AUGUSTO DOS ANJOS


Curioso, no mínimo, o que se passa com o poeta Augusto dos Anjos. Reconhecidamente, poeta de difícil, muito complexo, vocabulário, a exigir conhecimentos ora puramente científicos, ora filosóficos, para justa e ampla compreensão de seus escritos, poeta cujos versos acabam resultando, por vezes, herméticos e de sofrida "tradução", este mesmo poeta acaba se transformando em escritor dos mais conhecidos, muito lido, e, aqui o mais surpreendente, "decorado", declamado pelo público leitor (ou não).
[...]

Augusto dos Anjos é autor de um só livro, e de um livro que se chama Eu. Indicação curiosa para que vejamos nessa circunstância um autor que, evidentemente, deveria descrever um universo cujo centro era sua própria pessoa. E, interessante, este universo augusto-cêntrico é apresentado dentro de uma avassaladora maioria de versos decassílabos, de tal modo que poderíamos dizer que toda poesia de Augusto é feita em decassílabos, tão raros e tão pouco numerosos os que não têm dez sílabas. Ora, devemos notar que a leitura desses versos nos traz a todo momento a repetição das mesmas idéias. Só o gênio do poeta — dando roupagem a esse pequeno número de idéias — é que faz do livro um dos de maior aceitação entre todos os de poetas brasileiros, além de isolá-lo entre os demais de nossa literatura. (Ivan Cavalcanti Proença, Antologia poética de Augusto dos Anjos)

VENCEDOR

Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E à rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração — estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma
Nenhum pôde domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pôde domá-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

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