TORTA PODEROSA, de Silvana Vargas


Deu entrada na emergência do hospital, na última semana do ano, conhecido empresário de meia idade com sintomas gástricos que, apesar de rotineiros, intrigaram os residentes de plantão. Gritando frases desconexas, memória alterada, trocando letargia e agitação enquanto recebia mil e um tubos. Depois de levá-lo para submeter-se à bateria de exames, o plantonista colocou o doente no soro e localizou a família. No entanto, os parentes tinham diversas explicações que em nada somavam ao confuso diagnóstico.

Eis que, incrementando o incidente, o filho adolescente lembrou que os pais iriam viajar. Que pediu à amiga uma certa torta coberta de chocolate para animar a festinha com os amigos. Tudo combinado, recebeu o jovem a encomenda e, sem saber que a viagem dos pais fora adiada, deixou o doce enfeitando a bancada da cozinha. Indagando aqui e acolá, os médicos ficaram sabendo que o dono da casa, perfeito chocólatra, viu apetitosa sobremesa dando mole na copa e comeu um belo pedaço. Nem sonhava que a tal torta de ervas e chocolate era receita especial de Amsterdã, encomendada em aprazível ponto de doces do bairro. Enfim, dentre os amigos do investigado, houve quem lembrasse que a tal erva era coisa que, aquele senhor – empresário conhecido da melhor sociedade carioca – não provara nem na juventude. Era asmático.

Mais tarde ficou o médico sabendo que a dedicada cozinheira da família também não resistiu. Comeu a torta e mandou o serviço para o espaço .

– Ô torta poderosa, doutor! Fiquei chapada por dois dias inteirinhos.

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