FREDERICO GOMES: POETA GENIAL DO PESSIMISMO


 

Desde os tempos bíblicos, contrastam (na filosofia, na arte, na vida das pessoas) a visão de mundo otimista, "cor de rosa" (“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará” - Salmos 23) versus a cosmovisão pessimista (“E proclamei mais felizes os mortos que já há tempos faleceram do que os vivos que ainda existem. E, mais felizes que ambos, aquele que ainda não nasceu, que ainda não experimentou a malvadez que se pratica sob o sol” - Eclesiastes 4), com uma série de gradações intermediárias entre os dois extremos. O poeta Frederico Gomes, com sua visão schopenhaueriana e obsessão pela morte, inscreve-se neste segundo time.

Quanto a esta obsessão, o meu pensamento pessoal é que, embora nosso aniquilamento pessoal nos assuste e repugne, no fundo, no fundo, nenhum ser humano em sã consciência desejaria viver mil, dois mil anos, sem perspectiva de interrupção do fluxo que nos prende a um corpo que a certa altura começa, como um carro velho, a dar defeito. Como tudo que é bom (doce de leite, por exemplo), a vida a certa altura cansa ou enjoa.

Frederico Gomes é um poeta de formas fixas, tradicionais (embora a métrica nem sempre seja cem por cento rigorosa); rimas originais, algumas inusitadas, preciosas, ou mesmo toantes (espécie de rima que poucos poetas dominam); e versos médios e longos, conquanto ocasionalmente pratique o verso curto, como em “Nereidas & Neuras” à pág. 30 de seu mais recente livro de que trato aqui. Em suas poesias, insere citações por vezes em outros idiomas (neste mezzo del cammin da tua vida, em alusão a Dante, pág. 58), citações eruditas às antiguidades greco-romanas tão distantes deste admirável mundo tecnológico novo, e em meio a uma linguagem poética elevada, sofisticada, mergulha por vezes no coloquial, no vulgar (“Todos te lambem o saco” - pág. 17; “vejam só que baita sacanagem” - pág. 42), no naturalismo (“Como os machos rastreiam fêmeas no cio, / perseguindo-as pelo cheiro o dia inteiro [...]” - pág. 156). E em meio ao pessimismo, às vezes Fred deixa aflorar um poema pleno de lirismo, como “Pinturas” (ver abaixo). Em suma, trata-se de um poeta de mil e um recursos.

Encontrei em seu último livro, Esse animal, o homem, uns poucos erros gramaticais, sintoma de que, nesta pressa pós-moderna, não se fazem mais revisões cuidadosas como outrora, por exemplo: “Tu, que me ” à pág. 93, “a morte lhes arrastou” (verbo transitivo direto) à pág. 110, “só se via as duas” (voz passiva sintética) à pág. 42, “Pois hei-nos” (em vez de “eis-nos”) à pág. 112, “que elas contém”, à pág. 172).

Mas não tenho dúvida de que Frederico Gomes se inscreve na “sociedade dos poetas vivos” geniais, junto com Alexei Bueno e Maria Thereza Noronha.


De seu Esse animal, o homem, publicado pela editora lusitana Rosmaninho (embora Fred seja um poeta brasileiro, nascido em Barra do Piraí e residente na “terceira” Tebas, a mineira – as outras são as cidades grega e egípcia antigas) selecionei, para compartilhar com você, estimado visitante deste blog, estes poemas:

Por quê? (pág. 17)
a Haroldo Viegas in memoriam

Por que passas na rua com tal soberba,
como se fosses o dono da vida?
E olha-nos, oh com tamanha certeza,
como se fôssemos meras formigas?
Sim, diz-me: Por quê? Por quê?
Iremos todos morrer.

Com tua testa larga, brilhante e calva,
crês possuir tal e único talento,
porém ganhar dinheiro já foi prova,
alguma vez, de “bom” discernimento?
Sim, diz-me: Por quê? Por quê?
Iremos todos morrer.

Esposa, filhos, amigos, as posses
– eis o farto reino a que te obrigas.
Todos te lambem o saco. E se morres,
da herança viverão como lombrigas.
Sim, diz-me: Por quê? Por quê?


Pinturas (pág. 42, poema lírico)
a Denise Albuquerque e Rosária Rent

Vi duas moças (Denise e Rosária)

conversando numa enorme sala.

Havia quadros de uma exposição
expostos nos painéis do salão.

Mas diante de Rosária e Denise
os quadros eram só um deslize

da beleza, pois só se via as duas
pra lá e pra cá entre pinturas cruas.

Bem no finzinho do vernissage
– vejam só que baita sacanagem –

as duas debandaram desta parte:
restando no salão nenhuma arte.

Taedium Vitae (pág. 59, que incluí em minha coletânea de poemas mórbidos neste mesmo blog)


E se nesta noite sem perspectiva
– lúgubre – Frederico se matasse?
Alguém o choraria, alguém que o amasse
maiusculamente como coisa viva?

Coisa viva que se abre para a morte
sem que ninguém, ninguém jamais o chore.
Frederico só espera que melhore
do outro lado da vida a ingrata sorte.


A poesia (metapoema, à pág. 152)

Dizem: a poesia não vale a pena.

Coisa vã. Pura inutilidade.
Ora, quem a lê? Uma dezena
entre os milhões da mega-cidade?

Nada respondo. Fico mudo.
(Que o meu silêncio diga tudo.)