GALBA DE PAIVA

Galba de Paiva, poeta gaúcho, nascido em 1893, faleceu em 1938. Formado em Direito no Rio de Janeiro, desenvolveu sua atividade profissional como administrador e magistrado no Rio Grande do Sul.



MARIA-GILMA

Minha filha, nem sempre a vida é boa.
Nem tudo o que se quer às mãos nos vem;
Mesmo a felicidade — a que atordoa —
Não representa a síntese do bem.

És a menor de todas... mas, ressoa
Dentro em meu coração, o teu, também.
Minha filha, nem sempre a vida é boa,
Mais amarguras que alegrias tem.

Ampara-te à virtude. Estuda e pensa.
Não cobices o fruto mal colhido;
Resume na bondade a tua crença!

Se casares então, haja o que houver,
Ama teu lar, teus filhos, teu marido,
E, pelo sacrifício, sê mulher!

GIUSEPPE GHIARONI


Poeta, radialista e jornalista, natural de Paraíba do Sul, RJ, Giuseppe Ghiaroni, por volta de 1940, radicou-se no Rio de Janeiro, onde trabalhou na redação de A Noite e na Rádio Nacional. Em 1941, com 22 anos, publica seu primeiro livro, O dia da existência. Nos anos 40 e 50, era comum ouvir-se sua voz forte e seus trabalhos literários na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ele escrevia novelas, fazia poemas, programas humorísticos.

A MÁQUINA DE ESCREVER

Mãe, se eu morrer de um repentino mal,
vende meus bens a bem dos meus credores:
a fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro Carnaval.

Vende esse rádio que ganhei de prêmio
por um concurso num jornal do povo,
e aquele terno novo, ou quase novo,
com poucas manchas de café boêmio.

Vende também meus óculos antigos
que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes
para enxergar os corações amigos.

Vende , além das gravatas, do chapéu,
meus sapatos rangentes. Sem ruído
é mais provável que eu alcance o Céu
e logre penetrar despercebido.

Vende meu dente de ouro. O Paraíso
requer apenas a expressão do olhar.
Já não precisarei do meu sorriso
para um outro sorriso me enganar.

Vende meus olhos a um brechó qualquer
que os guarde numa loja poeirenta,
reluzindo na sombra pardacenta,
refletindo um semblante de mulher.

Vende tudo, ao findar a minha sorte,
libertando minha alma pensativa
para ninguém chorar a minha morte
sem realmente desejar que eu viva.

Pode vender meu próprio leito e roupa
para pagar àqueles a quem devo.
Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa
esta caduca máquina em que escrevo.

Mas poupa a minha amiga de horas mortas,
de teclas bambas, tique-taque incerto.
De ano em ano, manda-a ao conserto
e unta de azeite as suas peças tortas.

Vende todas as grandes pequenezas
que eram meu humílimo tesouro,
mas não! ainda que ofereçam ouro,
não venda o meu filtro de tristezas!

Quanta vez esta máquina afugenta
meus fantasmas da dúvida e do mal,
ela que é minha rude ferramenta,
o meu doce instrumento musical.

Bate rangendo, numa espécie de asma,
mas cada vez que bate é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo
há de levar consigo o meu fantasma.

Pois será para ela uma tortura
sentir nas bambas teclas solitárias
um bando de dez unhas usurárias
a datilografar uma fatura.

Deixa-a morrer também quando eu morrer;
deixa-a calar numa quietude extrema,
à espera do meu último poema
que as palavras não dão para fazer.

Conserva-a, minha mãe, no velho lar,
conservando os meus íntimos instantes,
e, nas noites de lua, não te espantes
quando as teclas baterem devagar.

Poema enviado por Ivaldo Gomes.

GILBERTO BARBALHO


Natural de São José do Mipibu, no Rio Grande do Norte, Barbalho tem 75 anos e é economista aposentado do BNDES. Formado também em Matemática, chegou a exercer o magistério antes de ingressar no Banco. Em 88, foi eleito Trovador do Ano pela União Brasileira de Trovadores. Recentemente lançou Ao sabor da emoção, seu primeiro livro de trovas.

SONETO XVIII

Eu seguia tão só o meu caminho,
Tão triste e só o meu viver seguia,
Que se me procurassem noite ou dia,
Só me haveriam de encontrar sozinho.

Jamais sonhara com um futuro ninho,
Que outro sonho – o da glória – me iludia,
Mas eis que vieste com tua alegria,
Com teu afeto e teu fiel carinho.

Desde então minha vida transformou-se
E, unindo o riso alegre que trouxeste,
Ao riso amargo que comigo trouxe,

Seguimos juntos pela mesma estrada,
Eu querendo do bem que me fizeste,
Ver-te um dia, afinal, recompensada.

GILBERTO MENDONÇA TELES


O goiano Gilberto Mendonça Teles (1931), também importante crítico literário, é autor de extensa obra poética, de grande domínio formal e de vasta abrangência de registros, movendo-se do lírico ao satírico, com uma invariável agudeza para o jogo de palavras." (Alexei Bueno, Uma história da poesia brasileira, p. 378).

Gilberto Mendonça Teles é poeta que se desdobrou — com muita naturalidade e sem perder a voltagem poética — em ensaísta, crítico, antologista, conferencista e professor de literatura [...] tendo produzido uma das mais extensas e importantes obras da literatura brasileira contemporânea. (André Seffrin, "Poesia e crítica", in Poesia para todos n.7 - foto: obra de arte de Ronie Guimarães.)

NARCÍSICA

Num dia de muita graça,
de muita luz na caverna,
quando a forma se equilibra
numa arte antiga e moderna,
meu braço foi-se estendendo
como quem manda e governa,
tentando agarrar a imagem
da vida eterna.
Mas a imagem, muito viva
na sua espessura interna,
pegou meu braço e puxou-me
para o fundo da cisterna.

GLAUCO MATTOSO


No site oficial de Glauco Mattoso (clique) lemos: "Glauco Mattoso é poeta, ficcionista, ensaísta e articulista em diversas mídias. Pseudônimo de Pedro José Ferreira da Silva (paulistano de 1951), o nome artístico trocadilha com 'glaucomatoso' (portador de glaucoma, doença congênita que lhe acarretou perda progressiva da visão, até a cegueira total em 1995), além de aludir a Gregório de Matos, de quem é herdeiro na sátira política e na crítica de costumes.

[...] Jamais deixou, entretanto, de explorar temas polêmicos, transgressivos ou politicamente incorretos (violência, repugnância, humilhação, discriminação) que lhe alimentam a reputação de 'poeta maldito' e lhe inscrevem o nome na linhagem dos autores fesceninos e submundanos, como Bocage, Aretino, Apollinaire ou Genet."

Glauco
é sonetista recordista (registrado no Guiness), seu site inclui (até este momento) 2400 sonetos!

259 A AMÉLIA E EMÍLIA [1999]

Amélia era mulher, das de verdade:
estóica, seu rapaz jamais traíra.
Escrava do malandro e até do tira,
não tinha, na canção, qualquer vaidade.

Emília era boneca com vontade:
bem viva, embora fosse de mentira.
O elenco todo em torno dela gira.
No conto só se passa o que lhe agrade.

As duas são figuras caricatas,
mas muito verdadeiras pelas zonas:
Amélias são princesas vira-latas.

Emílias, ordinárias mas mandonas.
Comigo todas elas são ingratas:
Não ganho nem suas manhas nem suas conas.

GONÇALVES DIAS


Antônio Gonçalves Dias teve uma existência dramática: órfão desde cedo, infeliz na vida doméstica, homem de cor em uma sociedade ainda animada de preconceitos. Estudou a princípio no Maranhão, e depois em Coimbra. A sua vida literária começou em Portugal, onde conviveu com os novos escritores e poetas da época. [...] Gonçalves Dias está consagrado como o mais importante poeta da fase romântica. Interpretou como ninguém antes dele os temas e os sentimentos nacionais. É o primeiro grande poeta brasileiro, e dos românticos o de língua mais pura e correta. Os temas dominantes na sua obra são o indianismo e o amor. Do indianismo tornou-se a figura mais representativa, o seu verdadeiro criador [...] (Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, Roteiro literário de Portugal e do Brasil, volume II, brasileiros.)

PEDIDO

Ontem no baile
Não me atendias!
Não me atendias,
Quando eu falava.

De mim bem longe
Teu pensamento!!
Teu pensamento,
Bem longe errava.

Eu vi teus olhos
Sobre outros olhos!
Sobre outros olhos,
Que eu odiava.

Tu lhe sorriste
Com tal sorriso!
Com tal sorriso,
Que apunhalava.

Tu lhe falaste
Com voz tão doce!
Com voz tão doce,
Que me matava.

Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Se então só qu'rias
Exp'rimentar-me.

Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Não lhe sorrias,
Que era matar-me.

CANÇÃO DO TAMOIO

I

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

II

Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.

III

O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

V

E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.

VI

Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.

VII

E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!

VIII

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.

GUILHERME DE ALMEIDA


Nos poemas anteriores à sua estréia em livro, com Nós, em 1917, sobretudo os depois reunidos em A cidade da névoa, Guilherme de Almeida (1890-1969) demonstra uma forte influência penumbrista, com toques marcantes de Cesário Verde. Essas características, unidas a um sempre crescente virtuosismo, serão mantidas até Raça, de 1925, onde a temática brasileira aflora, em versos longos fortemente ritmados, livro que marca a sua conversão poética de fato a um ideário modernista que defendeu desde a primeira hora. (Alexei Bueno, Uma história da poesia brasileira, pág. 297)

ESSA QUE EU HEI DE AMAR…

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a essa alma escura e fria.

E quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela…
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz… — Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste…

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"