JOAQUIM NOGUEIRA, MESTRE DA LITERATURA POLICIAL BRASILEIRA

TEXTO E FOTO DE IVO KORYTOWSKI


Recebi do escritor Joaquim Nogueira um exemplar do primeiro romance policial que ele escreveu, com o título sugestivo Algemas comuns, de aço, que andava esquecido em alguma gaveta do seu escritório, e que ele agora resolveu editar por conta própria com tiragem reduzida (50 exemplares) para distribuir aos amigos. Joaquim Nogueira é autor de dois grandes romances policiais publicados na consagrada SÉRIE POLICIAL da Companhia das Letras: Informações sobre a Vítima e Vida Pregressa. Assim como Conan Doyle criou o detetive Sherlock Holmes e o recém-falecido Luiz Alfredo Garcia-Roza (que foi meu professor nos idos de 1969) criou o detetive Espinosa, Joaquim dá à luz (porque em literatura homens dão à luz!) o policial Venício, o narrador da história, em primeira pessoa. Não é o policial britânico, sherlockiano, que se baseia no puro poder dedutivo, nem o policial norte-americano que conta com uma parafernália tecnológica, tampouco o charmoso policial francês fazendo balançar o coração das mulheres. É o policial brasileiro inserido na nua e crua realidade de um país que, por não ter terremotos, maremotos nem guerras, cria suas próprias crises e mazelas para a vida não ficar monótona.

Aliás o grande mérito do Joaquim Nogueira como escritor policial é, baseado (suponho) na sua experiência pregressa como delegado na megalópole paulistana, ter criado uma linha de romances policiais que reflete perfeitamente a nossa realidade. Neste aspecto podemos dizer que Joaquim Nogueira revoluciona, recria a literatura policial brasileira como, digamos, Nelson Rodrigues recriou o teatro moderno brasileiro e Sílvio Tendler recriou o documentário brasileiro.

Nas orelhas do livro o autor revela que “não encontrou facilidades na vida. Nada caiu de graça no seu colo.” Nascido no interior do Acre, em família humilde, cursou o ginásio na capital Rio Branco, depois morou em Manaus, Belém, Rio de Janeiro, até enfim vir parar – como eu também vim parar – aqui em São Paulo, onde foi delegado de polícia e, depois de aposentado, realizou o sonho de se tornar escritor policial.

Eu sempre digo que se Monteiro Lobato tivesse nascido nos Estados Unidos ou Inglaterra seu Sítio do Picapau Amarelo teria virado desenho da Disney, filme da Dreamwork, parque temático, o escambau, e seus impagáveis personagens, Pedrinho, Visconde, Emília, Narizinho, Dona Benta, seriam mundialmente tão conhecidos quanto Harry Potter, Peter Pan ou a Alice do País das Maravilhas. Pois agora digo que, se o Joaquim Nogueira tivesse nascido nos Estados Unidos, nação com longa tradição de literatura policial, seus romances policiais virariam best-sellers e chegariam às telas dos cinemas.

Como os grandes pontos fortes da obra do Joaquim eu destacaria: primeiro, como já disse, a sua fidelidade a uma realidade policial bem brasileira. Embora leitor inveterado da literatura policial universal, o Joaquim, longe de se deixar influenciar por ela, cria seu próprio estilo original embebido de nossa realidade. Em segundo lugar, temos um dialogismo impecável: as falas fluem com uma naturalidade de novela de televisão (porque as novelas brasileiras têm essa capacidade de criar diálogos que soam naturais, e não teatrais, no mau sentido da palavra “teatral”). Em terceiro lugar eu destacaria seu estilo escorreito, seu texto muito bem escrito. O Joaquim Nogueira é mestre na figura de linguagem conhecida como símile: suas comparações são de uma originalidade e imaginação dificilmente encontradas em algum outro escritor tupiniquim. Vejamos alguns exemplos:

Ela trabalhava ali como um coveiro, silenciosa e solitária.


Nos olhávamos de pé como dois estranhos de noite em um ponto de ônibus.

o antro estava mais cheio que uma casa lotérica em véspera de sena acumulada.

o arroz e feijão gelados como um morto.

lerdo como uma tartaruga cansada

Deprimente como um depósito de esquifes.

uma porta de carvalho larga e pesada como a porta de um mosteiro

o rosto liso como o rosto das imagens na igreja

minha boca estava seca como a boca de um forno

incrédula, como ficaria o motorista multado na 13 de Maio sem nunca ter passado por lá.

Tudo silencioso e morto como o átrio de uma igreja na terça-feira de carnaval.

seco como as areias do Sahara.

No livro, o policial Venício investiga a morte de uma mulher com quem teve breve caso amoroso, Éver Bartoli e, embora tendo por ponto de partida uma única e escassa pista, uma caneta tinteiro com as inicias S.S., ele vai farejando daqui, vai fuçando dali, vai perguntando acolá, dando uns eventuais socos, levando uma eventual porrada, recebendo proposta indecorosa (“Quanto você quer?”), interrogando sem mandado judicial (porque se for cumprir todas as burocracias a investigação não avança), e aos poucos vai desvendando um mundo sujo de jogatina, política, drogas, prostituição, tudo aquilo que a gente vê numa boa série americana... Em suma, o livro é uma boa história policial com a estrutura clássica do crime misterioso logo na abertura, sua investigação e enfim elucidação surpreendente.


O Algemas Comuns, de Aço não está à venda no comércio, mas quem sabe se você pedir pro autor ele faz a gentileza de te enviar um exemplar? Escreva para nogueirajoaquim@hotmail.com