VINICIUS DE MORAES


Vinicius de Moraes atravessou a vida conjugando opostos. Militante católico na juventude, cheio de freios, moralismo e metafísicas, mais tarde será boêmio convicto, devoto de Mãe Menininha do Gantois. Ocupa cargos diplomáticos de importância em várias capitais e depois se recolhe para uma paz hippie nas areias da Bahia. Nutre simpatias pelo fascismo na década de 1930 e compõe o hino da UNE, União Nacional dos Estudantes, nos anos 60. Múltiplo, sua vida parece às vezes reunir facetas dispersas do temperamento brasileiro. (Da orelha do livro de José Castelo, Vinicius de Moraes: O poeta da paixão. Poema "Revolta", da fase metafísica do poeta, obtido nesse livro. No meu livro Manual do poeta, a ser lançado este ano pela Ciência Moderna, observo que o "Soneto à Lua" é um exemplo perfeito de soneto camoniano, que, além de versos decassílabos, utiliza rimas opostas nos dois quartetos (ABBA/ABBA) e rimas cruzadas nos tercetos (CDC/DCD). Observe que o soneto como um todo utiliza apenas quatro rimas diferentes, A, B, C e D, o que constitui um desafio para o sonetista.)

Revolta

Alma que sofres pavorosamente
A dor de seres privilegiada
Abandona o teu pranto, sê contente
Antes que o horror da solidão te invada.

Deixa que a vida te possua ardente
Ó alma supremamente desgraçada.
Abandona, águia, a inóspita morada
Vem rastejar no chão como a serpente.

De que te vale o espaço se te cansa?
Quanto mais sobes mais o espaço avança...
Desce ao chão águia audaz, que a noite é fria.

Volta, ó alma, ao lugar de onde partiste
O mundo é bom, o espaço é muito triste...
Talvez tu possas ser feliz um dia.

Soneto à Lua

Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas, e sem fim
Quem és, que és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma, que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tão pouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética e indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!

O Poeta Aprendiz

Ele era um menino
Valente e caprino
Um pequeno infante
Sadio e grimpante.
Anos tinha dez
E asas nos pés
Com chumbo e bodoque
Era plic e ploc.
O olhar verde-gaio
Parecia um raio
Para tangerina
Pião ou menina.
Seu corpo moreno
Vivia correndo
Pulava no escuro
Não importa que muro
E caía exato
Como cai um gato.
No diabolô
Que bom jogador
Bilboquê então
Era plim e plão.
Saltava de anjo
Melhor que marmanjo
E dava o mergulho
Sem fazer barulho.
No fundo do mar
Sabia encontrar
Estrelas, ouriços
E até deixa-dissos.
Às vezes nadava
Um mundo de água
E não era menino
Por nada mofino
Sendo que uma vez
Embolou com três.
Sua coleção
De achados do chão
Abundava em conchas
Botões, coisas tronchas
Seixos, caramujos
Marulhantes, cujos
Colocava ao ouvido
Com ar entendido
Rolhas, espoletas
E malacachetas
Cacos coloridos
E bolas de vidro
E dez pelo menos
Camisas-de-vênus.
Em gude de bilha
Era maravilha
E em bola de meia
Jogando de meia-
Direita ou de ponta
Passava da conta
De tanto driblar.
Amava era amar.
Amava sua ama
Nos jogos de cama
Amava as criadas
Varrendo as escadas
Amava as gurias
Da rua, vadias
Amava suas primas
Levadas e opimas
Amava suas tias
De peles macias
Amava as artistas
Das cine-revistas
Amava a mulher
A mais não poder.
Por isso fazia
Seu grão de poesia
E achava bonita
A palavra escrita.
Por isso sofria.
Da melancolia
De sonhar o poeta
Que quem sabe um dia
Poderia ser.

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