DESAJUDA, de Tony Bellotto


Publicado originalmente na coluna dominical de Bellotto em O Globo em 16 de março de 2014. Você provavelmente discordará, mas que tem lá sua lógica e seu fundo de verdade, isso tem...

Paschoal Fromm é uma lenda urbana (...) Atribui-se a ele a criação do estranho método de autoajuda transcrito abaixo.

Paschoal Fromm é uma lenda urbana. Não se sabe ao certo se ele existe. Um de seus feitos notáveis é ter conseguido apagar os traços da própria existência. Não se encontram rastros de Paschoal Fromm na internet ou em documentos. Diz-se que Paschoal era um jovem ambientalista alemão que chegou ao Brasil no final da década de 1990, e depois de ter perambulado pela Amazônia e pelo Pantanal e se iniciado em rituais mágicos indígenas abandonou a causa ambientalista e tornou-se morador de rua em cidades da Baixada Fluminense. Atribui-se a ele a criação do estranho método de autoajuda transcrito abaixo. Correm boatos de que em noites de tempestade Paschoal Fromm se transforma num lobo-guará a assombrar pedestres de ruas escuras com uivos aterradores.
Os onze passos de Paschoal Fromm:

1- Impurifique-se
A ideia da purificação está presente em rituais de seitas e religiões. É um mito desprovido de qualquer sentido. Na natureza os elementos se contaminam de impurezas. Nietzsche afirma que “aquilo que não me destrói me fortalece”. Beba as águas poluídas dos rios contaminados. Lance-se ao mar infestado de coliformes fecais. Fortaleça-se pela sujeira, você não tem outra opção.

2- Obscureça-se
A ideia da iluminação é uma balela inventada por gurus famintos. O máximo que uma iluminação pode proporcionar é o ofuscamento da visão. Obscureça-se. Goethe, pela voz de Mefistófeles, afirma em “Fausto”: “Quem anda e à luz do sol pesquisa, em meras ninharias pisa. Mistérios vivem no negror”. Enverede pelas trevas. Encontre-se na escuridão.

3- Pense negativo
A ideia do pensamento positivo é um placebo psicológico. Pensar positivo só fez criar a sociedade neurótica e hipócrita em que vivemos. Nietzsche afirma: “É preciso um caos interior para dar à luz uma estrela bailarina”. Pense negativo, pense no pior. Tudo parecerá melhor.

4- Desconheça-se
A ideia do conhecimento interior só se justifica se quisermos conhecer melhor nossas entranhas. O que faria de qualquer gastroenterologista um Buda. Não há nada dentro de você além de órgãos, tecidos, sangue, fluidos, músculos e ossos. Desista de querer se conhecer, você é a pessoa mais positivamente desinteressante para si mesma. Jogue-se ao desconhecido, aja por instinto.

5- Duvide de si mesmo
A ideia da autoconfiança só produziu arrogantes risonhos. Duvidar de si mesmo é dar chance à transformação, e sem transformação não há vida nem movimento. Raul Seixas afirma: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Não se leve a sério. Ria de suas certezas. Das minhas também.

6- Desconcentre-se
A ideia da concentração serviu para criar a monótona meditação zen-budista e os insuportáveis cursos para executivos. A concentração como conceito inflou ainda mais o imenso oco que trazemos dentro de nós. Desconcentre-se, deixe-se levar pelos desvãos. O poeta Paulo Leminsky afirma: “Distraídos venceremos”. Mesmo morto Leminsky foi o escritor que mais vendeu livros no Brasil no ano passado.

7- Desoriente-se
A ideia da orientação é uma bobagem. Senão, bússolas seriam vendidas a preço de diamantes. Orientar-se para onde? Pelo quê? De que adianta acertar os relógios pelo meridiano de Greenwich? Doe seu relógio para os peixes do fundo do rio. Jogue o celular no liquidificador. Perca a hora. Repita toda manhã: “Foda-se o meridiano de Greenwich!”. Você se sentirá muito melhor depois de alguns dias.

8- Desfaça-se
A ideia de que é preciso estar “composto” para enfrentar a vida é totalmente aleatória. Quanto mais descomposto, mais apto você estará para enfrentar o absurdo da existência. E o “desfazer-se”que aconselho não tem nada a ver com a estúpida ideia do “desapego” budista, que só conduz à resignação. Desfaça-se mesmo, literalmente, perca a unidade, seja um milhão de cacos desconexos.

9- Desista
A ideia de que desistir é procedimento de fracos foi concebida por generais preocupados em motivar soldados na frente de batalha. Saber desistir é uma arte para sábios. O próprio Buda afirma: “Nada de especial deve ser feito para ser salvo”. Aliás, não há nenhuma salvação. O Buda, mais que ninguém, sabia que a ideia de “salvação” é uma ilusão das mais nefastas. Desista. Tudo fica mais leve depois que você desiste.

10- Perca-se
A ideia da “perdição” como derrota moral é fruto de mentes perversas. Perder-se sempre foi a meta das mentes livres. Mulheres perdidas sempre se divertiram mais que as virtuosas. “A mulher que andou na linha o trem matou”, diz o ditado. Perca-se, perca-se, perca-se. Um dia você esquece para onde estava indo.

11- Desapareça
A ideia de que desaparecer é uma desgraça só faz sentido num mundo em que todos querem aparecer a qualquer preço. Nietzsche afirma: “A convivência com os homens perverte o caráter, especialmente quando não se tem caráter”. Se o seu ideal de realização não é aparecer no Instagram nem no Facebook, você já desapareceu. Sorte sua.

Nenhum comentário: