VÉSPERA DE NATAL, de APICIUS

CRÔNICA PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL DE 24 DE DEZEMBRO DE 1996


É um dia bonito. Mas devido às atuais condições de clima, nunca se sabe. Pode haver um tornado. 

Em todo o caso, ganha o comércio – nunca tanto quando o desejaria – e os táxis. Mas a cidade se transforma em um inferno. Como o país está pobre, é um inferno pouco movimentado. Mas, ainda assim, se estabelece uma confusão total que atrapalha os negócios, a rotina, e aumenta o calor. 

Como o Natal não é mais uma festa religiosa, sua principal característica é fazer com que as crianças fiquem insuportáveis e os adultos tenham indigestão. O excesso de festas, que se prolongarão até o fim do ano, causará grandes danos a nossos ventres e dará muito trabalho e dinheiro aos gastroenterologistas. 

É uma pena. O Natal poderia ser uma festa agradável. Não o é porque virou uma obrigação. Tem o bom leitor que convidar pessoas que não lhe interessam, crianças que fazem um barulho extremo e gastar mais do que se queria. 

O mais grave, para mim, são as crianças. Não por serem tal, mais porque, hoje, andam elas muito mal educadas. Não sabem mais comer à mesa. Nem poderiam saber, que não as ensinam. Fazem muito barulho. E só se interessam mesmo em ver televisão.

Oh! Leitor, me escuta: uma das grandes maldições deste século é a televisão. Mata a conversa, atordoa as orelhas, emburrece as pessoas e transforma as crianças em zumbis. E o que é pior: em zumbis cheios de malevolência, que os programas mais cotados são repletos de violência é maldade. 

Quanto à comida, foi-se o tempo das ceias carinhosas e cuidadosos. Como haver cuidado e carinho, se todo mundo quer se levantar depressa? Vejo chegar – se é que já não chegou – o tempo em que o prato de Natal será uma pizza

Exagero por pessimismo, bem sei. Mas, quando se olha em volta, como não ser pessimista? Das coisas que se fazem hoje e não se faziam há algum tempo, as únicas dignas de louvor que vejo são as trufas de chocolate. Há algumas, feitas manualmente, de se tirar o chapéu, como algumas que comi outro dia, de Sandra Mercio. Também o fornecimento de bebidas estrangeiras melhorou muito. Mas fora disso, leitor, é a decadência. 

Feliz Natal!