Antônio Gonçalves Dias teve uma existência dramática: órfão desde cedo, infeliz na vida doméstica, homem de cor em uma sociedade ainda animada de preconceitos. Estudou a princípio no Maranhão, e depois em Coimbra. A sua vida literária começou em Portugal, onde conviveu com os novos escritores e poetas da época. [...] Gonçalves Dias está consagrado como o mais importante poeta da fase romântica. Interpretou como ninguém antes dele os temas e os sentimentos nacionais. É o primeiro grande poeta brasileiro, e dos românticos o de língua mais pura e correta. Os temas dominantes na sua obra são o indianismo e o amor. Do indianismo tornou-se a figura mais representativa, o seu verdadeiro criador [...] (Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Hollanda, Roteiro literário de Portugal e do Brasil, volume II, brasileiros.)
PEDIDO
Ontem no baile
Não me atendias!
Não me atendias,
Quando eu falava.
De mim bem longe
Teu pensamento!!
Teu pensamento,
Bem longe errava.
Eu vi teus olhos
Sobre outros olhos!
Sobre outros olhos,
Que eu odiava.
Tu lhe sorriste
Com tal sorriso!
Com tal sorriso,
Que apunhalava.
Tu lhe falaste
Com voz tão doce!
Com voz tão doce,
Que me matava.
Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Se então só qu'rias
Exp'rimentar-me.
Oh! não lhe fales,
Não lhe sorrias,
Não lhe sorrias,
Que era matar-me.
CANÇÃO DO TAMOIO
I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.
III
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
IV
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
V
E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
VI
Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.
VII
E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!
VIII
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.
IX
E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.
X
As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.
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