No Capítulo XXI de Quincas Borba, na viagem de trem de Barbacena ao Rio de Janeiro, Rubião observa que, “para quem estava acostumado a costa de burro, a estrada de ferro cansava e não tinha graça; não se podia negar, porém, que era um progresso...”
De progresso em progresso, descartamos o zepelim, o transatlântico, a maria-fumaça, o bonde (com a honrosa exceção do bondinho de Santa Teresa, o último dos moicanos). Viajamos espremidos na classe turística de monstruosos aviões. As atrações turísticas se sucedem qual programas de televisão sob a batuta do controle remoto: chegada em Paris, translado ao hotel, à tarde, city tour pelos principais monumentos, à noite, espetáculo no Lido, manhã seguinte, Museu do Louvre (correria pelos quadros mais “famosos”)...
Tudo muito vertiginoso. Um progresso, não se pode negar. Mas cá entre nós: pra conhecer uma cidade, você tem de caminhar por ela, sentir-lhe o burburinho, os odores, os sabores, o colorido, a paisagem humana.
Com o advento do assalto à mão armada, do poder paralelo dos traficantes, dos arrastões e tiroteios, passamos a temer nossa própria cidade maravilhosa e perdemos o costume de “andar por aí”, “sem lenço, sem documento”. Algumas páginas da literatura talvez nos inspirem a retomarmos esse hábito.
No conto machadiano "O Erradio", o personagem principal é um andarilho urbano. “Ia a toda parte; era comum achá-lo nos lugares mais distantes uns dos outros, Botafogo, São Cristóvão, Andaraí. Quando lhe dava na veneta, metia-se na barca e ia a Niterói. Chamava-se a si mesmo erradio.” Uma noite, após sair no meio de uma peça de teatro e tomar chá (!) no botequim próximo até o fechar das portas, Elisário (assim se chamava o Erradio) vai a pé do centro a São Cristóvão, percorrendo um Rio antigo em grande parte destruído pela abertura da Avenida Presidente Vargas e pelo aterro do Cais do Porto:
Ainda o apanhei na Rua dos Ciganos [atual rua da Constituição]. Ia devagar, com a bengala debaixo do braço, e as mãos ora atrás, ora nas algibeiras das calças. Atravessou o Campo da Aclamação [atual Praça da República], enfiou pela Rua de S. Pedro [Avenida Presidente Vargas] e meteu-se pelo Aterrado acima [nome genérico de boa parte do trajeto do Campo de Santana, Av. Presidente Vargas e Av. Francisco Bicalho]. Chegamos assim à ponte do Aterrado, enfiamos por ela, desembocamos na Rua de S. Cristóvão. Ele algumas vezes parava, ou para acender um charuto, ou para nada. Tudo deserto, uma ou outra patrulha, algum tílburi, raro, a passo cochilado, tudo deserto e longo. Assim chegamos ao cais da Igrejinha [a Igreja de São Cristóvão, que ficava à beira mar]. Após alguns minutos, quando me pareceu que ia voltar pelo mesmo caminho, acordou os remadores de um bote, que de acaso ali dormiam, e propôs-lhes levá-lo à cidade.
Quem leva à perfeição a arte de flanar pelo Rio antigo é Pedro Nava, que em sua obra autobiográfica descreve longos passeios pela Glória, Santa Teresa, Centro, São Cristóvão, Rio Comprido na primeira metade do século XX. E Helio Brasil, em seu primoroso livrinho São Cristóvão, sugere ao leitor “demorar sua observação em alguns cantos do bairro. Quem sabe, até realizar caminhadas para descobertas de encantos imprevisíveis...”
De progresso em progresso, descartamos o zepelim, o transatlântico, a maria-fumaça, o bonde (com a honrosa exceção do bondinho de Santa Teresa, o último dos moicanos). Viajamos espremidos na classe turística de monstruosos aviões. As atrações turísticas se sucedem qual programas de televisão sob a batuta do controle remoto: chegada em Paris, translado ao hotel, à tarde, city tour pelos principais monumentos, à noite, espetáculo no Lido, manhã seguinte, Museu do Louvre (correria pelos quadros mais “famosos”)...
Tudo muito vertiginoso. Um progresso, não se pode negar. Mas cá entre nós: pra conhecer uma cidade, você tem de caminhar por ela, sentir-lhe o burburinho, os odores, os sabores, o colorido, a paisagem humana.
Com o advento do assalto à mão armada, do poder paralelo dos traficantes, dos arrastões e tiroteios, passamos a temer nossa própria cidade maravilhosa e perdemos o costume de “andar por aí”, “sem lenço, sem documento”. Algumas páginas da literatura talvez nos inspirem a retomarmos esse hábito.
No conto machadiano "O Erradio", o personagem principal é um andarilho urbano. “Ia a toda parte; era comum achá-lo nos lugares mais distantes uns dos outros, Botafogo, São Cristóvão, Andaraí. Quando lhe dava na veneta, metia-se na barca e ia a Niterói. Chamava-se a si mesmo erradio.” Uma noite, após sair no meio de uma peça de teatro e tomar chá (!) no botequim próximo até o fechar das portas, Elisário (assim se chamava o Erradio) vai a pé do centro a São Cristóvão, percorrendo um Rio antigo em grande parte destruído pela abertura da Avenida Presidente Vargas e pelo aterro do Cais do Porto:
Ainda o apanhei na Rua dos Ciganos [atual rua da Constituição]. Ia devagar, com a bengala debaixo do braço, e as mãos ora atrás, ora nas algibeiras das calças. Atravessou o Campo da Aclamação [atual Praça da República], enfiou pela Rua de S. Pedro [Avenida Presidente Vargas] e meteu-se pelo Aterrado acima [nome genérico de boa parte do trajeto do Campo de Santana, Av. Presidente Vargas e Av. Francisco Bicalho]. Chegamos assim à ponte do Aterrado, enfiamos por ela, desembocamos na Rua de S. Cristóvão. Ele algumas vezes parava, ou para acender um charuto, ou para nada. Tudo deserto, uma ou outra patrulha, algum tílburi, raro, a passo cochilado, tudo deserto e longo. Assim chegamos ao cais da Igrejinha [a Igreja de São Cristóvão, que ficava à beira mar]. Após alguns minutos, quando me pareceu que ia voltar pelo mesmo caminho, acordou os remadores de um bote, que de acaso ali dormiam, e propôs-lhes levá-lo à cidade.
Quem leva à perfeição a arte de flanar pelo Rio antigo é Pedro Nava, que em sua obra autobiográfica descreve longos passeios pela Glória, Santa Teresa, Centro, São Cristóvão, Rio Comprido na primeira metade do século XX. E Helio Brasil, em seu primoroso livrinho São Cristóvão, sugere ao leitor “demorar sua observação em alguns cantos do bairro. Quem sabe, até realizar caminhadas para descobertas de encantos imprevisíveis...”
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3 comentários:
quelle nostalgie d'une superbe promenade!
beijos
a turma do Catete
Ivo, me deu saudades de Machado, do Rio que não conheci e daquele onde vivi em paz. Aí,idéia salvadora, fui pra rua cheia de gente, os novos cafés, livrarias, os lindos quiosques de flores e tantas belezas por aí, à vista e à mão, acabei uma machadiana do presente.
Beijoca,
Mariza
Ivo,
Como flui bem seu texto, que prazer ler você!
Vou comprar seus livros. Parabéns!
Marilia
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