor da Escola de
Odontologia do Granbery e diretor do Hospital de Isolamento Santa Helena”. No
final do capítulo, o pai, “farto da sogra, farto de fazer oposição, farto [...]
das picuinhas e perseguições miúdas da situação municipal”, resolve se mudar
com a mulher grávida e três filhos para o Rio de Janeiro, instalando-se na rua
Aristides Lobo, bairro do Rio Comprido.
Capítulo IV: Rio Comprido
Neste capítulo o autor recorda sua infância no Rio Comprido
valendo-se das “chaves da memória que serviram ao nosso Machado, a Gérard de
Nerval, a Chateaubriand, a Baudelaire, a Proust”. Fala sobre as ruas noturnas, crepusculares,
matinais; o “sistema de rendas de ferro [gradis, escadas de ferro, portas,
ornatos, quiosques, balaústres, estatuetas, pavilhões] que enfeita
fabulosamente o Rio de Janeiro e faz dele uma das cidades mais ricas do mundo
em matéria de serralheria”; os vendedores de rua com seus pregões
característicos (peixeiros, tripeiros, vassoureiros, doceiros, baleiros,
sorveteiros); o Carnaval de 1910 ou 1911 (“velhas fantasias que não existem
hoje”); as reuniões de família, com parentes vindos “de pontos diversos da zona
norte”, dessas “ruas cheias de famílias de militares, de funcionários em
exercício, de viúvas de aposentados, de cartomantes, de tendas espíritas, de
terreiros de candomblé, de cantigas ao sol, de namoros à lua, de modinhas
suburbanas, do samba em gestação”; o desabrochar de um amor que nunca o deixou:
“o amor dos livros, o amor da leitura”; os bondes de burro ("me lembro dos
bondes de burro com seus poucos bancos, com o condutor e o cobrador, os dois
sem farda, de terno velho, colarinho duro, chapéu de lebre, ou chile, ou
bilontra — e a bigodeira solta ao vento carioca"); o cinematógrafo Kinema
iluminado com lâmpadas vermelhas porque "não ficaria bem uma sala de breu,
com damas e cavalheiros"; a avenida Central em construção; passeios por diferentes
bairros cariocas, como Santa Teresa, Flamengo, Botafogo e Copacabana. O
capítulo culmina com a morte do pai de Pedro Nava, em 30 de julho de 1911,
deixando a viúva e filhos "a nada, mão na frente e outra atrás".
PS. Você encontrará este mesmo resumo na Wikipédia, o que não quer dizer que copiei de lá. Ao contrário, eu criei o verbete lá!
VEJAM MEU VÍDEO SOBRE PEDRO NAVA:
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