Os avarentos não acreditam numa vida futura, o presente é
tudo para eles. Esta reflexão joga uma horrível clareza sobre a época atual em que, mais que em qualquer outro tempo, o dinheiro domina as leis, a política e
os costumes. Instituições, livros, homens e doutrinas, tudo conspira para solapar a crença numa vida futura, sobre a qual o edifício social se apoia há mil e oitocentos anos. Atualmente, a sepultura é uma transição pouco temida. O amanhã que nos esperava
além do Requiem foi transportado para o presente. Chegar per fas et nefas [por todos os meios] ao paraíso terrestre do luxo e das vaidosas alegrias, petrificar
o coração e macerar o corpo em busca de bens passageiros como outrora se suportava o martírio em busca dos bens eternos, eis o pensamento geral.
Pensamento que, aliás, está escrito em toda parte, até nas leis, que perguntam ao
legislador: "Que pagas?" em vez de indagar: "Que pensas?" Quando essa doutrina tiver passado da burguesia ao povo, que
será do país?
Escrito em 1833 em Paris por Balzac (em Eugênia Grandet; tradução de Gomes da Silveira para a edição da Comédia Humana organizada por Paulo Rónai; imagem obtida no site dos relógios Breguet)
Um comentário:
Prezado amigo Ivo Korytowski, laureado homem de letras:
Saúdo-o vivamente!
O Trem chegou pontualmente, nele entrei, e quis acomodar-me ao lado do erudito passageiro Ivo, para ouvi-lo discorrer “ex cathedra” do prodigioso Balzac.
Quanta ilustração me transmitiu sua narrativa!
Além de esboçar-lhe, com boa fortuna, o perfil biográfico, deu você a conhecer traços curiosos e acidentais da idiossincrasia do imortal escritor, como: “virava as noites escrevendo”, por fugir ao assédio de importunos, servindo-se de “café”, conhecido espantalho; era-lhe o dinheiro “verdadeira obsessão”; não trepidou em estudar música para bem qualificar suas personagens; sua fecundidade literária, etc.
Em abono dos justos conceitos que você expendeu acerca
do eminente literato, apraz-me transladar para aqui este passo de Gilberto Amado, ardoroso leitor e devoto de Balzac: “Foi esse livro (Père Goriot) o maior abalo literário que recebi até então e certamente um dos maiores em toda a minha vida” (Minhas Formação no Recife, 1955, p. 73).
Louvando-me na informação de seu artigo, a produção balzaquiana é realmente assombrosa: “91 romances e novelas”. Isto de produzir compulsivamente, para que ao escritor não faltasse talvez o pão de cada dia, conta com exemplos notáveis. Trazia esse estigma Teófilo Braga, artífice incansável das letras. Estão no caso também o Camilo e o nosso Coelho Neto. Este, com o espírito e o instinto que o próprio nome insinua — Coelho —, procriou mais de 120 filhotes, segundo o cômputo de Celso Pedro Luft, em seu Dicionário de Literatura. De Camilo, O Torturado de Seide, que escrevia entre dores atrocíssimas, gemeram no prelo 132 livros, consoante a resenha que fez Silva Pinto (Camilo Castelo Branco, 1910, pp. 239-254).
Vítor Hugo, li algures que trabalhara mais do que Deus, porque não descansava nem no “sétimo dia”.
Ao excepcional Balzac há de ter agradado, por fim, o tributo que você lhe rendeu (“o maior gênio do romance”).
Aos passageiros de O Trem, entre os quais estava eu, é fora de dúvida que nos deliciamos, durante a viagem, com a leitura de seu bem elaborado artigo de primeira classe. Venham outros no próximo trem de luxo…
Pela “maria-fumaça”, locomotiva dos pobres, estou-lhe despachando minha mercadoria, quiçá imprópria para consumo:
O nome: aspectos jurídicos e literários.
Receba meu afetuoso abraço e os votos de muita saúde, felicidade e alegria! “Ex corde”, Carlos Biasotti.
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