MAR PORTUGUEZ
Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu.
MARINHA 2
Isabel Corsetti
Espuma nas pedras da praia,
nós na toalha de xadrez.
Crianças e um cesto de santos,
gaivotas e fitas.
Vento de chuva, revirando telhas.
Nadar e amar na areia.
Tesouros, segredos, perdidos medos,
fogueiras e balões
sanfonas e cantos de viola
aguardente com limão
água de cheiro, roupas de algodão
peixe na pedra, farinha e pirão.
Agora hordas na orla, antes só nossa.
Tristes quiosques e pastéis,
tratores, conchas e estrelas do mar.
Construções, calçamento e cones,
gritos e o silêncio das ondas,
picolés e pizzas.
E o arrastão das tardes?
Ambulantes, camarão e coco?
Cores, cabanas e canoas?
Foram-se jangadas e pipas.
E nós na praia, mãos dadas,
pisando em algas
e siris.
Só maresia e saudade.
ÀS MARINHAS
Maria Thereza Noronha
Onda brincando na praia
em anágua de cambraia
dizei-me o que vistes lá
nos altos verdes do mar
se o vistes do branco barco
à proa, de algas ferido
se o vistes em vítreos olhos
de encapeladas espumas
Onda dançando na areia
véspera de lua cheia
dizei-me o que vistes lá
nas escarpas de alto mar
se em sonho transido o vistes
por encanto de sereia
mas ai, que o vistes luzido
e de regresso, dizei-me.
Do livro O verso implume (Rio de Janeiro, Oficina do Livro, 2005)
MARINHA
Lucia Aizim
No mar o coração entre vagas
No mar esperança entre vagalhões
No mar o amor emerge entre destroços
No mar dia e noite dão-se as mãos.
No mar os anjos trocam as asas
Duendes invadem os poços
e se desvanecem.
Afastado o sonho
ao alcançar a dura
superfície.
O amanhã resplandece.
Do livro Cânticos (Rio de Janeiro, Sette Letras, 2000)
Isabel Corsetti
Espuma nas pedras da praia,
nós na toalha de xadrez.
Crianças e um cesto de santos,
gaivotas e fitas.
Vento de chuva, revirando telhas.
Nadar e amar na areia.
Tesouros, segredos, perdidos medos,
fogueiras e balões
sanfonas e cantos de viola
aguardente com limão
água de cheiro, roupas de algodão
peixe na pedra, farinha e pirão.
Agora hordas na orla, antes só nossa.
Tristes quiosques e pastéis,
tratores, conchas e estrelas do mar.
Construções, calçamento e cones,
gritos e o silêncio das ondas,
picolés e pizzas.
E o arrastão das tardes?
Ambulantes, camarão e coco?
Cores, cabanas e canoas?
Foram-se jangadas e pipas.
E nós na praia, mãos dadas,
pisando em algas
e siris.
Só maresia e saudade.
ÀS MARINHAS
Maria Thereza Noronha
Onda brincando na praia
em anágua de cambraia
dizei-me o que vistes lá
nos altos verdes do mar
se o vistes do branco barco
à proa, de algas ferido
se o vistes em vítreos olhos
de encapeladas espumas
Onda dançando na areia
véspera de lua cheia
dizei-me o que vistes lá
nas escarpas de alto mar
se em sonho transido o vistes
por encanto de sereia
mas ai, que o vistes luzido
e de regresso, dizei-me.
Do livro O verso implume (Rio de Janeiro, Oficina do Livro, 2005)
MARINHA
Lucia Aizim
No mar o coração entre vagas
No mar esperança entre vagalhões
No mar o amor emerge entre destroços
No mar dia e noite dão-se as mãos.
No mar os anjos trocam as asas
Duendes invadem os poços
e se desvanecem.
Afastado o sonho
ao alcançar a dura
superfície.
O amanhã resplandece.
Do livro Cânticos (Rio de Janeiro, Sette Letras, 2000)
MAR DO NORTE
Wanda Lins
sinto-me hoje como uma praia
do Mar do Norte
sob o chumbo algodoado
do céu invernal
gris a mais não poder
deserta
tão somente algumas gaivotas
mergulhando e bicando
a tristeza encrespada do mar
Do livro 50 tempestades
Wanda Lins
sinto-me hoje como uma praia
do Mar do Norte
sob o chumbo algodoado
do céu invernal
gris a mais não poder
deserta
tão somente algumas gaivotas
mergulhando e bicando
a tristeza encrespada do mar
Do livro 50 tempestades
O REI DO MAR
Cecília Meireles
Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta vida. Longo mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...
Nem tormenta, nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...)
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.
Do livro Flor de poemas
Cecília Meireles
Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta vida. Longo mar.
Por água brava ou serena
deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...
Nem tormenta, nem tormento
nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar...)
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.
Do livro Flor de poemas
MAR
Paulo da Mata-Machado Júnior
Mar de poesia, mar de mármore, mar de Minas,
mar de amplas possibilidades telúricas
mar que tem um ar assim, de quem já viu tudo
e é sempre cúmplice. Forja, bigorna e martelo.
Plasma líquido, verde vaga, voga incontido
abismo, vórtice por si mesmo escalavrado.
Mar medicinal, mar curativo mar remédio,
onda, tempestuosa língua
lambida áspera que golpeia a pedra
e com sal pensa os ferimentos decorrentes.
Mar de amar, maré, amarração
mar muro, maravilha, mel, marmelo
entre azuis, ouropel, verde-amarelo
seda, âmbar, mate, limonada;
e agora também em sabor caramelo.
Do livro Ossos do ofício
Paulo da Mata-Machado Júnior
Mar de poesia, mar de mármore, mar de Minas,
mar de amplas possibilidades telúricas
mar que tem um ar assim, de quem já viu tudo
e é sempre cúmplice. Forja, bigorna e martelo.
Plasma líquido, verde vaga, voga incontido
abismo, vórtice por si mesmo escalavrado.
Mar medicinal, mar curativo mar remédio,
onda, tempestuosa língua
lambida áspera que golpeia a pedra
e com sal pensa os ferimentos decorrentes.
Mar de amar, maré, amarração
mar muro, maravilha, mel, marmelo
entre azuis, ouropel, verde-amarelo
seda, âmbar, mate, limonada;
e agora também em sabor caramelo.
Do livro Ossos do ofício
BEIRA-MAR
Prosa poética de Ivo Korytowski
Deitado na praia deserta sob a lua cheia, duas visões se me apresentavam: à esquerda, visão da cidade, horrendo amontoado de blocos cavernosos formando intrincados labirintos. À direita, a bonita visão das águas verde-azuladas, cruel sorvedouro de seres humanos (os salva-vidas que o digam!).
Dor de cotovelo. Puta deprê. Meu amor brigou comigo, me deixou na solidão — a canção do tempo da Jovem Guarda reverbera na minha cabeça. Tempo que cabeça se chamava cuca. Cuca fundida. Tempo que eu era feliz e não sabia.
É doce morrer no mar. Fascínio imemorial pelo mar. Suas profundezas, habitavam-nas entidades: Iemanjá, rainha do mar, Netuno, deus dos mares... O advento da exploração submarina expulsou-os de sua morada, como a exploração espacial despejou São Jorge e o Dragão da lua (a os marcianos de Marte!) Será que ainda resistem em algum plano espiritual (ou outra dimensão física) inacessível aos assédios da técnica?
Àquela mesma hora da madrugada, quantas mulheres, na frieza do leito, curtem saudades do marido velho marinheiro que partiu na escuna pro arrastão em alto mar...
Em tempos idos, quantas lágrimas portuguesas com certeza derramadas, à beira-mar, pelo bem-amado que se partiu por mares nunca dantes navegados — que navegar é preciso.
Sol nascente. Pescadores chegam à praia. As redes repletas de peixes pululantes: chernes, enchovas, sardinhas, uma arraia — saltam, bailam, rodopiam qual trapezista no circo, ou bailarina no teatro. Macabro contorcionismo: vã tentativa de escapar à morte!
É doce viver no mar. Por um instante (qual Pessoa invejoso de um mendigo da rua só por não ser ele, Pessoa), queria ser um desses homens rudes, curtidos de sol e cachaça, que partem, inda madrugada, barra afora, atirar a rede e encher o barco dos frutos do mar. Doce mar de águas tão salgadas.
Prosa poética de Ivo Korytowski
Deitado na praia deserta sob a lua cheia, duas visões se me apresentavam: à esquerda, visão da cidade, horrendo amontoado de blocos cavernosos formando intrincados labirintos. À direita, a bonita visão das águas verde-azuladas, cruel sorvedouro de seres humanos (os salva-vidas que o digam!).
Dor de cotovelo. Puta deprê. Meu amor brigou comigo, me deixou na solidão — a canção do tempo da Jovem Guarda reverbera na minha cabeça. Tempo que cabeça se chamava cuca. Cuca fundida. Tempo que eu era feliz e não sabia.
É doce morrer no mar. Fascínio imemorial pelo mar. Suas profundezas, habitavam-nas entidades: Iemanjá, rainha do mar, Netuno, deus dos mares... O advento da exploração submarina expulsou-os de sua morada, como a exploração espacial despejou São Jorge e o Dragão da lua (a os marcianos de Marte!) Será que ainda resistem em algum plano espiritual (ou outra dimensão física) inacessível aos assédios da técnica?
Àquela mesma hora da madrugada, quantas mulheres, na frieza do leito, curtem saudades do marido velho marinheiro que partiu na escuna pro arrastão em alto mar...
Em tempos idos, quantas lágrimas portuguesas com certeza derramadas, à beira-mar, pelo bem-amado que se partiu por mares nunca dantes navegados — que navegar é preciso.
Sol nascente. Pescadores chegam à praia. As redes repletas de peixes pululantes: chernes, enchovas, sardinhas, uma arraia — saltam, bailam, rodopiam qual trapezista no circo, ou bailarina no teatro. Macabro contorcionismo: vã tentativa de escapar à morte!
É doce viver no mar. Por um instante (qual Pessoa invejoso de um mendigo da rua só por não ser ele, Pessoa), queria ser um desses homens rudes, curtidos de sol e cachaça, que partem, inda madrugada, barra afora, atirar a rede e encher o barco dos frutos do mar. Doce mar de águas tão salgadas.
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