A camioneta cruza o deserto da Judeia a pequena distância do
Mar Morto, aproxima-se do oásis de Ein Gedi e, 18 quilômetros à frente, chega a
um enorme platô com 400 metros de altitude, onde se ergueu, antes de Cristo, a
célebre fortificação militar de Massada (nome que significa exatamente
fortaleza, em hebraico). Nela, Herodes, o Grande, que reinou no começo da era
cristã, mandou construir um palácio, para o que reforçou e ampliou o forte. Em
66 d.C., um comando judeu assaltou e conquistou a cidadela, início de uma das
páginas que engrandecem a história desse povo. Para que se guarde sempre o que
houve ali, a Unesco declarou Massada, em 2001, patrimônio cultural da
humanidade.
Atualmente, sobe-se ao topo de funicular, o que faço com a
lembrança do que sobre o episódio conta Érico Veríssimo no seu Israel em abril.
No ano 70, retomada Jerusalém pelos romanos, o governador Flavius Silva ordena
que se dê combate aos 967 judeus – homens, mulheres e crianças – reunidos em
Massada sob o comando de Eliezer Ben Jair. Com estoques de água e comida para
uma longa sobrevivência na solidão das alturas, os judeus resistem por dois
anos ao cerco de dez mil soldados, até que têm de escolher entre a derrota e a
dignidade, a rendição e a honra, como narra o escritor gaúcho e também se pode
ver em Massada, filme de Boris Sagal, com Peter O’Toole no papel do general
romano. Conscientes de que já não há o que fazer, decidem os judeus não dar aos
inimigos o gosto da vitória, e cumprem o pacto que lhes propõe o comandante,
como diz Érico: “Cada um deles liquidou com as próprias mãos sua mulher e seus
filhos. Depois amontoaram as coisas que possuíam e atearam-lhes fogo. Dez deles
foram sorteados para executar os demais companheiros. Cada homem deitou-se ao
lado do cadáver da esposa e dos filhos, abraçou-se com eles e ofereceu a
garganta aos executores. Os dez sobreviventes então liquidaram-se entre si: o
nono matou o décimo, o oitavo matou o nono e assim por diante, até que restou
um único homem no topo de Massada. E essa personagem de tragédia grega se pôs a
vaguear por entre os corpos, para verificar se em algum deles restava ainda
algum vestígio de vida, caso em que ela lhe daria o golpe de misericórdia.
Terminada a horrenda missão, o sobrevivente incendiou o palácio da fortaleza e
por fim suicidou-se, tombando ao lado dos membros de sua família.”
Em outra
versão conta-se que, transpostos os muros, encontraram os romanos duas mulheres
e cinco crianças, como, em 1897, os cinco sobreviventes de Canudos, “na frente dos
quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”, cena grandiosa com que Euclides arremata
a epopeia de Os sertões. Para Érico Veríssimo, a nova geração de judeus, já nascida
em território israelense, vê Massada como exemplo a seguir: “Os jovens sabras, que
desde o estabelecimento do Estado de Israel se têm revelado tão bons soldados, aprendendo
a usar o fuzil, a metralhadora e o canhão para se defenderem de seus inimigos,
não compreendem que os judeus da Europa se tenham deixado humilhar, torturar e
matar nos campos de concentração de Hitler, sem o menor gesto de revolta, numa
passividade de cordeiros. Os sobreviventes desses massacres tentam explicar que
qualquer resistência teria sido não só impossível como também inútil. Replicam
os sabras: ‘Morrer por morrer, é sempre melhor morrer lutando e matando do que
chorando e rezando.’ Estas palavras até certo ponto caracterizam o espírito do
judeu novo de Israel.”
Como Canudos, Massada não se rendeu, com o que Eliezer
Ben Jair deu ao exército invasor a mais amarga das lições, a mais decepcionante
das vitórias. Assim também Antônio Conselheiro, pertencentes, os dois, à grande
espécie de homens para quem é a morte, muitas vezes, o mais digno, o mais
elevado, o mais belo e o mais glorioso triunfo.
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