CRÔNICA ESCRITA EM JULHO DE 2005
As aparências enganam.
Por mais desprendida que seja uma pessoa (pense em Madre Teresa
de Calcutá) sempre haverá alguém que jurará que no fundo no fundo ela não passa
de uma egoísta. E por facínora que seja (pense em Hitler) sempre haverá alguém
para desconfiar que no íntimo até que “ele tinha um bom coração” (“com que
ternura tratava a secretária”).
Quem levou ao paroxismo essa arte de dizer que nada é como
parece foi a psicanálise. Se você diz que gosta, inconscientemente está
detestando. Se você ama, inconscientemente odeia. E por aí vai. Só que a coisa
não é tão mecânica assim. O seu inconsciente não é como os seus cabelos, que
você vê ali no espelho. É, por assim dizer, como o seu coração, que vai batendo
à sua revelia e, de repente, lhe prega uma surpresa. E assim como você entrega
os cuidados do seu coração ao cardiologista, deve entregar os cuidados de seu
inconsciente ao psicanalista. Capice?
Dia desses, descia eu a Nossa Senhora de Copacabana em direção à
Figueiredo refletindo sobre essas filosofices quando deparo, na Praça Serzedelo
Correia (naquele famoso point de
mendigos e meninos de rua), com antigo amigo do tempo da escola, o Renato.
— Há quanto tempo — exclamei.
— Você não morre tão cedo! Estava pensando em você esses dias.
— É mesmo?
— Viu no jornal a história daquele sujeito que colocou na
Internet um vídeo dele transando com a namorada? Parece que ela não sabia que
estava sendo filmada.
— O que que tem o cu a ver com as calças?
— Lembrei que você costumava fazer protestos indignados, que não
fazia sentido a gente ter que comer as putas mercenárias, enquanto nossas
lindas e adoradas namoradas guardavam a virgindade pra... outro!
— Eu tinha umas idéias meio pra frente na época.
— E com aquele seu jeito de rebelde sem causa você ganhava tudo
que era garota!
Conversa vem, conversa vai, de repente vem ao encontro do meu
amigo aquela mulata tipo globeleza.
— Oi, linda. — Dirigindo-se pra mim: — Deixa eu apresentar minha
mulher, Diana.
— Édson, muito prazer.
— Édson é meu amigo do tempo do colégio.
— Velhos tempos.
— Pois é, Édson, temos que ir. Minha mulher tem consulta
marcada. Aqui tem meu cartão, vê se manda um e-mail.
Despedimo-nos. Foi aí que notei o apuro com que meu amigo estava
trajado — sapato de cromo, relógio de ouro. E associei nosso encontro às minhas
reflexões anteriores. Eu que, com meu papo sedutor vivia cercado de gurias, no
fundo no fundo era um tímido e não conseguia namorar nenhuma. E o meu amigo,
cujos traços angulosos e espinhas no rosto espantavam qualquer garota e que,
naquele meio juvenil, era o protótipo do looser, acabou se dando bem na vida, cheio da grana (assim se
afigurava), bem casado — bota bem nisso!
No fundo, no fundo...
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2 comentários:
Essa história tem a mesma moral didática do "Esqueça o que escrevi" e/ou "Às favas com a ética!". Ivo, bem que você poderia desenvolver esse artigo incluindo as teses de que a falta de ética, o esqueçam o que fiz ou escrevi é coisa normal...
Me espanta ver que tem gente que tem paciência para escrever "comentários", mas li e achei muito boa a crônica...sem comentários. (enviado por e-mail e inserido aqui pelo editor do blog)
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