Açúcares, provenientes do mel que escorre das línguas ferinas. Em doses generosas, para que nada se perca da maledicência. O sal é tão indispensável quanto o ar que envenena a alma. Deve ser sorvido aos poucos, saboreado nas intrigas e acompanhado dos ruídos que as chuvas produzem nas ruínas dos telhados. As melancólicas gorduras esmaecidas que escorrem dos livros jamais abertos devem ser ingeridas a cada dois pares de tristezas. A carne pendente da ferrugem dos tendais servirá a novo repasto, desde que os vermes habitantes façam um juramento – tão eterno quanto passageiro – de dispensarem os sinistros temperos do amor. Legumes e verduras serão vistos com reservas. Nutrirão desde que as lesmas coladas em suas folhas, hastes e talos adquiram o ocre das verdades irrefutáveis. Os vinhos, só serão sorvidos após triturados em pequenos coágulos indecifráveis, coados e prontos para agradar aos cães famintos. O pão sempre será o pão desfeito. Desfeito do trigo que não foi ceifado. Ceifado, morto e sepultado. Sepultado e posto junto ao leito em que jamais arquejou um ser amado.
Helio Brasil - outubro 2004
Helio Brasil - outubro 2004