A LÓGICA DOS RAIOS, de Nelson Motta


Incrível, fantástico ou extraordinário? Apenas coisas da vida: no ano passado, 131 brasileiros morreram fulminados por raios em diversas regiões do país. É mais gente do que as vitimas de desastres aéreos no período, que têm muito mais chances de acontecer, por dependerem de fatores humanos e mecânicos, além dos meteorológicos. Os raios, não: desabam dos céus aleatoriamente para fulminar um ser humano inocente, de qualquer sexo, idade ou classe social, que estava no lugar errado, na hora errada.

Pelo número de mortos no Brasil, imagina-se quanta gente do mundo inteiro voltou ao pó por uma descarga de milhões de volts disparada dos céus. A vida é mesmo assim, está sempre por um fio, absolutamente fora de qualquer controle humano. E pode acabar num raio, ou num infarto, a qualquer momento. Até para o mais poderoso dos mortais.

Desde Zeus e Iansã [foto], os raios são a simbologia ancestral do poder da divindade e representam a força do acaso, da fatalidade e do destino. Eles fulminam a onipotência humana e revelam a nossa fragilidade e desimportância. Além dos acidentes, das tragédias, das doenças terminais e aleatórias, das balas perdidas e das dores crônicas que, como raios, fulminam a existência de alguém, não existem dinheiro ou poder no mundo que resistam a um simples cálculo renal, um apêndice supurado ou a um dente com o nervo exposto. 

É duro admitir, mas não há justiça na natureza, nem no cosmos, nem nos deuses. É melhor aceitar que o conceito de justiça é uma invenção humana, com suas imprecisões e precariedades, para possibilitar uma vida civilizada em comunidade.

Dizem que os raios não caem duas vezes no mesmo lugar, mas há controvérsias: pelo menos metaforicamente, a história vem desmentindo esta crença. Senão Sarney não teria sido tantas vezes presidente do Senado. Brizola não teria governado o Rio de Janeiro duas vezes. Rosinha não teria sucedido a Garotinho.

Poucos ainda usam a velha expressão de origem portuguesa "vá para o raio que o parta". Mas, se for usar, diante das estatísticas brasileiras, cuidado com os seus desejos, porque eles podem se realizar. (Publicado originalmente em O Globo de 26/11/10. Foto da escultura de Iansã tirada no Parque da Catacumba, Rio de Janeiro)

A ONDA, de Susan Casey

TRADUÇÃO DE IVO KORYTOWSKI



TRECHO DA INTRODUÇÃO DO LIVRO:

A história está repleta de testemunhos sobre ondas gigantes, monstros na faixa dos trinta metros ou mais, porém até recentemente os cientistas os descartavam. Eis o problema: de acordo com a física básica das ondas oceânicas, as condições que podem produzir uma onda de trinta metros são tão raras que praticamente nunca acontecem. Qualquer alegação de que alguém tenha visto uma, portanto, não passaria de papo furado de pescador ou mentira pura e simples.

Mesmo assim, era difícil desprezar o relato do herói polar Ernest Shackleton, que estava longe de ser o tipo de pessoa com inclinação para exageros histéricos. Em sua travessia da Antártida à ilha da Geórgia do Sul, em abril de 1816, Shackleton observou movimentos estranhos no céu noturno. “Em seguida, percebi que o que eu vira não havia sido uma brecha nas nuvens, mas a crista branca de uma enorme onda”, escreveu. “Durante meus 26 anos de experiência no oceano em todos os seus estados de ânimo, eu nunca vira uma onda tão gigante. Uma sublevação poderosa do oceano, algo bem diferente das grandes ondas de crista branca que tinham sido nossos incansáveis inimigos por muitos dias.” Quando a onda atingiu seu navio, Shackleton e sua tripulação foram “lançados à frente como uma rolha” e a embarcação ficou alagada. O navio só não soçobrou por pura sorte e porque a tripulação conseguiu rapidamente retirar a água com baldes. “Francamente, torcemos para que nunca mais nos deparássemos com uma onda daquelas.”

Os homens no cargueiro München, de 850 pés, teriam concordado se algum deles tivesse sobrevivido ao encontro com uma onda semelhante em 12 de dezembro de 1978. O München, que todos acreditavam ser impossível de afundar, era o que havia de mais moderno em termos de embarcação, a nau capitânia da marinha mercante alemã. Às 3h25, fragmentos de um pedido de socorro em código Morse com origem 720 quilômetros ao norte de Açores indicavam graves danos causados por uma onda. Mas mesmo depois que 110 navios e 13 aeronaves foram mobilizados — a mais completa operação de busca na história da navegação —, o navio e seus 27 tripulantes nunca mais foram vistos. Restara apenas uma pista assustadora: as equipes encontraram um dos barcos salva-vidas do München, que normalmente ficavam vinte metros acima da linha-d’água, boiando vazio. Os encaixes de metal retorcidos mostravam que o bote tinha sido arrancado. “Algo extraordinário” havia destruído o navio, concluiu o relatório oficial.

O desaparecimento do München aponta para o principal problema em se provar a existência de uma onda gigante: se você depara com esse tipo de pesadelo, é provável que ele seja o último de sua vida. A força das ondas é inegável. Uma onda de meio metro consegue derrubar um muro erguido para suportar ventos de duzentos quilômetros por hora, por exemplo, e alertas costeiros são emitidos até para ondas de um metro e meio de altura, que costumam matar quem for pego desprevenido no lugar errado. O número de pessoas que testemunharam de perto uma onda de trinta metros e conseguiram voltar para casa para descrever a experiência é ínfimo.


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