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DOIS CRAQUES GRAPIÚNAS* NA ELITE DO FUTEBOL BRASILEIRO de CYRO DE MATTOS**


América - Campeão Mineiro - 1948. Em pé : Humaitá , Lazzarotti, Esteves, Aldo Gaia, Lusitano. Agachados: Valinho, Nandinho, Fernando, Celso, Murilinho

Refiro-me a Nandinho e Tuta, dois jogadores grapiúnas que brilharam na elite do futebol brasileiro, na época do pré-estádio do Maracanã. Os jogos mais importantes no Rio eram realizados até então em São Januário, o maior estádio de futebol carioca. O futebol nacional vivia a transição do amadorismo para o profissional.

O jogador Nandinho atuou no Flamengo, formando com Zizinho e Pirilo o célebre trio do primeiro tricampeonato do rubro-negro carioca. No entanto, deu seus primeiros passos no caminho do futebol jogando pelada no campo das pastagens de Berilo Guimarães, em Itabuna. Foi para Salvador e ingressou no time juvenil do Bahia onde mais tarde faria parte da equipe profissional. Sagrou-se campeão no time profissional do tricolor baiano em 1940. Quando retornava a Itabuna, treinava para manter a forma no Campo da Desportiva. Do Bahia transferiu-se para o Flamengo. Depois de passagem destacada no rubro-negro carioca foi jogar no América mineiro onde se sagrou campeão e se tornou ídolo em várias temporadas.

O jogador Tuta veio de Uruçuca, antiga Água Preta. Atuou no futebol de Ilhéus e de Itabuna, onde vestiu a camisa da Associação, poderoso time que dominou o futebol amador do Sul da Bahia na década de 40. Foi jogar em Salvador no Bahia e, no tricolor baiano, sagrou-se também campeão. De lá chegou ao Vasco da Gama, na época em que o esquadrão de São Januário formou um dos times mais importante de sua história, conhecido como Expresso da Vitória. Nessa equipe lendária, jogavam Barbosa, Augusto, Ely, Danilo, Friaça, Ademir Menezes e Chico, que foram servir à Seleção Brasileira de 1950, vice-campeã mundial.

Vasco da Gama – Torneio dos Campeões – Minas Gerais - 1948. Em pé: Rafanelli, Barbosa, Augusto, Ely, Jorge e Danilo; Agachados: Djalma, Maneca, Friaça, Tuta, Chico e o massagista Mário Américo.

Importa lembrar que o grande derby do futebol mineiro era América e Atlético até meados de 1960. O Cruzeiro ainda não havia surgido como uma potência do futebol brasileiro, com aquele famoso time integrado pelo goleiro Raul, os craques Tostão e Dirceu Lopes, Natal, Zé Carlos e Euvaldo. O América chegou a se sagrar dez vezes campeão na época que o seu grande rival era o Atlético.

Para comemorar a reinauguração do Estádio da Alameda, modernizado e ampliado em março de 1948, de cinco mil para 15 mil espectadores, o América promoveu um torneio quadrangular, que ficou conhecido como o Torneio dos Campeões. A disputa reuniu os campeões estaduais de Rio de Janeiro (Vasco), de São Paulo, representado pelo São Paulo, Minas Gerais pelo Atlético, campeão dois anos antes, além do anfitrião América, que se sagrou campeão do torneio e de Minas Gerais, no final daquele ano.

Nandinho fez parte do esquadrão do América, campeão mineiro em 1948, que tinha como técnico o polêmico Yustrich. Já Tuta jogou no Vasco da Gama, que tinha como técnico Flávio Costa, no Torneio dos Campeões , realizado naquele mesmo ano em Belo Horizonte.

Enquanto isso, em 1949 o time do Arsenal, o mais popular da Inglaterra, fez uma excursão ao Brasil onde em São Paulo enfrentou o Corinthians, derrotando-o, e o Palmeira, que conseguiu um empate a duras penas. Restava enfrentar o Vasco e o Flamengo no São Januário, o gigante da colina. Na noite de 25 de maio de 1949, uma quarta-feira, São Januário recebeu o maior público de sua história, no amistoso entre o Vasco e o Arsenal.

A excursão do time britânico era cercada de grande expectativa. Havia uma mística, que corria no tempo, alardeando que o time britânico era o melhor do mundo, e os próprios ingleses julgavam-se  os donos do futebol, pois foram eles os inventores desse esporte. Por tudo isso, a partida entre Vasco e Arsenal foi cercada de um interesse enorme, adquirindo até um sabor de decisão de mundial de clubes, uma vez que, no ano anterior, o Vasco havia conquistado o título de campeão sul-americano  invicto, no torneio realizado no Chile. Para enfrentar o time da Inglaterra, o Vasco (foto abaixo) entrou em campo com uma das formações mais fortes da sua história, saindo vencedor da partida por um a zero, gol de Nestor aos 33 minutos do segundo tempo. E o baiano grapiúna Tuta participou desse time lendário do gigante da colina.

Time do Vasco da Gama que Derrotou o Arsenal em 1949. Em pé, Eli, Augusto, Jorge, Danilo, Barbosa e Sampaio; agachados, Mário Américo (massagista), Nestor, Maneca, Ademir, Ipojucan e Tuta.

*Grapiúna é o nascido no Sul da Bahia, na época da conquista da terra e do povoamento. E o que se identifica com uma civilização singular forjada pela lavoura do cacau, ao longo dos anos.

** Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Membro efetivo do Pen Clube do Brasil e Academia de Letras da Bahia. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha e Espanha. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia)

GRANDES DERROTAS DO FUTEBOL BRASILEIRO, de CYRO DE MATTOS



Febre, paixão, religião. O nosso futebol rendeu jornadas gloriosas. Lá comparecemos, numa atitude imbatível, a desfrutar a grandeza perene do pódio. Como é bom lembrar que fomos campeões mundiais de futebol em 1958, 1962, 1970, 1984 e 2002. Que maravilha! Cinco maravilhas, melhor dizendo.

O futebol brasileiro gosta de escrever sua história no extremo. Desceu horrível uma ladeira várias vezes, fomos parar no fundo do poço. Sé então, nesse momento do buraco negro, é que nos lembramos que nos outros países há gente que também sabe jogar futebol. Como nós, gente que veste os meiões, calção e camisa numerada atrás, calça a chuteira e entra em campo para ganhar, empatar ou perder. Uma coisa você vai concordar comigo, somente o jogador brasileiro sabe improvisar o lance, de tão artista parece ter feitiço com o pé na bola. Cada golaço, difícil de acreditar, de tão incrível e bonita que é a conclusão fatal da jogada.

A primeira catástrofe do futebol brasileiro aconteceu na Copa do Mundo de 1950, no Maracanã. Já vão longe aqueles idos. O Brasil jogava pelo empate. Um gol fazia balançar o estádio com duzentas mil pessoas. Foi de Friaça no início do segundo tempo, lenços acenavam para os valentes atletas uruguaios. Veio o gol de empate dos uruguaios, Schiafino o autor da proeza. Um calafrio penetrava ossos e nervos do Maracanã com a lotação máxima. O inexorável iria acontecer aos trinta e quatro minutos. O ponteiro Gighia chutava a bola e a grama. Ninguém acreditava no que se estava vendo, a bola entrando entre a trave e o goleiro Barbosa. Lenços já não acenavam. Aquela coisa que só infundia medo, estupidamente sem tamanho, percorria todo o estádio. Ninguém podia reverter o capricho dos deuses. Contava o locutor que, encerrado o jogo, a procissão de mortos saía do Maracanã, e o país, que pensava e amava pelos pés, principalmente naquele dia, em caos desencantava-se.

Outras derrotas amargas em campeonatos mundiais iriam acontecer e com elas ferimentos que teimam em não cicatrizar. Anotem a eliminação do Brasil pela primeira vez na fase de grupos, Copa da Inglaterra. Perdera para Portugal por três a zero e para a Hungria por três a um. Só conseguiu vencer a desconhecida Bulgária por dois a zero. Voltamos cabisbaixos para casa. Na Copa de 1982, na Espanha, a lendária seleção, que jamais sucumbiu à derrota contra a Itália, provou que o futebol não é apenas jogar bonito e ofensivo, mas resultado. O Brasil, de Telê, Zico, Sócrates, Junior e Falcão, era a vítima na Tragédia de Sarriá. Eliminado pela seleção italiana, a aguerrida azurra, de Zoff e Paolo Rossi, por três a dois. Em 24 de junho de 1990, outra derrota traumática. Com uma seleção superior, com duas bolas na trave do adversário e um massacre desferido no tempo regulamentar, o Brasil foi eliminado pela Argentina por um a zero. O lance do gol: aos 35 minutos do final, Maradona passou por três brasileiros e serviu Claudio Caniggia, que ficou cara a cara com Taffarel. O atacante teve calma para driblar o goleiro brasileiro e tocar a bola para o fundo das redes. Na Copa de 86, Zico e Sócrates perderam pênaltis, e o Brasil foi eliminado pela França de Platini.


Depois que ganhamos da França por cinco a dois na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, só fizemos perder em mundiais. O dia 12 de julho de 1998 deixou uma triste lembrança para o torcedor brasileiro na disputa da Copa do Mundo, na França. O time brasileiro enfrentou um duro jogo contra a Holanda, nas semifinais. Após o empate por 1 a 1, o jogo foi para as penalidades, vencidas pelo Brasil por 4 a 2. Na final, o Brasil entrou em campo para sagrar-se hexacampeão mundial. Com um futebol apático, sonolento, foi derrotado pelos franceses por 3 a 0, com gols de Zidane (2) e Petit. Antes do jogo, Ronaldo, principal estrela do time brasileiro, sofreu uma convulsão em um episódio que abalou todo o time e que gera polêmica até os dias de hoje.

Pensávamos que o volume da tragédia, com o Brasil derrotado numa final de Copa do Mundo, em sua casa, fosse ser expulso do estádio na Copa de 2014, a ser realizada pela segunda vez nessa “pátria em chuteiras”, como dizia Nelson Rodrigues.

O pior dos traumas estava para acontecer. Sem Neymar, o craque do time, fora retirado de campo contundido, pela falta abominável cometida pelo defensor da Colômbia, na partida anterior, os ares da tragédia começavam a ser anunciados pelos ventos do azar. Ele estava fora da final contra a Alemanha. Apesar dessa baixa enorme, havia alguma confiança de que a batalha final seria vencida pela Seleção do Brasil. Meu Deus, o que foi que aconteceu naquele dia vergonhoso? Perdemos em casa outra Copa do Mundo, dessa vez pelo humilhante placar de sete a um. Em poucos minutos já perdíamos por três a zero, sofremos três gols de repente, um atrás do outro.

Perguntaram a Gerson, o meia-esquerda genial da Seleção de 70, no México, para muitos a melhor de todas em mundiais, como se explicava outra catástrofe do futebol em nossa casa. Não se explica o que é inexplicável, respondeu. Sabem quando vai acontecer outra derrota vergonhosa dessas? A seguir completou, nunca.

Como disse no início que o futebol brasileiro gosta de escrever sua história nos extremos, penso que vamos ser pentacampeões de futebol na Copa do Mundo de Moscou, em 2018.

Até mais verde que te quero verde.


CYRO DE MATTOS é autor publicado em vários países europeus, Estados Unidos e México. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Itabuna e Academia de Letras de Ilhéus. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

FORÇA CHAPE, de CYRO DE MATTOS


Tanta dor, tristeza. A vida ceifada com golpe imenso e impiedoso. O que dizer sobre o absurdo que destrói a inocência na traição da madrugada? É muito difícil escrever alguma coisa para diminuir a dor provocada com a tragédia aérea que envolveu os jogadores da Chapecoense, dirigentes, jornalistas e a tripulação, na última terça-feira de 29 de novembro. A queda do avião, nas proximidades do aeroporto de Medellín, deixou um trauma terrível no qual das 76 pessoas 71 morreram, 19 eram jogadores da Chapecoense; apenas 5 sobreviventes foram resgatados dos escombros.

Na segunda-feira à noite, depois de assistir ao Jornal Nacional, da TV Globo, dirigi-me ao computador para atualizar a correspondência e, a seguir, dar andamento à escrita de meus textos literários. Nesse hábito que a literatura me impõe há anos, costumo viajar com as palavras pelas pastagens silenciosas da noite. Dessa vez, ao terminar mais uma tarefa do fazer literário, pela madrugada de terça-feira, estava extenuado, sem sono. Liguei a televisão em busca de algum programa que amenizasse o cansaço, trazendo daí a pouco o sono.

Logo fiquei de frente a um impactante momento trazido pela notícia que me deixou perplexo. O repórter anunciava na televisão que o avião com a delegação da Chapecoense, sem combustível, havia caído em terras colombianas, a cinco minutos do aeroporto. Bateu no morro, descera se rasgando entre as árvores até ficar destroçado no fundo enlameado de grande cratera. Com o tempo chuvoso, a televisão mostrava os homens do salvamento em extremo esforço, buscando localizar os corpos. Havia na agonia deles a esperança de encontrar sobreviventes.
          
         A tragédia era por demais absurda, atingia aquele ponto insensato em que forças cegas na avidez da morte convergem para o horror e a estupefação do acontecimento. Haveria de ter uma saída naquele quadro desesperador para transformar o trauma em algo menos doloroso, pensei. Haveria mais sobreviventes. Era inacreditável, injusto, que o sonho de jogadores vitoriosos, heróis que estenderam para milhares de torcedores a alegria como forma de vida, fosse interrompido pela mão pesada do inconcebível. Meu Deus, não era possível, não era possível.

Na Arena Condá, no oeste de Santa Catarina, havia assistido pela televisão a proeza de um time de porte médio, de uma cidade de pouco mais de duzentos mil habitantes, eliminar da Copa Sul-Americana o poderoso time copeiro argentino do Independente, tantas vezes campeão mundial de clubes. Vi eliminar o São Lorenzo, outro time famoso argentino, campeão da Libertadores. Vi deixar para trás também a respeitável equipe do Junior Barranquilla, da Colômbia. No desastre aéreo, como num pesadelo, o futebol agora pendia na dor, somente na dor. Foi então que a esperança, de dentro dos pesares, dos rostos em lágrima, fez brotar sua luz verde com o facho da solidariedade. No estádio Atanásio Girardot onde seria realizada a partida final da Copa Sul-Americana, entre a Chapecoense e o Atlético Nacional, a esperança inventou o carinho para amenizar o sofrimento de milhares. O povo colombiano, de branco, com velas acesas, rezava, chorava. Aplaudia, dizendo, a uma só voz, que o campeão daquela temporada na América do Sul era o time brasileiro. “Força Chape!” Um grito solidário ecoava pelos campos de futebol do mundo, propagava-se com os ventos do amor pelas vastidões do eterno, molhando-nos, nessa hora da pureza, de humano entendimento.

      Imagino que, ante o sentimento de coragem e nobreza do povo colombiano, a morte naquele instante teve vergonha de ser a conhecida mulher indesejada de nossos caminhos, a soberba detentora dos nossos ossos.

  • Cyro de Mattos é escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris Causa da UESC. Membro efetivo do Pen Clube do Brasil, das Academias de Letras da Bahia, Ilhéus e Itabuna. 

MANÉ GARRINCHA, de JOÃO SALDANHA


Uma vez, durante uma excursão do Botafogo que duraria uns quinze dias pelo interior e como o Mané [Garrincha] andasse um pouco gordo, o Dr. Gosling e eu combinamos fazer um controle alimentar no cobra. O doutor prescreveu o regime e todo o dia Mané comparecia à balança. Os dias iam passando o Garrincha não diminuía um grama sequer. E olhem que além do regime, havia jogos quase que de três em três dias.

Hilton Gosling passou a sentar junto do Mané, mas mesmo assim, nada. Até que numa cidade (Goiânia), o Neivaldo ficou no mesmo quarto com Garrincha e observou: — "O Garrincha tá tomando uma garrafa de mel toda a noite. Não é ele que está fazendo regime?"

O doutor coçou a cabeça e foi falar com Garrincha sobre o mel. A resposta veio pronta do mais sonso dos jogadores de futebol que já existiram: "É verdade, sim. Mas é que eu estou com uma tossezinha e mel é o melhor remédio para isto..."

O Mané é assim mesmo. Não estava fazendo o regime porque não achava oportuno, e pronto. De outra feita, no Campeonato Sul-Americano de 59 em Buenos Aires, Mané estava redondo como uma bolinha. Então eu perguntei a um companheiro de clube e que também fazia parte do selecionado, o que o Garrincha andava comendo que não devia e me foi respondido que Mané gostava muito de uvas e estava comendo uns dois quilos de uvas argentinas (até parecem jabuticabas de tão grandes) por dia. Mas a verdade é que como na época o Mané tinha andado machucado, acharam que o Dorval era melhor do que ele. Não se interessou absolutamente pelo resto.

De maneira que o Paulo Amaral não deve ficar agastado com as críticas em torno do peso do Mané. Nem que o Paulo se rache de verde e amarelo, conseguirá tirar um grama do Garrincha, se Garrincha não quiser. As críticas são no sentido de aviso e são para o Garrincha.

Evidentemente, continuarão. O Mané é muito maroto e jogador igual a ele, todo torto, todo simples, condenado pela ciência como atleta, não há nada nos compêndios que explique claramente como levá-lo. A do mel, por exemplo, não estava no livro que o Dr. Gosling tinha estudado. (Do livro de João Saldanha Meus amigos publicado em 1987 pela Editora Nova Mitavaí)

O SAMBA DE GARRINCHA

Texto de MÁRIO DE MORAES – Foto de RUBENS AMÉRICO. Publicado originalmente na revista O Cruzeiro de 18 de julho de 1964 e transcrito do site Memória Viva mantendo a ortografia da época.


Mané Garrincha, que sambou como quis frente a “João” de tôda ordem, e balançou muita rêde internacional com seus chutes de enderêço certo, volta ao cartaz numa nova facêta, bem diferente da que o fêz famoso. Garrincha, agora, fará os outros sambarem, dando receita para balanço. Não é conselho para furar arco adversário, mas forma acertada de cair no mais autêntico samba brasileiro. Porque Mané virou sambista. E, na base do teleco-teco, lançou seu primeiro sucesso, que tem como título “Receita de Balanço”. E, com intérprete, Elza Soares, a bossa em pessoa.

A história é simples, como simples são os seus personagens, apesar da fama que os cerca.

Há dias Elza Soares preparava, na cozinha da sua bonita casa da Ilha do Governador, um bem temperado feijão, quando ouviu o ritmado assovio. O samba não era conhecido. O assobiador, sim. Mané Garrincha surgiu, e com êle o diálogo:

 Onde aprendeu êsse samba, Nenen?
 Não aprendi, Crioula. É meu.
 Seu? E tu é sambista?
 Não sou, mas dou meus assobios.

A música era gostosa. Faltava a letra. Ali mesmo, entre pratos e panelas, Mané Garrincha preparou a primeira parte. Depois do almôço, saiu a segunda. Elza deu uns retoques, e veio o batismo: “Receita de Balanço”.

 Vou gravar êsse samba, Nenen.
 Deixa pra lá, Crioula.
 Mas, êle é muito bonito.
 Então, é todo seu.

A turma da Odeon ouviu o samba. Gostou e marcou gravação para o dia 24 de junho. “Receita de Balanço”completará um compacto de 4 sambas. Unindo-se a “O Morro”, “Bossambando” e “Na Roda do Samba”. Garrincha misturando-se com compositores do quilate de Carlos Lyra, Orlandivo e Helton Menezes.

Agora o diálogo é conosco:

 O samba é bom, Garrincha?
 Não sei. A Crioula gostou.
 Você já tinha feito algum outro samba?
 Não me lembro. Talvez, sim. De brincadeira.
 Qual é a letra?
 Não repare a voz. É assim: “Vamos balançar/ Cantando/ Vamos balançar/ Sambando/ Vamos balançar/ E deixando a tristeza da vida pra lá”. Agora, a segunda parte: “Como é que nasce o amor?/ Balançando/ Como é que se cura uma dor? Cantando/ Então vamos balançar/ E deixando a tristeza da vida pra lá”. Gostou?

Gostamos. Principalmente depois que ouvimos a repetição na voz de Elza Soares. É impossível, porém, separar Garrincha do futebol. Ainda mais na semana em que só se fala no seu joelho enfêrmo.

 Como vai o joelho, Garrincha?
 Acabei o tratamento hoje. Agora, segundo o médico que está me tratando, terei que ficar mais quinze dias parado. Depois posso voltar a jogar, em plena forma.
 Quem é êsse médico?
 É um holandês, de nome complicado. É muito bom, e deu jeito no meu joelho.

Garrincha se desabafa. Está triste com os que o criticam, por não ter excursionado com o Botafogo. Explica que teve vontade. O seu médico, porém, avisou ao técnico do clube:

 Se quiser, podem levá-lo. Mas, na volta, não quero mais vê-lo, nem me responsabilizo pelo que lhe possa acontecer. Se não fizer o tratamento direito, pode ter certeza de que Garrincha não ficará bom.
Mané não foi, pensando no próximo campeonato carioca. E na Copa do Mundo de 66:
 Essa eu trago, nem que tenha que morrer em campo.

Falaram que êle só pensa em dinheiro:
 Não é verdade. Gostar de dinheiro, eu gosto. Mas gosto ainda mais do futebol. Se o que dizem fôsse verdade, eu teria ido. Jogava cinco minutos em cada partida, garantia a cota do Botafogo e embolsava 200 mil cruzeiros por jôgo. Além disso, não indo, deixei de ganhar um milhão e pouco. Estou há 13 anos no Botafogo e só não excursionei porque preciso ficar bom. Para o bem do meu próprio clube.

Elza Soares vai trocar de roupa, para novas fotos. E comenta:
 Hoje eu posso escolher um vestido, entre muitos que enchem o meu guarda-roupa. Não era assim no tempo da Conceição.

“Conceição” era um vestido. O único que Elza Soares possuía quando iniciou no rádio. Presente de Ziza, espôsa de Aerton Perligeiro. Côr coral, era lavado todos os dias, para as apresentações da bossa crioula. Hoje Elza ganha 200 contos por “show” e faz de dois a três por semana.

MARACANÃ, de Armando Nogueira


Revejo, com saudade,
as bandeiras das tuas batalhas repartidas sobre o campo.
Revejo, com saudade,
a tua multidão que torce e distorce a verdade até morrer,
doa a quem doer.
Revejo, com saudade, as esperanças que se perdiam pela linha de fundo
no entardecer de cada jogo.
Quantas vezes foste a minha pátria amada, idolatrada,
salve, salve a seleção!
Quantas vezes a minha alma escapava de mim
e, sem que o árbitro notasse, aparecia na pequena área,
providencial, para fazer o gol da vitória.
Perdi a conta dos gols
que fiz com pés que nunca foram meus.
Saudade de certa lágrima de vitória
que, um dia, vi brilhar no rosto quase meu de uma criança.
Maracanã.
És a fantasia da paixão
que aproxima e divide:
louvor e blasfêmia,
alegria e desdita.
És o gol de Gigghia,
celebrado com um minuto de silêncio à soberba nacional.
És o ignorado heroi de uma tarde
cujo gol restou sem data
como se nunca houvera sido feito.
És gol de placa
que ninguém sabe ao certo como nasceu
mas que o tempo
vem tratando de fazê-lo cada dia mais bonito.
Gol de fábula.
És o craque que passa, sem pressa,
tecendo a promessa de gol com a bola nos pés
e os olhos na linha do horizonte.
És Gérson e Jair da Rosa Pinto
que tinham no pé esquerdo o rigor da fita métrica.
És Nilton Santos, futebol de fino trato,
na majestade e no saber.
És Zizinho, que conhecia, como ninguém,
todos os atalhos da tua geometria.
És Zico que driblava triscando a grama,
suave como uma pluma.
És a "folha-seca" de Didi,
fidalgo de rara nobreza
que tratava a bola como se trata uma flor.
És Ademir Menezes correndo, olímpico,
pelos indizíveis caminhos do gol.
És Carlos Castilho, santo goleiro
que fazia milagres pelos confins da pequena área.
És Pelé,
cujos gols eram tramados na véspera
(ele trazia de casa as traves e a bola do jogo).
És Garrincha que dobrava as esquinas da área
driblando Deus-e-o-Mundo
com a bola jovial da nossa infância.
Quanta saudade
daquele drible pela direita
que alegrava as minhas jovens tardes de domingo.
És, enfim, a vitória e a derrota,
caprichosa imitação da minha vida.
E porque és uma parte da minha memória,
seguirei cantando, comigo, a melodia de teu doce nome:
Maracanã...