VIAGEM À ESPANHA E PORTUGAL

Enfim consumamos a viagem que deveria ter sido feita em abril de 2020. Já tinha passagens aéreas e de trem compradas, hotéis reservados, e eis que do nada somos acometidos por uma pandemia como não se via desde a gripe espanhola da década de 1920. As passagens foram reembolsadas mas as reservas de hotéis, não reembolsáveis, foram sendo adiadas, primeiro seis meses (esperança de que a peste terminasse tão cedo assim!), depois mais seis meses, e de adiamento em adiamento enfim vamos desfrutar esses quartos de hotel. Todos da rede Ibis.

11 de outubro de 2022 - Chegada em Madrid

Parque do Retiro

Quarta vez na vida que venho a Madrid mas parece que só agora se me abriram os olhos para o esplendor da capital espanhola. Na primeira vez em que aqui estive, aos quatorze anos de idade (início de 1966), anotei no diário de viagem a visita ao Museu do Prado (“não gostei da pintura espanhola”, escrevi então, mas evoluí e agora gosto), a viagem no metrô, transporte então inexistente no Brasil, tarde livre no Parque do Retiro e excursão a Toledo. Na viagem de “maluco beleza” em 1972, uma Madrid dezembrina gélida, consegui a proeza de ter meus travellers checks furtados do bolso interno do sobretudo e perdi um tempão enfrentando a burocracia do banco para conseguir reavê-los. No longo périplo europeu com Fátima em 1984, vimos por fora a Praça dos Touros, show de flamenco e o Museu do Prado, mas não adquiri uma visão de conjunto dessa cidade imponente que, à semelhança de Paris, no século XIX, sofreu reformas urbanísticas que a dotaram de largas avenidas, rotundas, chafarizes, jardins, prédios monumentais – à custa da demolição de velhas construções (tanto é que, num dos passeios guiados, a guia dizia que “aqui no local desta praça existia um mosteiro”, etc.), como no Rio derrubamos a cidade originária no Morro do Castelo.

prédios monumentais

Após dois anos de pandemia/pandemônio em que o mundo parou, a humanidade retomou as viagens com frenesi redobrado. Aeroporto de Guarulhos lotado, avião da TAP abarrotado – nos colocaram no pior lugar possível, dois bancos centrais da fila do meio, imprensados entre uma senhora e uma moça de aspecto doentio que passou parte da viagem lendo uma Bíblia, bloqueando nosso acesso ao corredor – abstive-me de líquidos para não dar vontade de fazer xixi. No aeroporto de Lisboa, onde fizemos “baldeação” para o avião rumo a Madrid, fila quilométrica em ziguezague na qual penamos por uma hora a fim de passarmos pelo escrutínio da migração, onde fomos revistados por uma zelosa policial do sexo feminino, ríspida como uma guarda de presídio. Do aeroporto de Madrid por vinte euros fomos trazidos por um táxi até o nosso hotel Ibis no bairro de Poblenou. Passeamos por um parque (Parque de la Quinta de Los Molinos) perto do hotel, compramos pães, frios e saladas no supermercado, jantamos no quarto do hotel e fomos dormir cedo dentro de um novo fuso horário ao qual logo nos adaptamos.

compramos pães, frios e saladas no supermercado
 

12 de outubro - 1o dia em Madrid

Madrid nos surpreendeu: não sabíamos que era tão cosmopolita, tão animada, tão ensolarada, tão arborizada, cheia de parques, chafarizes, monumentos, prédios de linhas arquitetônicas elegantes e altura limitada e padronizada, deixando ver o céu, amplas avenidas, placas de ruas em painéis de azulejos e largas calçadas.

chafarizes

placas de ruas em painéis de azulejos

deixando ver o céu

Nosso roteiro começou pelo Museo Cerralbo, próximo à Plaza de España, aonde fomos de metrô, dentro da minha filosofia de começar a comer o mingau pelas bordas (ou seja, não ir direto para as atrações mais famosas, mas criar certa expectativa antes). Trata-se de “uno de los escasos ejemplos en Madrid que muestra en sus salas la ambientación decorativa original propia de una residencia aristocrática de fines del XIX, minuciosamente recuperada en la primera década del siglo XXI”, como lemos no site do museu. Uma amostra dos muitos palácios que existiram em Madrid no último terço do século XIX, dos quais restam pouquíssimos exemplos, e praticamente o único em toda a cidade que conserva a decoração interior original, segundo o site. A casa foi construída entre 1883 e 1893 em estilo neoclássico e abriga a coleção de pinturas, móveis, relógios, porcelanas, desenhos, luminárias, esculturas, armas e armaduras, livros, moedas e objetos arqueológicos reunida por don Enrique de Aguilera y Gamboa, marqués de Cerralbo, e seus filhos, que doaram o acervo ao governo, sob a condição de que a coleção não fosse dilapidada e fosse criada uma fundação a fim de geri-la.

Museo Cerralbo

Depois percorremos um roteiro a pé pelo centro histórico que englobou o Monumento a Cervantes na própria Plaza de España; Templo de Debot, antigo templo egípcio no morrinho próximo, construído em IV a.C., desmontado quando da construção da represa de Assuã, doado à Espanha em 1968 em retribuição à ajuda no salvamento dos templos de Abul-Simbel, transportado para a Espanha e lá remontado pedra por pedra nessa colina madrilenha; a Gran Via; Puerta del Sol, cercada de tapumes deixando um espaço exíguo para a multidão; Plaza Mayor, cujas origens remontam ao século XV, lotadíssima por ser feriado; Mercado San Miguel, com seus estandes de iguarias.

Painel de azulejos na entrada de um restaurante

De manhã ao deixarmos o hotel notamos algo anormal: pouquíssimo movimento e comércio fechado. Na plataforma do metrô, perguntei a um casal espanhol se era feriado, e confirmaram minha suspeita: sim, “dia festivo”, Día de la Hispanidad, celebrado desde o final do século XIX, no dia do descobrimento da América que proporcionou o chamado “encontro dos dois mundos” e iniciou a colonização europeia das Américas. Nesse dia ocorrem desfiles militares e exibições de aviões da força aérea. O centro histórico estava cheíssimo, e na Plaza Mayor uma orquestra tocava música espanhola.

No afã de aproveitarmos ao máximo o dia, saímos cedo do hotel, o que acabou fazendo com que, lá pelas quatro da tarde, fôssemos acometidos de um cansaço intenso (intensificado pela dificuldade de transitar no centro superlotado), fazendo com que voltássemos ao hotel e repetíssemos o esquema do ida anterior de comprar nosso jantar no supermercado para consumir no quarto do hotel. Mas ainda tomei uma cervejinha noturna na área de convivência do hotel (o chope chama-se caña, a pint inglesa, pinta).

Uma gíria do espanhol muito ouvida mas não ensinada no Duolingo: vale, uma espécie de “palavra curinga” que você vai inserindo na frase sem nada agregar ao seu sentido, como o “you know” inglês e o “tá sabendo” ou o “enfim” brasileiro.

 

13 de outubro - 2o dia de Madrid

Museu de arte na Europa tem que ser o primeiro programa do dia: você precisa estar com a mente refrescada pela noite de sono para fruir a beleza inaudita das colossais coleções de arte reunidas pelas grandes cortes europeias do passado (o MASP em comparação é aperitivo). Nos três pavimentos do Museu do Prado você vê salas e mais salas com as obras-primas dos grandes mestres da pintura. Não dá para ver tudo – beleza é como doce de leite, o excesso enjoa – de modo que optamos por percorrer o primeiro pavimento, com maior concentração de pintores espanhóis: Velázquez, Goya, Murillo, Ribera, El Greco, Zurbarán, Maíno – e de quebra enorme sala com pinturas monumentais do prolífico Rubens, que, ajudado pelos auxiliares e aprendizes de seu ateliê, legou mais de 1400 obras catalogadas.

Museu do Prado

Após o “banho de arte” descemos a Calle de Alcalá, contemplando a arquitetura, e descansamos na Plaza Mayor, preparando-nos para o “free tour” da Todo Tours sobre a Inquisición Española, que reservamos via site da Civitatis na Internet, que na verdade não é tão free assim, porquanto no final o guia pede uma contribuição, e ninguém é tão insensível a ponto de deixá-lo de mãos abanando. O guia exibiu proficiência no mecanismo, lógica e meandros da Santa Inquisição espanhola, que nada teve a ver com as inquisições papais anti-heresias precedentes, já que se tratou de uma instituição subordinada à coroa espanhola, não à Santa Sé. A tese central defendida pelo guia foi de que a Inquisição Espanhola foi bem menos violenta & mortífera do que a caça às bruxas das nações protestantes, seus horrores tendo sido exagerados por uma campanha de fake news dos ingleses, a chamada leyenda negra de la Inquisición española (lenda negra da Inquisição espanhola), “uma imagem fantasiada ou exagerada da Inquisição espanhola como o epítome do terror e da barbárie humana”, como explica a Wikipédia.

Desta vez não cometemos o erro de madrugar e nos cansarmos já no meio da tarde, de modo que encerramos o dia com chave de ouro saboreando tapas no Mercado de São Miguel.

 

Anoitecer em Madrid

Teatro Real

Iglesia de San Nicolás

Plaza Mayor com estátua de Filipe III

14 de outubro- 3o dia de Madrid

Palácio Real

De novo começamos o dia pela atração que exige maior sensibilidade estética: o suntuoso Palácio Real, de 1764, menos famoso que Versalhes ou Schönbrunn, mas que não fica atrás, erguido no local do antigo Alcázar dos Habsburgos, destruído por um incêndio na véspera de Natal de 1734. Por ser uma atração muito concorrida, comprei os ingressos pela Internet antes de embarcar, evitando assim longa fila. A visita inclui 23 aposentos artisticamente decorados, cada um mais luxuoso que o outro, culminando na Sala do Trono. O palácio hoje em dia, além da visitação turística, abriga cerimônias oficiais, como no feriado de 12 de outubro, em que o encontramos interditado por bloqueios de segurança.

Tapete do Palácio Real

De lá rumamos de metrô para o Museo del Romanticismo (Museu do Romantismo), “uma mansão que recria o cotidiano e os costumes da alta burguesia durante o Romantismo.”

Museo del Romanticismo (Museu do Romantismo)

Aproveitamos a proximidade para visitar o Museu Histórico de Madrid e conhecermos melhor a evolução dessa antiga vila medieval que Felipe II escolheu para ser a capital da monarquia espanhola em meados do século XVI.

paella descomunal

Após um descanso no hotel, à noite uma paella descomunal (uma porção só daria para nós dois, mas o olho foi maior do que a barriga) que teve como defeito o excesso de molho de tomate obliterando o sabor dos demais temperos. Após o regabofe, barriga estufada, caminhamos pelo centro madrilenho para “fazer a digestão”, contemplando lindos painéis de azulejos que decoram fachadas de tabernas e cervejarias.

lindos painéis de azulejos que decoram fachadas de tabernas e cervejarias
 

15 de outubro - 4o dia de Madrid

No quarto dia deveríamos ter visitado a cidade de Toledo. Achei que era só chegar na estação ferroviária de Atocha, ir ao guichê comprar uma passagem, e embarcar. Mas nos dias atuais, se você não a adquire de antemão pela Internet, vai penar em uma fila quilométrica que anda a passo de tartaruga – e na descomunal estação que reúne os terminais suburbano e intermunicipal, até você descobrir onde fica o guichê que vende as passagens para Toledo, já perdeu um tempo enorme – de modo que decidimos deixar a visita a Toledo para as calendas gregas.

Aproveitamos para ver mais um museu nesta cidade onde são tão profusos: Museu Nacional de Artes Decorativas, tipo de museu comum na Europa, que exibe mobiliário e decorações de época, situado na área do Museu do Prado e Parque do Retiro. Aproveitamos para adentrar o parque onde eu havia pisado pela última vez na excursão europeia, presente de barmitzva, a cerimônia judaica de iniciação religiosa, de 1966. Desde então muita água rolou, como narro em meu livro de memórias, que acabou de vencer um dos Prêmios Literários da Cidade de Manaus e, quando for publicado, você se deleitará ao ler. Os barquinhos do lago artificial do parque, que tanto curti na viagem de então, como narro no diário que escrevi (“Na tarde livre fui com um amigo no Parque do Retiro, onde alugamos dois barcos”), continuam por lá fazendo a alegria dos novos meninos de quatorze anos.

Uma enorme manifestação de velhinhos protestava contra o que me pareceu uma reforma da previdência espanhola.

À noite

À noite participamos como penetras de um passeio guiado sobre fantasmas madrilenhos. Como penetras porque, quando tentamos fazer a reserva via Internet, já não sobravam vagas disponíveis, mas em meio à multidão de participantes nossa falta de reserva passou despercebida. A guia percorreu meandros da cidade – as duas grandes vantagens dos passeios guiados é que você treina a compreensão do idioma local e percorre meandros que normalmente nem sonharia em percorrer – narrando causos horripilantes, como do diplomata que passou a noite num baile dançando com uma moça e no dia seguinte descobriu que ela morrera e ele bailara com seu fantasma; da mulher enterrada viva por engano num convento; da casa das sete chaminés onde ocorreram sete assassinatos em diferentes épocas da história; da mulher assassinada num elevador com espelho que até hoje às vezes aparece nele; do fantasma que surge no último carro do metrô no último horário da noite...

 

16 de outubro - Madrid-Barcelona

Desde meus tempos de Rede Ferroviária Federal fala-se em implantar o chamado “trem-bala” (TGV, trem de grande velocidade) no Brasil, mas os planos nunca saíram do papel. Na Europa tal transporte é corriqueiro, e transpusemos os mais de seiscentos quilômetros que separam Madrid de Barcelona, uma vez e meia a distância entre Rio e Sampa, em meras três horas e dez minutos.

Mar Mediterrâneo

Do nosso Hotel Ibis, na Carrer de la Ciutat de Granada (um parêntese: além do espanhol, fala-se aqui o catalão, espécie de dialeto do espanhol com pitadas do francês, onde carrer significa calle, rua e ciutat significa ciudad, cidade), perto da estação de metrô Llacuna, caminhamos até a orla do Mar Mediterrâneo que tantas associações nos traz à mente (cozinha mediterrânea, Mare Nostrum romano, livro The Pillars of Hercules do Theroux...) No caminho até a Platja del Bogatell (não preciso dizer que platja é playa, praia) passamos por um cemitério (memento mori) e, ao nos sentarmos em umas pedras num dos quebra-mares para contemplarmos a ambiência praiana tão familiar aos brasileiros, percebemos, num trecho da areia, que alguns banhistas, normalmente mais velhos, despiam-se antes de entrar na água, bilau à vista sem o menor constrangimento, afora algumas mulheres com os seios à mostra.

Carrer de la Ciutat de Granada
 

17 de outubro - 1o dia em Barcelona

hordas de turistas querendo conhecer

Do hotel pegamos um táxi até a Igreja da Sagrada Família, o templo inacabado, até hoje em obras, de linhas tresloucadas, que não se enquadram em nenhum estilo consagrado, como são as criações originais do arquiteto visionário Gaudí. Em 1972 adentrei-o tranquilamente sem precisar pagar entrada e, no interior, subi por uma escadinha em espiral até que a vertigem me fizesse desistir da escalada. Agora a igreja tornou-se uma espécie de Tour Eiffel barcelonense, atração das atrações, hordas de turistas querendo conhecer. Tanta gente assim inviabiliza a venda local de ingressos, a fila seria interminável, então você precisa comprar previamente pela Internet, algo que eu ignorava.

Com o jovem chofer de táxi, puxei conversa, sobre separatismo catalão, terrorismo basco, terrorismo islâmico. Informou que o país agora está pacificado. Observei que o nível de vida na Espanha é alto em relação à América Latina. Retrucou que não é tão alto quanto de outros países europeus, como França. A grama do vizinho sempre é mais verde.

bandeira com uma estrela num triângulo e listras vermelhas e amarelas

Observei em algumas sacadas e lojas uma bandeira com uma estrela num triângulo e listras vermelhas e amarelas que à primeira vista julguei ser de Cuba, mas quando indaguei alguém, respondeu ser a bandeira da Catalunha independente.

Casa Milà, também conhecida como La Pedrera

Casa Batlló

sacada

Palau Malagrida

Deixamos a Sagrada Família para o dia seguinte (mas diante do alto preço acabamos não voltando lá) e rumamos a pé até o centro, onde andamos, andamos, andamos, seguindo mais ou menos um roteiro que eu havia traçado – olhando as atrações arquitetônicas só por fora, para no dia seguinte visitarmos o interior de algumas. No Passeig de Grácia: Casa Milà, também conhecida como La Pedrera, Casa Batlló, Casa Museu Amatller, Casa Lleó Morera, Palau Malagrida; Plaça de Catalunya; La Rambla. Depois os meandros do tortuoso Barri Gòtic (Bairro Gótico). Tapas: anchovas, croquetes de jamón, patatas bravas e torradas com tomate no Colom Restaurant. Vestígios das antigas muralhas romanas. Ruelas, lampiões, sacadas. Catedral gótica. Churros com chocolate em La Pallaresa Xocolateria Xurreria. Enquanto Michela visitava a Zara, quedei-me sentado num banco em La Rambla, contemplando o movimento ao anoitecer. A cidade impressiona pela quantidade de turistas, cuidado com a cidade, arborização, limpeza, elegância arquitetônica: cidade modelar.

Arte na rua do Bairro Gótico

patatas bravas


meandros do tortuoso Barri Gòtic (Bairro Gótico)

Vestígios das antigas muralhas romanas

Barri Gòtic (Bairro Gótico)

Churros

ao anoitecer
 

18 de outubro - 2o dia em Barcelona

Catedral Gótica

Enquanto no primeiro dia rodamos, rodamos, rodamos, no segundo dia adentramos algumas construções: primeiro a Catedral Gótica – afinal gótico de verdade (neogótico não conta) só tem na Europa – com seu interior de altura impressionante como se quisesse alçar-se aos céus (na Idade Média, sem aviões, esta devia ser a impressão), onde um organista nos brindou com uma “canja” tocando o que soava como tocata de Bach. Um elevador permite contemplar a vista do telhado, mas preferi não arriscar um surto de vertigem.

vi Barcelona do alto do terraço

Segunda parada, Palau Güell, criação delirante do Gaudí ainda jovem, onde, aí sim, vi Barcelona do alto do terraço. Com três pavimentos labirínticos, tamanho o número de aposentos, embora desmobiliados, você se impressiona com a decoração estrutural que o arquiteto incorporou ao projeto. Eusebi Güell foi um industrial, político e mecenas que se tornaria importante cliente do arquiteto, e também um de seus melhores amigos.

pátio central

Terceira parada, visita guiada (em espanhol) à Casa Amatller, espécie de palácio gótico urbano com pátio central, projetado no final do século XIX para o fabricante de chocolates Antoni Amatller, conservado no estado original com todo seu mobiliário e decoração de época. No final da visita você ganha uma caixinha de metal art nouveau de chocolates da marca Amatller e é convidado a comprar mais em uma lojinha no térreo.



Ultima parada, Colom Restaurant (o mesmo dos tapas de ontem), onde pedimos um arroz caudaloso (ou caldoso) com uns monstrinhos, que vocês podem ver na foto, que tivemos de destrinchar. Valeu-me o know-how adquirido com o saudoso Mário Vergueiro, dos velhos tempos da Superdata, que apreciava saborear siris no extinto Bar do Papai na Rua São José, centro carioca.

uns monstrinhos

 

19 de outubro - Barcelona-Lisboa

“O que é a mistica Portuguesa? Chove? Está frio? Está calor? O que importa?

Nem que o desafio seja no fim do mundo, entre as neves das serras, sobre as águas ou no meio das chamas do inferno; seja por terra, por mar ou por ar, ei-los que aí vão, os Portugueses.

Ei-los que aí vão com o vigor dos pastores serranos ou com a alma dos velhos marinheiros; ei-los que aí vão resistindo, resistindo sempre, até que o tempo passe e só eles permaneçam, com a eterna humildade dos valentes e com o sereno orgulho dos vencedores.

E isto é a mística Portuguesa.”

 

Dizeres na parede do segundo piso da Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau da Rua Augusta

 

Viagem de avião

Viagem de avião Barcelona-Lisboa. Avião é sempre o mesmo perrengue: tem que chegar com antecedência no aeroporto, passar pelo controle de segurança, descobrir naquela imensidão em qual portão será o embarque, viajar apertado numa aeronave abarrotada...

Depois do choque de civilização da Espanha (renda per capita quase três vezes maior que a brasileira) – país que passou por uma guerra civil e ditadura fascista no século XX mas soube pegar o bonde da história e dar um salto de afluência –, em Portugal, não só pelo idioma “semelhante” ao nosso (há diferenças como “atenção para o intervalo entre o comboio e o cais”, no Brasil “cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”), mas também por uma certa ineficiência/desleixo “terceiro-mundista” –praça com vegetação mal cuidada, um “tapete rolante” (esteira rolante) e elevador do metrô quebrados, pedras portuguesas soltas, transporte público para um local turístico de grande afluência como Belém superlotado (poderiam pôr mais viaturas em circulação), carro que ignora o sinal e avança sobre a faixa de pedestres, etc. – voltamos a nos sentir em casa.

pastéis de nata

Rodamos um pouco pelo centro lisboeta e matamos as saudades dos pastéis de nata e pastéis de bacalhau. Pastel em Portugal nada tem a ver com o pastel brasileiro. Pastel de nata é um doce tradicional, cuja versão mais famosa é o pastel de Belém, marca registrada que só pode ser utilizada pela loja Pastéis de Belém, fundada em 1837, adjacente ao Mosteiro dos Jerónimos; e pastel de bacalhau é o nosso bolinho de bacalhau.

 

20 de outubro - 1o dia em Lisboa

O Azulejo é uma arte identitária de Portugal.

O seu uso, sem interrupção nos últimos cinco séculos, distingue-se do modo como foi entendido noutras culturas, afirmando um gosto português. O Museu é o ponto de partida para conhecer este património que pode ser visto em todo o país, aplicado nos espaços para que foi concebido.”

Informação no Museu Nacional do Azulejo

O Azulejo é uma arte identitária de Portugal
 

Saltamos do metrô na estação Santa Apolônia e pegamos o autocarro (ônibus) 759 rumo ao Museu Nacional do Azulejo, que é o grande museu de arte da cidade de Lisboa, instalado no antigo Convento da Madre de Deus, fundado em 1509 pela rainha Dona Leonor. Para mim que sou aficionado pela azulejaria, um encanto. Durante anos percorri os subúrbios cariocas de influência lusitana procurando e fotografando painéis de azulejos em fachadas de casas, bares e padarias, etc., como você pode ver clicando aqui. O museu não só percorre a história dos azulejos em terras lusitanas, como inclui belíssima igreja e claustro do tempo em que a construção abrigava o convento. No terceiro dos três pisos, a monumental vista panorâmica de Lisboa anterior ao “terramoto” (terremoto no português brasileiro) de 1755. 

vista panorâmica de Lisboa anterior ao “terramoto”


Depois fomos subindo as ruelas do velho bairro da Alfama que vão dar no Castelo de São Jorge ao alto. Aí a gente já vê semelhanças com “sítios” (locais, idem) do Rio antigo como o Morro da Conceição.

sacadas com grades de ferro forjado


Vê uma ruela estreita com calçamento de pedra

Eu já estivera em Lisboa na excursão mencionada de 1966 e na viagem de hippie de 1972, para depois só retornar no grand tour europeu de 2016, ocasião em que escrevi no diário de viagem (que você pode ler clicando aqui):

Existe a Lisboa europeia, “moderna” das grandes avenidas e praças, Avenida da Liberdade, Rossio, Praça da Figueira, Praça do Comércio, as avenidas à margem do Tejo, a ponte sobre o Tejo, e existe a Lisboa antiga, as ruas, becos, vielas, escadinhas e profusão de sacadas e azulejos de Alfama, Mouraria, Cidade Alta. Você vê uma escadinha e lembra do Morro da Conceição no Rio de Janeiro. Vê uma vista de vegetação e telhados e lembra de Santa Teresa. Vê uma ruela estreita com calçamento de pedra e lembra do Outeiro da Glória. Vê um prédio velho com paredes descascadas e lembra da Rua Cândido Mendes. Portugal é o país europeu onde você, brasileiro, se sente mais em casa. Aqui estão as nossas raízes. As porções generosas nos restaurantes, roupas penduradas em varais nas janelas, as calçadas de pedras portuguesas, algumas soltas, criando buracos, o pão de Deus que é nosso pão doce, a simpatia com o estrangeiro, as sacadas com grades de ferro forjado, os azulejos, os pastéis de bacalhau que são nossos bolinhos de bacalhau, o quindim, brigadeiro (que aqui é doce de confeitaria enquanto no Brasil é doce de festa de aniversário), um carro estacionado na calçada na cidade velha, a espera longa no ponto pela condução, tudo isso aqui em Lisboa lembra o nosso Brasil! Afinal, Portugal, na designação de David Nasser, é nosso avozinho.

 

azulejos

21 de outubro - 2o dia em Lisboa

“Não faltaram Cristãos atrevimentos

Nesta pequena casa Lusitana.”

Camões

o Padrão dos Descobrimentos que comemora os “atrevimentos” lusitanos ao desbravarem mares nunca dantes navegados
 

De manhã pegamos o elétrico (bonde) 15E, linha Praça da Figueira-Algés rumo ao bairro lisboeta de Belém, onde já estivéramos na viagem anterior. Superlotado, turistas na maioria, gente de pé caindo sobre mim, sentado. A emblemática Torre de Belém, vetusta fortificação manuelina quinhentista, o Padrão dos Descobrimentos que comemora os “atrevimentos” lusitanos ao desbravarem mares nunca dantes navegados, os famosos pastéis de Belém que por si sós valem uma visita ao bairro. Depois, último dia de viagem, zanzamos. Enquanto os demais turistas voltavam a lotar a linha 15, nós, macacos velhos, pegamos o autocarro da linha para Santa Apolônia, que segue por uma via expressa ao longo do cais e nos deixou no “pração”, a Praça do Comércio, antigo Terreiro do Paço, onde em minha viagem solitária e porra-louca de 1972 fui fumar meu primeiro cigarro Minister no ultramar depois de desembarcar do 707 da Varig que me trouxera a este outro lado do Atlântico. Atlântico que em tempos idos se levava mais de dois meses para transpor. E continuamos zanzando, zanzando, que é o que se faz em fim de viagem, até que ao entardecer, após enfrentarmos fila de uns 45 minutos, já caindo pelas tabelas, conseguimos subir pelo Elevador de Santa Justa ao Bairro Alto, de onde pudemos fotografar os telhados lisboetas. E tudo terminou com um bacalhau ao Brás, servido por um garçom mineiro.


telhados lisboetas


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