Alexei Bueno é autor (entre várias outras obras de peso) da maravilhosa (e recém-lançada) Uma história da poesia brasileira. Precisa dizer mais? Precisa: a revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, incluiu Alexei no rol dos 20 melhores poetas brasileiros vivos no final do século XX.
SETE POEMAS DA LAPA
LAPA
Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as putas
Entre uma e outra briga.
Como virei copos
E extingui charutos,
Discuti com brutos,
Vaiei misantropos.
Urinei nas pias,
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias.
Velha, velha casa,
Como ainda és a mesma.
(Não tens dentro a lesma
Que nos funda e abrasa.)
19-9-2004
I. M. L
Na porta do boteco
Com flores de coroas
Que oferta às moças boas
Ele ergue o seu caneco
De alumínio gravado
Com o escudo do seu time,
E conta o último crime,
E olha o bordel fechado.
Sorrindo, no balcão,
Beberica e, prudente,
Fita a vaga onde, em frente,
Deixou o rabecão.
Então, se há um que lhe peça
Que lembre do seu carro,
Diz, dando um grosso escarro:
— Defunto não tem pressa.
21-9-2004
FAIT DIVERS
Carlinhos, o segurança,
O terror da Mem de Sá,
Trocou tiros num mafuá
Com o Fuinha, em plena dança.
O Fuinha perdeu a perna.
Depois morreu, no hospital.
O membro encaixou bem mal
No corpo, o que até consterna.
Carlinhos, pior que o Fuinha,
Pagou na hora o seu erro.
Três tiros. No seu enterro
Só foi a sua mãezinha.
21-9-2004
GLÓRIA
Bêbado, às duas da manhã,
Parei na loja de ovos e aves.
Subi na grade e, em grande afã,
Cacarejei, de ecoar nas traves.
Os galos todos acordaram
Cheios de brio e, num só coro,
Com seu cacarejo enfrentaram
O meu, mais forte, mais sonoro.
Saltavam todas as galinhas.
Penas voavam loja afora.
Ligavam luzes nas vizinhas
Casas. Parti. Criara a aurora.
21-9-2004
LÁZARO
Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.
De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.
Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.
Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.
Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.
21-9-2004
NOTURNO
Sobre os seus saltos, sob a lua cheia,
Os travestis desfilam como garças,
Farsa carnal em meio às outras farsas
Que o mundo absurdo no aéreo chão semeia.
São deusas-mães usando liga e meia,
De ancas imensas, madeixas esparsas,
De enormes seios, piscando aos comparsas,
Buscando otários para a escusa teia.
São Vênus neolíticas chamando
Sombras confusas, entre os cães sem casa
E os negros ébrios. Seu barroco bando
Volveu, pulsante, dos tetos das grutas,
E anda na névoa, como numa vasa,
Rotundas popas balouçando enxutas.
28-10-2004
TROTTOIR
Os homens vão e vêm na íris das putas
E nenhum pára.
Nenhum ouve suas vozes dissolutas
Nem as encara.
São inúteis as frases mais argutas
Ou sobre a cara
A tinta, o pó. E a vida, quantas lutas,
Como está cara!
Ao longe os filhos, os filhos das putas
Com ladrões, ou pinguços, ou recrutas,
Na noite avara
Dormem cingindo palhaços birutas,
Bonecas louras relesmente hirsutas
Que a lua aclara.
12-11-2004
LAPA
Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as putas
Entre uma e outra briga.
Como virei copos
E extingui charutos,
Discuti com brutos,
Vaiei misantropos.
Urinei nas pias,
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias.
Velha, velha casa,
Como ainda és a mesma.
(Não tens dentro a lesma
Que nos funda e abrasa.)
19-9-2004
I. M. L
Na porta do boteco
Com flores de coroas
Que oferta às moças boas
Ele ergue o seu caneco
De alumínio gravado
Com o escudo do seu time,
E conta o último crime,
E olha o bordel fechado.
Sorrindo, no balcão,
Beberica e, prudente,
Fita a vaga onde, em frente,
Deixou o rabecão.
Então, se há um que lhe peça
Que lembre do seu carro,
Diz, dando um grosso escarro:
— Defunto não tem pressa.
21-9-2004
FAIT DIVERS
Carlinhos, o segurança,
O terror da Mem de Sá,
Trocou tiros num mafuá
Com o Fuinha, em plena dança.
O Fuinha perdeu a perna.
Depois morreu, no hospital.
O membro encaixou bem mal
No corpo, o que até consterna.
Carlinhos, pior que o Fuinha,
Pagou na hora o seu erro.
Três tiros. No seu enterro
Só foi a sua mãezinha.
21-9-2004
GLÓRIA
Bêbado, às duas da manhã,
Parei na loja de ovos e aves.
Subi na grade e, em grande afã,
Cacarejei, de ecoar nas traves.
Os galos todos acordaram
Cheios de brio e, num só coro,
Com seu cacarejo enfrentaram
O meu, mais forte, mais sonoro.
Saltavam todas as galinhas.
Penas voavam loja afora.
Ligavam luzes nas vizinhas
Casas. Parti. Criara a aurora.
21-9-2004
LÁZARO
Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.
De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.
Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.
Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.
Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.
21-9-2004
NOTURNO
Sobre os seus saltos, sob a lua cheia,
Os travestis desfilam como garças,
Farsa carnal em meio às outras farsas
Que o mundo absurdo no aéreo chão semeia.
São deusas-mães usando liga e meia,
De ancas imensas, madeixas esparsas,
De enormes seios, piscando aos comparsas,
Buscando otários para a escusa teia.
São Vênus neolíticas chamando
Sombras confusas, entre os cães sem casa
E os negros ébrios. Seu barroco bando
Volveu, pulsante, dos tetos das grutas,
E anda na névoa, como numa vasa,
Rotundas popas balouçando enxutas.
28-10-2004
TROTTOIR
Os homens vão e vêm na íris das putas
E nenhum pára.
Nenhum ouve suas vozes dissolutas
Nem as encara.
São inúteis as frases mais argutas
Ou sobre a cara
A tinta, o pó. E a vida, quantas lutas,
Como está cara!
Ao longe os filhos, os filhos das putas
Com ladrões, ou pinguços, ou recrutas,
Na noite avara
Dormem cingindo palhaços birutas,
Bonecas louras relesmente hirsutas
Que a lua aclara.
12-11-2004
Um comentário:
O poeta Alexei Bueno canta a Lapa
Seus versos bem talhados
Mas, com inspiração,
Desenham-nos sobrados
Em imagens que se vão...
Pintam a Lapa antiga
À noite e as prostitutas,
Têm sons de uma cantiga,
Cantada em meio às putas,
Têm cheiro de cachaça,
Cigarro e pó de arroz;
Relatam, pois, com graça,
O que me embarga a voz...
Bem faz o poeta agora,
Diante dos velhos arcos...
Em mim, meu pranto chora
Momentos hoje parcos...
By Ineifran Varão - 23/08/12
http://ineifran.blogspot.com
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