DIA DO POETA (20/10)


ALGUMAS COISAS QUE O POETA É
Jamil Damous (do livro A camisa no varal)

O poeta é um gavião
espreitando a beleza,
sua presa, seu pão
de cada dia.

O poeta é um avião
sobrevoando
sem mapa
a mata espessa,
a solidão.

O poeta é um peão
construindo sozinho
o edifício do sim
só com os tijolos do não.

O poeta é um cão
rondando a mesa do difícil,
os restos do fácil,
o osso do seu ofício.



MÁGICO
Vera Tavares (texto gentilmente fornecido pela autora)

Lembra circo: palhaço, mágico, domador, equilibrista, contorcionista.

Por um fio invisível ele desce até o mais profundo do mar, e lá se acomoda, permanece hibernando, fugindo e fingindo.

Passado o perigo, numa onda volta à superfície — desliza, salta, surfa. E à terra volta.

Sombra, por entre transeuntes passa. E bons desejos almeja. A canção da paz solfeja.

Enfatiza o amor, receita o amor para qualquer coisa, mazelas inclusive.

Refaz o mundo desfazendo as tristezas, dando sumiço às mágoas, derrubando as incertezas, apagando a solidão.

Mundo novo vestido de guirlandas coloridas, bonitos sorrisos. Céu azul jorrando luz. Estrelas estalando beijos de felicidade.

Sonho do poeta.


DIA DO POETA
Maria Thereza Noronha (do livro O verso implume)

O dia do poeta acende a sala
de palavras: antena outono tâmara
todas compondo a egrégora que a rama
dos anos vai tecendo em fina opala.

O dia do poeta acende a fala:
imagens abrem frestas sobre o tema.
E pouco importa a chama seja efêmera
se eterna é a poesia onde se cala.

À flor do dia luminosa esteira:
vão chegando Drummond, Vinícius, Mário,
Jorge de Lima, Cecília, Bandeira.

Sentam-se à mesa dos eternos topos.
Colhem o dia, acordam tempo vário.
E, como Mallarmé, batem os copos.

Glossário:
egrégora - termo do esoterismo, designa a somatória de energias mentais, criadas por grupos.
topos - grandes temas da literatura, por exemplo, o tema do bucolismo, dos tempos idos e vividos, do carpe diem.


VENCEDOR
Augusto dos Anjos (um dos poetas mais populares no Brasil, durante sua vida só publicou um livro, Eu, cuja edição foi custeada pelo irmão)

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!


TRIBO POÉTICA
Manuel de Souza (escrito em Luanda, Angola, a 30 de Setembro de 2005 e dedicado a todos os Poetas de todos os tempos e almas)

Cada vez mais...
Sou indígena da Tribo Poética
Em minhas veias
Agora pela presente
Ao invés de sangue
Circula uma torrente de letras
Jorra um fluído rico em palavras
Meu coração bombeia verbo atrás de verbo
Meus órgãos foram substituídos
Existem no seu lugar imensas bibliotecas
Completas com livros ainda por desfolhar
Minha Alma é uma Prensa Cósmica
Onde se editam páginas sem fim...
Inspiro-me nos raios que advêm das Estrelas
Bebo a seiva da Vida na Fonte Divina
Alimento-me da poeira vinda das Galáxias
Ilumino frase atrás de frase
Página após página...
Com a Luz Maior da Eternidade
Sirvo-me da Mente do Criador como tinteiro
Como se minha própria pena de escriba
Seja em si e em minhas mãos
Uma espécie de Maná de literatura poética
De cuja natureza e essência
Seja ela de origem física ou espiritual
Sou eu próprio feito ...


RECEITA DE POETA
Ivo Korytowski (dedicado a Vinicius, que nos deu a "Receita de Mulher")

O poeta não precisa ser boa-pinta
Mas tem de escrever coisa supimpa.

Não precisa ser um Humphrey Bogard
Contanto que componha uma bela obra.

Que se chame João, José, Almir
Sob a condição de que saiba escandir.

Não importa se branco, índio, preto
Mas tem de compor um belo soneto.

Não importa se pardo, moreno ou louro
Se o soneto culminar em chave de ouro.

O poeta pode até ser meio franzino
Mas tem de compor em alexandrino.

O poeta pode ser coxo ou manco
Mas que se esmere no verso branco.

Ao falar, quem sabe seja gago?
Mas ao escrever tem de ser um Machado.

Na vida real pode até ser vulgar
Mas na poesia tem de saber rimar.

O poeta pode até ser casmurro
Mas precisa escrever com apuro.

O poeta pode até ser ferino
Se compuser como manda o figurino.

Admite-se um poeta pecador
Mas tem de escrever com vigor.

Acaso esqueceu aberta a braguilha?
Tudo bem se compuser redondilha.

Tudo bem que seja bonachão
Se escrever do fundo do coração.

Que seja porventura malandro
Contanto que componha um ditirambo.

Quem sabe seja um paxá?
Mas não pode escrever rima má.

Não é preciso ser trovador
Mas não vá rimar "amor" e "dor".

O poeta pode até ser palhaço
Contanto que nos eleve ao Parnaso.

Do poeta não se exige origem nobre
Contanto que evite a rima pobre.

Que se meta, vez ou outra, num entrevero
Contanto que escreva com esmero.

Pode até ser meio que "filha-da-puta"
Mas tem que escrever coisa batuta.

O poeta pode ser meio cavalar
Contanto que evite a rima vulgar.

Tanto faz se de esquerda ou direita
Contanto que a rima seja perfeita.

No dia-a-dia pode até ser trapalhão
Mas na métrica tem de ser campeão!


POETAS
HFroidi (da revista não funciona n. 10)

Poetas não nascem em Belém
Poetas não são homens de bem
Poetas não dizem ao que vêm
Poetas não são business men

Poetas não vivem de salários
Poetas jamais são necessários
Poetas na roda dos contrários
Agora são bons publicitários

Poetas não têm objetivos
Não são economicamente ativos
Poetas são enterrados vivos
Em sepulturas de livros


VATE EM TRANSE
Cairo Trindade (da revista não funciona n. 10)

poema só se faz poesia
se emitir mensagem
se tiver magia
se for viagem

(o poema não é um monte
de palavras vomitadas:
é um vírus visceral
revolucionário)

e um poeta só será poeta
se for fundo, inteiro, intenso
e viver sempre entre
a vertigem e a voragem

Nenhum comentário: