Charles Dickens em óleo sobre tela de Daniel Maclise de 1839 |
O vilão Uriah Heep, que também virou nome de banda de rock |
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Charles Dickens em óleo sobre tela de Daniel Maclise de 1839 |
O vilão Uriah Heep, que também virou nome de banda de rock |
Se a terceira ópera da tetralogia [=conjunto de quatro obras de um autor, ligadas entre si por um tema comum] do anel, Siegfried, terminou em um hollywoodiano final feliz, como vocês viram no terceiro vídeo da série, agora, nesta quarta e última ópera, O Crepúsculo dos Deuses (Götterdämmerung) o encanto se desfaz ou, como dizia minha vovó, “acabou-se o que era doce, quem comeu regalou-se”. A maldição do anel atinge seu clímax com a morte trágica do herói e o cumprimento da profecia da destruição do Valhalla e dos deuses. E o anel, depois de causar tanta desgraça, enfim retorna às suas legítimas proprietárias, as Filhas do Reno, de quem Alberich havia roubado seu ouro, como vimos na primeira ópera.
Hagen |
O primeiro ato começa no palácio dos Gibichungos, governados por Gunther, que tem uma irmã chamada Gutrune. Gunther e Gutrune têm um meio-irmão que o anão Nibelungo Alberich teve com a mãe deles, chamado Hagen.
Como só Siegfried consegue transpor o fogo que cerca o rochedo de Brünhilde, ele usa o Tarnhelm, o elmo mágico que permite mudar de forma, como vimos na primeira ópera, para assumir a aparência de Gunther e “conquistar” Brünhilde para ele. Siegfried não se lembra de que já foi apaixonado pela ex-Valquíria, mas esta lembra perfeitamente e reage com indignação à aproximação do falso Gunther. Ante a resistência de Brünhilde, Siegfried a domina à força e arrebata o anel. Siegfried passa a noite ao lado de Brünhilde, mas com a espada entre eles, em sinal de respeito por seu agora irmão de sangue Gunther.
Antes disso, Brünhilde recebeu a visita da valquíria Waltraute, que narra o sofrimento de Wotan. O deus ordenou que seus nobres derrubassem o freixo do mundo que murchou e trouxesse suas toras para o Walhalla. Lá aguarda, impotente, cercado das demais divindades, o iminente crepúsculo dos deuses. Só um acontecimento conseguirá impedir a tragédia profetizada: a devolução do anel às Filhas do Reno, cessando assim sua maldição. Waltraute pede isso a Brünhilde, mas esta não quer se desfazer daquela prova de amor de Siegfried. Mal imagina a traição em andamento.
O segundo ato começa no palácio dos Gibichungos. Hagen recebe a visita do pai, o Nibelungo Alberich, que o faz jurar que se apoderará do anel de Siegfried. Quando Siegfried e Gunther retornam trazendo Brünhilde prisioneira, esta fica perplexa ao ver que Siegfried vai se casar com Gutrune. Ao avistar o anel no dedo de Siegfried, Brünhilde arma o maior barraco, pois quando Siefried o arrancou de seu dedo, estava sob a forma de Gunther. Ao afirmar que Siegfried lhe pertence como marido, cria um tremendo mal-estar. Tanto Brünhilde como Siegfried juram pela lança de Hagen estarem dizendo a verdade.
Siefried não se deixa abalar pela confusão e prepara-se para o casamento com Gutrune. Hagen consegue arrancar de Brünhilde o segredo do ponto fraco de Siegfried. Como Siegfried nunca dá as costas ao inimigo, suas costas são seu ponto fraco, seu “calcanhar de Aquiles”. Hagen planeja uma caçada no dia seguinte onde assassinará Siegfried e dirá que ele foi abatido por um javali. Assim termina o segundo ato.
O terceiro ato começa com a caçada no bosque. Siegfried se extravia dos companheiros e depara com as Filhas do Reno, que pedem que devolva o anel e com isso rompa a maldição. Ele se nega, e elas preveem sua morte nesse mesmo dia. Pela segunda vez uma chance de romper a maldição do anel não é aproveitada. Quantas chances os seres humanos, em sua insensatez, perdem na vida. Hagen oferece a Siegfried uma poção que anula o efeito da poção anterior, e o herói conta toda a sua história, que nós acompanhamos a partir da terceira ópera e não precisamos repetir aqui. Num momento em que Siegfried dá as costas para Hagen a fim de observar um corvo, o sinistro filho do Nibelungo aproveita para assassiná-lo. Ao agonizar, Siegfried reafirma seu amor por Brünhilde. A orquestra toca então a famosa marcha fúnebre de Siegfried que também é tocada em concertos sinfônicos fora da ópera. Você pode ouvir no YouTube, tem várias versões.
Quando os caçadores retornam trazendo o corpo do herói, Brünhilde não acredita na história do javali e Hagen acaba sendo desmascarado pelo meio-irmão Gunther, matando-o. As pretensões de Hagen sobre o anel são frustradas por Brünhilde, que manda preparar uma grande pira funerária onde o corpo do herói será queimado. Durante a cerimônia da cremação, ela se lança, em seu cavalo, sobre a pira, imolando-se. O fogo purifica o anel, livrando-o da maldição. O Rio Reno então sobe do leito trazendo as Filhas do Reno que enfim recuperam o anel. Depois de quatro horas e meia de ópera, para o deleite dos melômanos e tortura dos esnobes que foram lá só para ser exibirem e fingirem que são cultos, a maldição enfim chegou ao fim, mas a profecia se cumpriu: ao fundo, o Valhalla arde em chamas. Isto na concepção original de Wagner como vocês podem ver neste cenário de 1894 porque hoje em dia os diretores, querendo inovar, criam uns finais esdrúxulos que não têm nada a ver, como você poderá conferir assistindo às montagens disponíveis no YouTube.
[1] Treu berath'ner Verträge Runen / schnitt Wotan in des Speeres Schaft
Vimos nos dois vídeos anteriores como o anão Nibelungo Alberich se apossou do ouro do Reno e com ele forjou um anel que concede poderes especiais e um elmo que permite mudar de forma ou ficar invisível. O deus Wotan, auxiliado pelo semideus Loge, mediante um estratagema arrebatam o anel e o resto do tesouro do anão. Mas precisa entregá-lo aos gigantes Fafner e Fasolt como pagamento pela construção da morada dos deuses, o Walhalla. O Nibelungo lança uma maldição sobre o anel. Fafner mata Fasolt e transforma-se em dragão [Fafner na forma de um dragão] para melhor guardar o tesouro.
Com a deusa Erda, Wotan gerou as Valquírias, que conduzem os heróis mortos em batalha para o Valhalla. E com uma mulher mortal teve dois gêmeos, Siegmund e Sieglinde. Os irmãos se apaixonam e, como castigo, Sigmund morre em duelo e Sieglinde foge, grávida do irmão, para uma floresta, acobertada pela Valquíria Brünhilde. Leva consigo os destroços de uma espada mágica que Wotan havia enterrado num tronco e Siegmund conseguira arrancar. A Valquíria, castigada por Wotan, perde a imortalidade e permanecerá adormecida até que um herói a desperte.
Valquíria Brünhilde |
Mime e Siegfried |
Siegfried vê sua imagem refletida na água |
1) Qual raça reúne-se nas profundezas da terra (welches Geschlecht tagt in der Erde Tiefe)? Resposta: Os Nibelungos, habitantes de Nibelheim.
2) Qual raça mora sobre as costas da terra (welches Geschlecht wohnt auf der Erde Rücken)? Resposta: Os gigantes, que moram em Riesenheim.
3) Qual é a raça que habita as alturas nubladas (welches Geschlecht wohnt auf wolkigen Höh’n)? Resposta: Os deuses, que habitam o Valhalla.
Agora a situação se inverte: Wotan faz três perguntas a Mime, que perderá sua cabeça se não conseguir responder.
A primeira pergunta é: Contra qual raça Wotan agiu mal mas, mesmo assim, é a mais querida por ele (Welches ist das Geschlecht, dem Wotan schlimm sich zeigte, und das doch das Liebste ihm lebt)? Resposta: Os Volsungos, raça de Siegmund e Siegfried.
Segunda pergunta: Qual espada Siegfried deve usar para matar o dragão Fafner e assim se apoderar do anel (Welches Schwert muß Siegfried nun schwingen, taug’ es zu Fafners Tod)? Resposta: A espada que Wotan encravou num tronco e que agora, em fragmentos, está sob a guarda de Mime.
Terceira pergunta: Quem Mime acha que forjará a espada a partir daqueles fragmentos (wer wird aus den starken Stücken Nothung das Schwert, wohl schweißen)? Mime confessa não saber a resposta, pois se julga incapaz de forjá-la. Wotan o repreende por ter feito perguntas inúteis quando poderia ter aproveitado para esclarecer esse ponto, e faz uma revelação: “Somente aquele que nunca conheceu o medo forjará a espada novamente” (Nur wer das Fürchten nie erfuhr, schmiedet Nothung neu.).” E embora ganhasse a aposta, Wotan poupa a cabeça de Mime, deixando-a para esta mesma pessoa que nunca aprendeu a ter medo (verfallen lass’ ich es dem, der das Fürchten nicht gelernt!). Que é o próprio Siegfried. Esta foi a segunda cena do primeiro ato.
No início da terceira cena, Siegfried vem cobrar de Mime a restauração da espada que está em fragmentos. Mime lembra as palavras do Andarilho de que perderá a cabeça para quem nunca conheceu o medo. A única saída é incutir o medo em Siegfried e para isto o levará até o dragão Fafner, em Neidhöhle. Mas Siegfried quer levar consigo a espada deixada pelo pai e, mesmo sem experiência na arte de trabalhar com metais, por não conhecer o medo consegue recuperá-la. Mime prevê que seu pupilo conseguirá arrebatar o anel e tesouro do dragão e conspira para se apoderar deles. Prepara uma poção venenosa que ministrará a Siegfried quando este estiver cansado, após a luta com o monstro.
A espada recuperada |
O dragão |
Siegfried mata o dragão |
Siegfried e a valquíria adormecida |
Na segunda cena do último ato, Wotan depara com Siegfried, que seguiu o pássaro até o local onde dorme a Valquíria. Siegfried o trata com desdém, chegando a ameaçá-lo. Wotan tenta impedir Siegfried de ir ao encontro da Valquíria. Quem a despertar e conquistar privará Wotan do seu poder (wer sie erweckte, wer sie gewänne, / machtlos macht er mich ewig!). Mas Siegfried desafia o deus e o ataca espada em riste, quebrando-lhe a lança, a mesma que quebrara a espada nas mãos de Siegmund. Ele sobe o rochedo, enfrenta o fogo e depara com a Valquíria adormecida De início, pensa que é um soldado, mas ao retirar o elmo vê que é uma mulher, a primeira mulher que vê na vida. No início ela reluta em desposar o herói, pois como Valquíria não poderia amar um mortal, mas depois se recorda de que foi castigada e perdeu a imortalidade e se entrega ao amor humano, a ópera se encerrando com um final feliz.
Freia, deusa do amor e guardiã das maçãs douradas da eterna juventude. |
os gigantes brigam pelo anel |