SALOMÃO ROVEDO


Poeta, contista, romancista, nascido em João Pessoa em 1942 e desde 1963 residindo no Rio: é tudo que sei de Salomão Rovedo. Descobri-o no Jornal de Poesia (clique) ao procurar no Google poemas sobre Copacabana.

OS MARES

Mar primordial.
Mar principalmente carioca.

Origem e fim de tudo,
bate no Rio de Janeiro
mandado por Iemanjá
ou por Posídon.
Banha Uiaras de areia,
engole atrevidos, ousados.

Mar de cores impuras,
que manda a saúde embora.
Bendito seja o fruto
do teu profundo ventre,
zelai os pescadores.

Trazei no toldo das ondas
o alimento de todos os dias,
o sal amargoso do batismo,
o sal da fé e da vida.

Mar que aceita surfistas,
travessos amantes notívagos,
ambos enfeitiçados
pelo encanto das sereias.
Barcos, iates, saveiros,
mar de engolir navios.

Mar de desertos e praias:
Copacabana – verde de musgo,
Arpoador – altar de beleza,
Ipanema – convite ao carinho,
Leblon – caminho da Barra.

Grande ventre de silêncios,
algas negras que geram
moléculas viscerais,
amniótico líquen,
negro ventre abençoado,
rezai por nós predadores.

Mar perdido por meandros
das praias do Recreio,
lagoas, seios, pântanos,
coxas, restinga de Vênus,
rumo a outros litorais.

Mar de liturgias e orações,
mar essencial, onde navegam
pensamentos e pirilampos,
mar que é rio, mar de rosas,
mar da antropogênese de nós.

STELLA LEONARDOS

A obra poética de Stella Leonardos da Silva Lima Cabasse é multiforme, rica na experimentação de várias linguagens, tendo se dedicado, nos últimos tempos, ao romanceiro, cancioneiro e a rapsódia, onde o histórico e as tradições populares, dos vários recantos do Brasil, lhe servem de substrato para o que alguns críticos literários já chegaram a situar como seu neotrovadorismo. [...]

Varias vezes premiada, homenageada com medalhas e outras distinções, a atividade literária e cultural de Stella Leonardos começa na década de 50, quando lança Poesia em três tempos (1956), que conquista o Prêmio Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras. E durante as quatro décadas seguintes não parou mais, em destaque outros livros de poesia: Rio cancioneiro (1960), Cancioneiro de Natal (1964), Cantares na antemanhã (1970), Cancioneiro romeno (1972), e daí em diante desenvolvendo seu Projeto Brasil, ou seja, dedicando a cada estado um cancioneiro ou uma rapsódia. (Da quarta capa de Saga do planalto.)



ERNESTO ROQUE: TE LEMBRAS?

(Nota: Ernesto Roque dos Santos foi um seresteiro de Diamantina.)

Nas noites de Diamantina
entre serestas sonhantes
passa o jovem Juscelino.

Lento passo, devaneando.

(Morena da luta nova!

"Quem ama para dar provas
Deve três cousas cumprir:
Tocar violão, fazer trovas,
Havendo luar não dormir".

Morena da lua nova!

Não me põe assim à prova,
não despreza meu sentir.
Deste amor não te dou prova?
Três coisas não sei cumprir?
Ao violão não faço trova?
Se faz lua: vou dormir?)

Nas noites de Diamantina
passa o jovem Juscelino
na passada largoandante,
o coração seresteando.

No céu: lágrimas? diamantes?

(Do livro Saga do planalto)

MENINO ARRIEIRO

Por uma antiga vereda
que envereda em bosque verde
vem vindo o menino arrieiro:

— Minha lua, luazinha,
luz um pouco esse teu luar,
luz uma luz pequenina,
luz capaz de me enluarar!

Bandos de sombras espiam,
conspiram pelo caminho,
vão perseguindo o menino.

— Eu trago dois cavalinhos
que não podem ser roubados:
são pequenos e retintos.
Padre Vlad há de comprá-los.

Um clarão arde no muro,
bruxoleia e tenta, bruxo,
tornar o menino mudo.

— Arreda, lua, o perigo!
Eu te darei de penhor
à entrada de meu redil,
uma fresca manjedoura...

Surge vulto mal-assombro.
Vovô Cotoaranza assoma?
O canto menino some.

Mas — sorriso que alumia —
a lua vem aclarar.
Dilui o bruxo sombrio.
E o menino ri ao luar.

(Do livro Cancioneiro romeno)