ESCADA DE MINHA MANSARDA, de GUILHERME DE ALMEIDA


Íngreme, estreita, escura e curva é a escada que sobe para minha mansarda.

Capaz de desanimar os velhos fôlegos cardíacos, nunca, entretanto, intimidou meu já muito vivido coração. Pelo contrário: leva-me leve, alado como os anjos da escada de Jacó.

Jamais me arrependi de tê-la subido. Sempre me arrependi de tê-la descido. Porque é mesmo uma ascensão ir pelos seus degraus acima: um desprendimento do rasteiro, numa ânsia de quietude, isolamento e sonho, para o pleno ingresso nos meus Paraísos Interiores. E porque é sempre uma degringolada ir pelos degraus abaixo: uma humilhante devolução ao mundo de todo o mundo, uma expulsão de réprobo atirado impiedosamente às ganas da caterva.

Escada de minha mansarda...

Chego, pesado, do dia cretino e pornográfico, esbanjado entre interesses desinteressantes, palavrórios e palavrões, mandos e desmandos, incompreensíveis incompreensões...

Chego. O fardo é exaustivo. Enfrento a escada. Parado, um instante, deixo ir por ela o olhar e o pensamento. Já isso é um alívio. O mundo, que eu piso, assume, então, certa importância: a de um capacho. Na sua áspera fibra limpo a sola dos meus sapatos. Lá, no topo, está a libertação.

E subo, contando os degraus, que vão ficando cada vez mais fáceis. E eu vou ficando cada vez mais leve.  Mais fáceis...  Mais leve...  Mais...

Pronto!

Aqui não há leis: nem mesmo a da gravitação terrestre.

Aqui é um ponto fixo no espaço. Talvez aquele por que suspirava Arquimedes: — “Dê-me um ponto fixo no espaço que, com uma alavanca, eu moverei a terra!”

Eu tenho esse ponto. E basta. Não quero alavanca. Porque a terra não me interessa.

Casa de Guilherme de Almeida em São Paulo


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