VERA TAVARES


Vera Tavares nasceu na pequena Aracaju - "onde as estrelas brilham com mais intensidade e o sol nasce mais disposto, mais alegre" - mas vive no Rio de Janeiro. Diz Vera: "Do céu recebi o maior e melhor presente - ter nascido poeta. Original passaporte. Aceito em qualquer mundo." O poema abaixo é de seu recente (e surpreendente) livro Camarim do tempo (Oficina do Livro).

SONHO AO CONTRÁRIO

Vive a sonhar o poeta, um viciado.
Sonha de todo jeito: dormindo, acordado,
dentro de um cubo, no ápice de um prisma,
ou simplesmente em linha reta.
Tem uma queda pelas paralelas.
Brinca com as letras:
espreme, estica o alfabeto.

As letras esvoaçantes vão e voltam
e caem numa folha de papel.
Ajeitam-se, pouco a pouco, e formam um verso.
Verso que vira versos. Poeta-criador
— usina de idéias. Idéias hilariantes, mirabolantes.
Poeta-palhaço — vê tudo ao contrário.
Arruma, quando acorda, um por um os paradoxos.

Segue em busca de novas aventuras.
Levam-no, a plagas distantes, os antagonismos.
Mexendo, incitando a memória refazem-se histórias.
Trocam, as palavras, de significado.
Poeta-mágico, semântica retocada,
surpreendente fonte brota, aflora.
No lugar da dor faz nascer o amor.

E o poeta segue viagem no trem de seus sonhos.

LIBERDADE

Sem nenhum mistério,
nem presa a qualquer critério.
Mas nua, nua
tal por Deus moldada.
E desembaraçada, desimpedida
para no céu brilhar. E flutuar
solta redonda estonteante.
Lua nua, lua leve, lua livre.
Livre das algemas dos românticos corações
ou outras atribuições.
Liberta para correr de um lado pra outro.
A qualquer hora transitar
no céu imenso, extenso
sem precisar mudar de cara
— afinar a silhueta, ou
crescer centímetro por centímetro
e ficar imensa de gorda.

Lua, leveza levando alhures
Luz magia e beleza.

DÁDIVA

Desgrudar da terra um dia.
Areia movediça
— luta lida liça.
Livre de fardo voar.
Voar nas asas da liberdade,
Nas promessas do PAI confiar:
As aves não semeiam, nem ceifam,
Nem recolhem nos celeir
os.

Sobrevoar a terra por um dia,
dar de cara com o horizonte,
visitar rios vales montes.
Perder-se na imensidão.
Livre leve lúcido — sonhar.
Sonhar que é lírio-do-campo:
Não trabalham, nem fiam.
Mas curam, adornam, perfumam.

O hoje basta.

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