Texto, fotos e vídeos de Ivo Korytowski. Crônica de maio de 2000 inspirada em acontecimento real. Se fosse escrita hoje, o homem de 40 anos teria 66, e tanto ele como a garota sardenta, de tão absortos em seus smartphones, sequer se perceberiam mutuamente. E o filho não estaria lendo o Jornal dos Sports, primeiro porque jovem não lê mais jornal impresso, segundo porque o jornal nem existe mais. Postagem dedicada ao amigo de adolescência Ronald Berger que desde priscas eras trabalha no metrô carioca. Boa viagem, digo, leitura.
Plataforma de embarque do metrô, estação Cardeal Arcoverde,
Copacabana. Sábado de manhã, ainda cedo, pouca gente pra embarcar. Só
ultrapasse a faixa amarela quando o carro abrir as portas, avisa o
auto-falante. Homem de uns quarenta anos, aparência de casado, dando a mão ao
filho de dez anos, lança um olhar escancarado pra garota meio sardenta, cabelos
compridos, castanhos, ar preocupado de quem acaba de desmanchar um namoro
depois de muito conflito. Homem latino, solteiro ou casado, quando solto na
rua, tem o cacoete de olhar pras mulheres bonitas – sorte delas! A garota meio
sardenta retribui o olhar daquele homem maduro, homem dos sonhos para uma garota
jovem, perdida na vida, à procura de uma figura de “pai” que a oriente. Não
corra, a pressa pode se transformar em acidente, avisa desta vez o
auto-falante. Aviso quase inaudível contra o barulho do trem que se aproxima.
Abrem-se as portas do trem. O vagão que parou diante da garota meio sardenta
não é o mesmo que parou diante do homem maduro. É agora que vou perdê-la de
vista, pensa ele. Mas a garota faz um desvio de rota e vem para o vagão do
homem maduro. Senta-se num banco. O homem com o filho sentam-se em dois bancos
laterais preferenciais para gestantes, idosos e inválidos – bem de frente pra
garota meio sardenta.
O homem perscruta a garota: olheiras, ar cansado, seria garota
de programa que volta pra casa após noite de trabalho? Não parece, o aspecto é
cândido demais. O filho ao lado lê a classificação dos times no campeonato
estadual – claro que o Mengão está na dianteira, três pontos de vantagem sobre
o vice. Agora, o homem maduro esquadrinha a pochete à procura de pedaço de
papel – neca. Mas caneta tem, graças a Deus. Arranca um retângulo meio
irregular da margem de uma página do Jornal
dos Sports do filho. (Pra que você está rasgando meu jornal, pai? Pra
nada!) Pensa: dou meu telefone do trabalho? Não, pode dar confusão. Escreve
(letra de forma bem desenhada, pra garota entender) o endereço do e-mail do trabalho. Passadas as estações
Botafogo e Flamengo, o metrô encheu. O homem maduro oferece o lugar a uma
senhora de meia idade, com a segunda intenção de interceptar a garota meio
sardenta caso ela salte antes dele. Mas estação após estação, a garota continua
sentada. Deve ser tijucana, ou será que vai saltar na Central pra pegar o trem?
Tijucana com certeza, pele branquinha, suburbana vai à praia todo domingo.
Entre a Carioca e Uruguaiana, o trem dá uma freada brusca e pára dentro da
galeria – o terror dos claustrofóbicos. Ah, se fôssemos só nós dois neste
vagão, pensa o homem! Em poucos segundos, o trem retoma a marcha. Após a
estação Presidente Vargas, o homem maduro avisa ao filho:
– Dobra este jornal que vamos saltar.
O filho continua absorto nas notícias desportivas. O homem
insiste, enérgico:
– Pô, vamos saltar!
O homem maduro pega o filho pela mão e, antes de se dirigir à
porta, na maior cara de pau deste mundo, entrega a papeleta com o e-mail do trabalho pra garota meio
sardenta. Depois de saltarem, o filho indaga:
– O que você deu praquela mulher, pai?
– Um papel.
– Você conhece ela?
– Conheço. E não diga nada pra mamãe.
Domingo foi Dia das Mães, a família foi à churrascaria, lotada.
Na segunda-feira, o homem maduro, tão logo chega ao trabalho, confere
sofregamente o e-mail. Tinha de tudo:
propaganda do namoro on-line, cartão virtual de uma amiga virtual, piada infame
do argentino, brasileiro e da mulher gostosa no elevador... Se estivéssemos em
comédia romântica hollywoodiana, teria também um e-mail em
formoso “papel de carta” começando com os dizeres: “Sou a garota do metrô...” E
eu, o autor, estaria milionário com a venda dos direitos autorais de minha
história. Mas aqui, trata-se de realidade. O homem maduro jamais recebeu e-mail da garota meio sardenta.
SE VOCÊ GOSTOU E QUER LER OUTRAS CRÔNICAS DO EDITOR DO BLOG, CLIQUE NO LABEL "minhas crônicas" ABAIXO. VOCÊ VAI GOSTAR TAMBÉM DO MEU LIVRO PASSAPORTE PARA O PARAÍSO. CUSTA BARATINHO! PARA MAIS INFORMAÇÕES CLIQUE AQUI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário